Homens perdidos: A Contagiosa Síndrome de Peter Pan

Ricardo C. Thomé
O Conselho
Published in
3 min readApr 5, 2021

A peça de 1904, O Menino que Nunca quis Crescer, deu origem ao icônico personagem de J.M. Barrie, Peter Pan, que logo foi romanceado em 1911 nos livros. Peter é um garoto mágico, e a sua condição mística como criança é proposital, representando a potencialidade latente desta idade em ser aquilo que quiser, indefinido, ainda sem forma, pura promessa. Puro poder pronto para ser lapidado.

Pan fez uma escolha, rejeitando a vida adulta, se refugia na Terra do Nunca, o local fantástico onde nunca se envelhece, podendo viver eternamente a sua infância repleta de poder potencial. A outra figura simbólica desta obra, o Capitão Gancho, apenas reforça para Peter as suas convicções. Afinal, quem gostaria de envelhecer e ser como o Gancho¿ Ele não tem uma das mãos, é ardiloso e vive sendo perseguido pelo dragão do caos que é o gigantesco crocodilo, representado com um relógio soando dentro do seu estômago.

O Capitão é uma representação da nossa fase adulta, perseguido pelos problemas da responsabilidade e pelo tempo que arranca pedaço por pedaço seu a cada momento que passa. Um homem tiranizado que também é tirânico, ordeiro, pois precisa de ordem para viver. Tudo o que Peter odeia, repudiando compromisso, deveres e responsabilidades. O antagonista perfeito para o garoto que não quer crescer.

Rejeitando a vida adulta, Peter também rejeita a vida amorosa, que vem com a maturidade de nossos corpos e sentimentos. Wendy, a garota de família que deseja no futuro casar e ter filhos, é rejeitada pelo garoto mágico que prefere a companhia de Sininho, uma garota que sequer é real, e que por isso atende aos seus desejos e não contesta o seu estilo de vida infantilizado; poderia ser Sininho a mulher virtual, fetichizada, que só existe na cabeça do garoto?

Wendy o convida a crescer, a tornar-se homem, aceitar sua mortalidade; enquanto Sininho, por existir apenas em sua imaginação, é apenas uma extensão da personalidade de Pan, um objeto donde ele extrai o pó que o torna capaz de voar; em outras palavras, de tirá-lo da realidade.

Ela lhe contou histórias, ele a ensinou a voar. Amavam-se, mas ele não queria crescer… (J.M. Barrie)

Sacrificar a nossa infância é também sacrificar o nosso potencial para múltiplos caminhos, a maturidade de exige escolher apenas um, a vida adulta te enquadra, não há escapatória, você precisa se definir para interagir com o mundo… E porque você faria isso¿ Bem, por que isso uma hora ou outra irá acontecer, mas prevendo isso você pode escolher conscientemente o enquadramento em que viverá.

Quando você é jovem, e possui seus 20 ou 25 anos, o mundo ainda lhe dá algum crédito pelos seus erros, mas quando você chega aos 30, ou pior, aos 40, o peso das consequências é quase imediato, não se poderá esperar dos outros a compaixão por ter atrasado o seu desenvolvimento, não há Terra do Nunca na qual se refugiar e o Dragão do Caos com o relógio bipando estará no seu encalço.

Aceite a sua mortalidade, mate a sua multipotencialidade da infância para enquadrar-se na vida adulta e assumir uma função, um caminho definido, ou seja, amadurecer… um sacrifício não apenas necessário, mas que seja bom que ocorra enquanto há tempo para escolher com sabedoria o seu lugar antes que você se enxergue velho demais para pensar com cuidado que vida você poderia ter definido para si mesmo.

— Deste artigo derivou um ensaio no canal do Projeto, assista:

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Ricardo C. Thomé
O Conselho

Criador do projeto O Conselho. Professor e livre opinador sobre o homem, vida, morte e tradição | Instagram @ricardocthome