Qual a dimensão do poder da beleza sobre a realidade?
Aquilo que encanta pela forma e simetria possui algum poder além da superficialidade ou trata-se de um fútil esforço de nos apegarmos ao que não sobrevive ao tempo?
A imaginação do homem é afetada pelos elementos visuais que estão a sua disposição. Rodeado de feiura e caos ou este indivíduo cria o seu próprio ambiente estético com elementos imaginários ou viaja pelo mundo e se deixa impactar, elevando o seu parâmetro do que é belo e humano; Quando criados em meio àquilo que é hediondo e presenciamos pela primeira vez uma obra arquitetônica ou catedral majestosa construímos a partir daquele momento uma medida das possibilidades humanas, antes disso não.
Em qualquer época entre 1750 e 1930, se você pedisse às pessoas cultas para descrever o objetivo da poesia, da arte ou da música, elas teriam respondido: a Beleza. E se você perguntasse pela razão disso, você aprenderia que a Beleza é um valor, tão importante quanto a Verdade e o Bem.
— Afirma Roger Scruton no documentário Why Beauty Matters? (trad. Por que a beleza Importa?) baseado em sua obra Beleza (Beauty 2009).
O caos físico e a feiura nos induzem a uma espécie de fatalismo em que a maioria dos problemas não tem solução, de que o universo é hostil e a humanidade inviável; Todo problema torna-se sobrecarregado de camadas e de sofrimento desnecessário fazendo tudo parecer uma impossibilidade, pois tal realidade influencia a nossa imaginação moral e comportamental.
Num outro exemplo, aqui, quando você convida alguém para fazer uma viagem a pessoa acredita — e essa é a palavra — que antes disso é necessário resolver todos os seus problemas pessoais (financeiros, de saúde e etc), não seria mais fácil viajar primeiro? O contexto de caos não permite distinguir problemas, tudo torna-se aglutinado. A desordem física é o começo desse conflito porque ao tentarmos impor ordenação e harmonia em nossas mentes ela se depara inevitavelmente com o oposto disto na realidade prática alimentando nossos olhos com informação estética conflitante a cada minuto da rotina diária.
Propondo um exercício imaginativo, visualize um pomar, bucólico, linear e arrumado, com frutas suculentas e folhas verdes, terra bem arada e cerca cuidadosamente talhada, um estrangeiro que passe por aquelas terras olharia tudo aquilo com cuidado, admiraria as linhas e formas ordenadas, projetaria em sua imaginação moral que alguém dedicado e zeloso construiu aquilo e pretende manter assim, teria um impulso inicial de não esbarrar ou desarrumar, de não prejudicar a beleza e os cortes detalhados no solo irrigado; aquela paisagem moral o torna receoso, sentindo-se um inquilino que perturba a atmosfera de pureza autoimposta por aquele espaço. Agora, o oposto também é verdade, um visitante que se depare com um ambiente decadente, de formas horrendas, sujo e odor nauseante sente-se livre para desfigurá-lo ou despejar o seu pior e mais vil comportamento ali, a beleza em si mesma civiliza e educa.
Na intenção de revitalizar o espírito de grandeza, primeiro é preciso criar uma autodefesa estética, preencher sua mente de imagens e elementos daquilo que é belo no mundo real — de coisas à lugares — , como um imaginário de “coisas” palpáveis (apesar de distantes); pois a frequente exposição a feiura acaba se prolongando também num caos moral e ético, distorcendo a nossa medida das possibilidades humanas (tanto comportamentais quanto intelectuais), as tornando baixíssimas ou quase nulas. Aliás, num ambiente isento de beleza a própria medida da bondade acaba se tornando precária, ou seja, estando inserido num simbólico depressivo consequentemente sua interlocução com as pessoas também se torna extremamente depressiva — os próprios conselhos dados são extremamente pessimistas e autodestrutivos por serem baseados na perspectiva ética das possibilidades visíveis e invisíveis — , e se não aprendermos a nos defender disso tudo provavelmente afundaremos com todo o resto.
O profano na beleza
Num contexto contemporâneo de vitrines sociais e propaganda da vida pessoal (onde projetamos aquilo que não somos) é natural confundirmos a função daquilo que é belo do que é feito somente para nos atrair pela beleza. Quando contemplamos um quadro e nos encantamos com suas formas e cores é por saber que — nos bastidores do que é atraente aos olhos — existe um esforço, um trabalho aplicado que antecede ao espanto da beleza; refletimos sobre o artista, sobre as horas despendidas na obra e possíveis técnicas utilizadas. O belo só o é porque não está vazio por dentro e expressa uma verdade anteriormente pensada e ali exprimida, nos compelindo a um sentimento de admiração e zelo por tudo o que aquilo representa.
Agora, quando confundimos a verdadeira beleza com o fenômeno da vitrine social — onde valorizamos o mostruário em detrimento do que reside no interior — perdemos todo o sentido real do termo. Alguém que busca compensar na beleza a ausência de algo dentro de si é o completamente oposto do exemplo do artista. O exterior deve ser uma janela que te conecta com a sua verdade interna, por esse motivo uma excessiva preocupação com a beleza indica um vazio espiritual e intelectual, é como se o ser estivesse tentando compensar no exterior a falta de algo dentro de si.
Talvez um dos grandes apontamentos comportamentais precisos de nosso tempo:
Sempre que alguém ocupar-se incessantemente com o estético, com a maquiagem e com a propaganda está anunciando a você que dentro dela existe um conflito inescapável onde no belo reside o único valor daquele indivíduo.
A beleza deve ser um convite para que o outro lhe conheça profundamente, como a fachada de uma belíssima casa arrumada que guarda dentro dela um lar repleto de esforço, virtudes e histórias do teto ás paredes.
Claro que não somos apenas bondade por dentro, mas é a intenção de seguir neste caminho que define nossa bússola moral, é o esforço em ser bom até que se naturalize isso. Dedique-se a quem alie o interior com o exterior, e preocupe-se sim com a estética, mas na medida que ela reflita o que há de bom e superior dentro de ti.
Aquele que se reafirma através da beleza confessa a si mesmo e para todos não possuir qualquer outro atributo à oferecer.
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