IDEM VELLE, IDEM NOLLE: Reconhecendo um verdadeiro laço de amizade

Ricardo C. Thomé
O Conselho
Published in
4 min readNov 16, 2020

Santo Tomás de Aquino sobre como identificar a amizade verdadeira.

Diante de inúmeras mudanças culturais e hábitos sociais muitos conceitos sólidos se liquefazem, se tornando fluidos e sem substância alguma, flutuando conforme a conveniência como uma espécie de utilitarismo ou lógica de consumo aplicada às nossas relações com as pessoas, e a definição de amizade não está isenta desse relativismo. Assumir compromisso está diretamente ligado a responsabilidade, e em nosso contexto atual de sociedade evitamos laços profundos justamente porque isso significa um dever com outra pessoa.

Então, buscando contribuir para a ideia dos laços relevantes, resgato aqui o conceito de amizade definido por Santo Tomás de Aquino na Suma Teológica.

Na obra, em latim, temos o seguinte trecho:

Ubi vera amicitia est, ibi idem velle, et idem nolle, tanto dulcius, quanto sincerus. (l.42.3)

Que numa tradução seria algo como “onde está a verdadeira amizade aí está o mesmo querer e o mesmo não querer, tanto mais agradável quanto mais sincero”.

Partindo dessa citação, segundo Aquino, o amigo é aquele que irá rejeitar e querer as mesmas coisas que você quer e rejeita, portanto que irá também amar e odiar as mesmas coisas que você ama e odeia.

Então, na prática do cotidiano, amigos são aqueles que estão olhando para a mesma direção, compartilhando dos mesmos princípios e valores. É importante ressaltar que não se trata simplesmente de afinidades básicas como o gosto por determinado hobbie, arte ou ambiente que frequenta, esta é uma idealização imatura de amizade, onde desejamos apenas uma réplica de nós mesmos, alias, muito ligada ao ego, e não é desta que trato aqui.

A verdadeira amizade não se trata de enxergarmos os nossos prazeres no outro. Isso é fruto do egocentrismo e não dos verdadeiros laços.

Voltando à definição de Aquino, já que você necessita ter valores em comum com alguém para possuir amizades reais, por consequência, também terá que olhar para dentro de si mesmo e identificar quais são os seus valores, reconhecer quais são os seus princípios, aqueles dos quais não abre mão, para daí então perceber se seus amigos comungam deles, só após conhecer a si mesmo você poderá identificar se suas amizades são reais.

DIFERENCIE ‘VALOR’ E ‘OPINIÃO’

Então só há amizade de verdade quando alguém concorda totalmente com as nossas opiniões? Não. Divergência de opiniões são intrínsecas à natureza humana, mesmo que se tenha valores em comum é normal discordâncias e desacordos. Por isso, para afinarmos melhor nossa definição, é importante definir o que é opinião e o que é valor para não cairmos no erro comum de selecionarmos amizades baseado em superficialidades.

Opiniões são efêmeras, variam de acordo com nossa perspectiva de momento sobre algo, são baseadas em reflexões cotidianas sobre assuntos ou gostos dinâmicos, frágeis diante do tempo; já valores são fixos, tendem a ser permanentes e muitas vezes inegociáveis, e são desses valores que o Idem Velle Idem Nolle trata. Não são afinidades mundanas e pontuais (como gosto musical, autores favoritos, esporte ou ambiente preferido), mas daquilo que sustenta as nossas existências e nos leva a um determinado lugar, por isso seus amigos devem estar caminhando na mesma direção que você nesse sentido.

SINCERIDADE ACIMA DA TIRANIA

“(…) tanto mais agradável quanto mais sincera”, diz a citação de Aquino, foque principalmente no “sincero” da sentença, esta comunhão de valores mencionada antes não pode vir de maneira forçada ou instrumentalizada no outro, deve ser espontânea, livre, vinda através da fortuna (destino), caso contrário será uma relação tirânica, vertical e submissa à sintonia de ideias e não originada dela, a amizade deve ser algo orgânico assim como agradável.

A BASE É A VIRTUDE DO BEM

E por último e não menos importante, na definição de Aquino, a amizade deve estar ancorada no bem e na verdade, portanto, aquelas relações que praticam a injustiça, o mal e a calúnia não devem ser consideradas como amizades. Os maus não são agraciados pelo prazer de uma amizade verdadeira, pois, unidos por motivos vis e práticas ruins, estão condenados a uma vida de relações utilitárias, frágeis e de pura conveniência, na qual tirar proveito é o único objetivo dessa aproximação.

Portanto, a amizade só existe sobre a luz do bem e da verdade. É uma dádiva dos que buscam pelas virtudes.

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Ricardo C. Thomé
O Conselho

Criador do projeto O Conselho. Professor e livre opinador sobre o homem, vida, morte e tradição | Instagram @ricardocthome