Pornografia é a morte da masculinidade

Ricardo C. Thomé
O Conselho
Published in
8 min readJun 4, 2020

A degradação das relações começa no imaginário sobre os nossos corpos.

Toda a nudez e violência sexual simulada está disponível a apenas um clique de distância, a tentação visual e apelo a libido do homem nunca foi tão explorada na história como nos tempos atuais através do fácil acesso a internet. Nos idos dos anos 90, para se ter acesso a qualquer material pornográfico era preciso se expor de alguma forma ou passar pelo filtro da maioridade para adquirir este tipo de conteúdo, inclusive muitos homens que viveram a adolescência nesta época conseguiam o acesso através de parentes ou amigos mais velhos, tudo dentro de um contexto limitado, havia um nítido constrangimento social em ser pego consumindo mídias físicas como revistas, VHS ou DVDs de material adulto.

Mas nos últimos 10 anos a forma como se consome conteúdo pornográfico mudou drasticamente, e esta transformação não só está deteriorando a mente masculina, mas também está matando gradualmente os vínculos emocionais, distorcendo a percepção do sexo real, e alterando negativamente as relações amorosas, e aqui discutiremos os motivos e as consequências da viralização desta nova droga presente na sociedade pós-moderna: a pornografia.

O rapto da mente masculina

Doutrinação à insensibilidade.

Ao se depararem com artigos como este muitos podem afirmar que, sendo o sexo algo natural, a pornografia não deve ser considerada um mal para a mente humana, acontece que entre a pornografia e o sexo real há uma enorme distância que leva em conta não só o contato físico, mas também a percepção dos demais sentidos, é sexo sintético — criado artificialmente — e a exploração que está indústria faz do prazer em nada se aproxima da realidade.

Quando se navega pelas abas de sites adultos, nossa percepção do corpo do outro assume a mentalidade de cardápios humanos combinadas em tags que vão desde filtros étnicos, proporção corporal e número de envolvidos na cena, incluindo simulação de brutalidade e fetiches degradantes, estimulo que piora conforme o hábito se aprofunda, desumanizando a visão que temos da relação sexual, como visto em estudos demonstrando que nossa mente aos poucos naturaliza práticas abusivas e acaba por buscar estímulos cada vez mais pesados (hardcore) para manter-se entretida em sua injeção de prazer diária e busca por novidades.

Pornografia: a nova droga.

Revelam os dados de um levantamento divulgado pelo portal BBC, que apesar de dos sites adultos representarem 4% da internet, eles são responsáveis por 30% do tráfego online, e diante de tamanha influência, análise após análise tem encontrado similaridades entre o consumo excessivo de pornografia e o vício em drogas; através de tomografias computadorizadas, é constatado que os estímulos deste consumo se portam de maneira idêntica ao mapa cerebral de uma pessoa viciada em substâncias químicas. Parte de nosso cérebro funciona com um mecanismo de esforço e recompensa, esta que gera a dopamina, substância que nos transmite sensação de prazer e felicidade.

Diante do excesso de sexo a mente humana reage da mesma forma que um viciado em drogas.

Hoje, com o acesso ao conteúdo sexual em enorme quantidade e facilidade, o esforço que tínhamos que fazer para adquirir prazer foi abolido, mais do que facilmente saciados, começamos a entender o processo de logar na internet ou site, clicar no vídeo e assisti-lo como uma fonte de prazer instantâneo, construindo assim um mecanismo em círculo que prejudica a nossa proatividade e esforço na busca por prazer saudável e nos aprisiona, se trata do vício na mencionada dopamina aplicada a pornografia.

Matrimônio, divórcio e traição

Mesmo relações conjugais não estão livres dos males da pornografia, é muito comum homens com parceiras fixas recorrerem a pornografia com grande frequência, o que parece uma contradição acaba se tornando um hábito justamente pelos motivos já mencionados: a procura por hiper estímulos que o sexo real não entrega, a recompensa fácil de prazer, o apelo gráfico distorcido do conteúdo consumido e a fetichização da vida íntima. Ao competir com a indústria pornô, o sexo com uma parceira torna-se pouco estimulante pela diferença enorme entre eles, e os estudos relacionando insatisfação sexual e este vício também indica que isto leva a insatisfação com o relacionamento, culminando até mesmo no término ou divórcio.

Esta insatisfação no relacionamento naturalmente abre brechas para traição, devido a busca externa pelos prazeres pré-fabricados pelo entretenimento e não vividos num relacionamento comum, reduzindo a autoestima e confiança entre o casal, inclusive levando homens a desejarem replicar cenas ou posições com suas parceiras, cenas estas que inundaram o seu imaginário, muitas delas contendo ações de humilhação, prazer cenográfico e agressividade como fetiche visual.

Depressão masculina e disfunção erétil.

Buscar estar em família, reunir-se entre amigos, flertar, esforçar-se para terminar um livro, a satisfação corporal após uma sequência de exercícios bem feita, a visualização de uma bela paisagem ao fim de uma árdua trilha na natureza, todos esses prazeres são pontuais e muito menores em relação a artificialidade da descarga de estímulos e dopamina que seu cérebro recebe com apenas alguns cliques em sites adultos, e aos poucos os estímulos saudáveis já não conseguem mais te animar, o tornando cada vez mais refém da superdosagem conseguida através da pornografia, o que pode levar gradualmente a quadros graves de depressão.

Em razão da dependência, muitos jovens sofrem de impotência sexual, depressão e pensamentos suicidas, síndrome do pânico, dentre outros problemas.

Num único dia, um jovem pode consumir uma quantidade de pornografia que qualquer um de seus ancestrais levariam uma vida inteira, e o aumento do consumo entre adolescente aumentou exponencialmente da geração anterior para esta. Além do risco de depressão, a artificialidade do sexo consumido leva ao homem a perder o ímpeto pelo sexo real, que é muito menos visual do que o pornográfico, o que tem levado a cada vez mais homens jovens a experimentarem a disfunção erétil, justamente pela distorção causada em sua mente devido o abismo de estímulos que é o sexo real frente ao sexo fantasiado.

As mulheres não estão isentas deste mal

Um estudo recente mostrou que as mulheres tem liderado as pesquisas por termos como “sexo muito violento” em sites pornôs, incluindo aqui atuações como estupro simulado. Este tipo de sintoma social nada mais é do que o desequilíbrio comportamental entre a psique masculina e feminina, mulheres tem buscado um imaginário de dominância na indústria adulta no intuito de alimentar uma natureza primitiva pela busca de figuras de dominância, no entanto, aqui o elemento cultural da pornografia pós-moderna elevou este instinto a níveis desumanizados.

Existe um mito social quanto ao consumo da pornografia por parte das mulheres que precisa ser quebrado para que encaremos a realidade, segundo uma análise da BBC Three em 2019, 47% das mulheres entre 17 e 25 anos disseram ter visto pornografia no último mês (o de análise). O crescente público feminino sendo contaminado pela excessiva promiscuidade e prazer sintético desta indústria prejudica também sua feminilidade, distorce a visão de uma sexualidade verdadeira e voltada para a reafirmação dos laços do casal para uma na qual a objetificação do corpo (pela artificialidade dos corpos expostos), e naturalização da violência é entendida como conexão real.

O uso da pornografia tem crescido no público feminino e, em comparação àquelas não consomem — na mesma pesquisa mencionada no início deste tópico — foi identificada um maior quadro de depressão, insatisfação corporal e problemas diversos referentes a autopercepção e expectativas sexuais com seus parceiros.

O difícil caminho para a recuperação

Para sair do vício primeiro é preciso reconhecer a própria dependência.

Há sintomas em comum daqueles que são dependentes da pornografia, dentre eles há a inabilidade em saber lidar com frustrações e a incapacidade de gerenciar o seu tempo livre, isso acaba facilitando o refúgio na pornografia e masturbação. Neste tópico colocarei alguns pontos que podem ajudar no processo de diminuição ou mesmo recuperação. Vale ressaltar que nenhuma desta sugestões substitui uma boa terapia. Busque sempre um profissional.

Fuja da ocasião

Nosso cotidiano é bombardeado por sexualidade, inclusive implícita. Músicas e clipes simulando atos sexuais, filmes, e etc, até mesmo algumas instituições de ensino jovem incentivam adolescentes a masturbarem-se como um ato saudável, o que pode levar a um descontrole do hábito (sobretudo na busca de estímulos).

Não é uma tarefa simples criar um ciclo virtuoso com tantas péssimas influências. Primeiro identifique em quais ocasiões você mais se sente compelido a pornografia e masturbação e evite-os, por exemplo, se pratica o ato antes de dormir, evite levar o celular para a cama, se são fotos eróticas no painel de busca das redes sociais, evite logar. Conheça seus pontos de gatilho e evite ocasiões que facilitem sua queda.

“Mude os móveis de lugar”

Pode parecer simples, mas a nossa mente se condiciona a determinados atos quando percebe que está num ambiente familiar a repeti-los, por exemplo: há muitos que possuem dificuldade de concentração para ler ou estudar na cama por que o cérebro entende que aquele é um ambiente de relaxamento, e não de trabalho. Portanto, se possível, mude a disposição dos móveis e objetos de seu cômodo ou casa. Talvez algo tão simples auxilie a dar mais um passo nessa mudança de hábito tão difícil.

Tolerância zero

Como mencionado acima, evite redes sociais e sites que possam te induzir a sexualidade, se você está com problemas de vício qualquer aproximação ou sugestão do seu objeto de prazer pode te fazer recair, redes sociais como o Instagram são tóxicas nesse sentido, seus buscadores são repletos de corpos esculturais em contextos de exibicionismo. Evite. Usar filtros bloqueadores de sites adultos pode ser um passo importante para evitar cair na tentação de digitar no smartphone endereços já conhecidos, caso sinta que estes filtros não bastam, peça ajuda a um amigo de confiança para controlar com senha esse acesso.

Amizades virtuosas

Ainda sobre amizades, retomando o tópico de “evitar a ocasião”, mantenha contigo amizades que possuam os mesmos valores e propósitos que você. Assim como para parar de beber estar entre os que se abstêm facilita a recuperação, o mesmo vale para amigos que não compartilham materiais pornográficos ou vivem constantemente referenciando sexo nas conversas, ou falam somente sobre mulheres e experiências sexuais. Busque companhias que não naturalizem o uso de conteúdo adulto ou debochem daqueles que desejam evitar o seu consumo.

Liste suas paixões e hobbies

O pior inimigo da redução ou eliminação da masturbação e da pornografia é o mau gerenciamento do seu tempo livre, para ocupá-lo você terá que conhecer a si mesmo, saber de seus prazeres além do sexual. Para isso, liste aquilo que gosta de fazer, espalhe bons hábitos pelo seu dia à dia, incluindo atividades físicas, evite sua queda realizando aquilo que gosta. Correr, colecionar algo, escrever, ler, e etc, o importante é ajustar a sua rotina.

Evite o fatalismo de que tal vício ou mau hábito é irreversível, com o auxílio de boas amizades, interações reais, atividades que te conectem consigo mesmo e mudando o ambiente e sua rotina, aos poucos essa nova droga será expelida do seu corpo e de sua mente.

Nunca é tarde para parar e salvar a si mesmo.

Bibliografia

(1) https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26209307/;

(2) https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/10720162.2012.657150;

(3) https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26745617/;

(4) https://psycnet.apa.org/record/2014-12926-003;

(5) https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28497988/;

(6) https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/10720162.2012.657150;

Livros ref: William M. Struthers. Wired For Intimacy, How Pornography Hijacks the Male Brain; Gary Wilson. Your Brain on Porn: Internet Pornography and Emerging Science of Addiction. Lance Dodes. Breaking Addiction.

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Ricardo C. Thomé
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Criador do projeto O Conselho. Professor e livre opinador sobre o homem, vida, morte e tradição | Instagram @ricardocthome