Freddie Mercury, cinema e o straight-washing: QUÊ?

Bruno Ferreira Botelho Lopes
oh, great! it’s bruno
4 min readMay 23, 2018

O lançamento do trailer de Bohemian Rhapsody, cinebiografia de Freddie Mercury, ressuscitou uma antiga polêmica.

E saiu o primeiro trailer do esperadíssimo “Bohemian Rhapsody”, cinebiografia do histórico ícone queer Freddie Mercury, líder da banda Queen.

O projeto, que passou por uma série de polêmicas, perdeu seu ator principal e, tempos depois, trocou seu diretor, finalmente ganhou uma data de estréia: em dois de novembro, o filme chegará aos cinemas dos Estados Unidos.

A sinopse do filme, em português, diz que:

Bohemian Rhapsody é uma celebração exuberante do Queen, sua música e seu extraordinário cantor principal Freddie Mercury, que desafiou estereótipos e quebrou convenções para se tornar um dos artistas mais amados do planeta. O filme mostra o sucesso meteórico da banda através de suas canções icônicas e som revolucionário, a quase implosão quando o estilo de vida de Mercury sai do controle e o reencontro triunfal na véspera do Live Aid, onde Mercury, agora enfrentando uma doença fatal, comanda a banda em uma das maiores apresentações da história do rock. Durante esse processo, foi consolidado o legado da banda que sempre foi mais como uma família, e que continua a inspirar desajustados, sonhadores e amantes de música até os dias de hoje.

Pera aí: não há qualquer menção à identidade sexual não-heterossexual (isso porque, embora existam discordâncias sobre ele ser homossexual ou bissexual, há a certeza enfática que heterossexual ele nunca foi) de Freddie. E convenhamos: a chamada “doença fatal” tem nome e está, nesse caso em específico, diretamente ligada à história da vida e da sexualidade do cantor.

A questão é: porque os produtores do filme optaram por esconder esses fatos, que são essenciais para a narrativa e compreensão da jornada do protagonista?

As críticas se intensificaram com o lançamento do trailer do filme. Isso porque, apesar do incrível primor técnico, o corte não coloca luz em nenhum aspecto da vivência de Freddie que flerte com sua homossexualidade, focando, pelo contrário, no relacionamento hétero-afetivo que viveu com Mary Austin.

Mary Austin pode até ter sido o amor da vida de Freddie, mas isso não deveria invisibilizar sua longa e aberta trajetória como um homem queer não-heterossexual

O termo straight-washing se refere à assimilação de personagens gays, lésbicas, bissexuais ou queer pelas regras da comunidade heterossexual. Em resumo, é a prática de retratar pessoas ou personagens queer como heterossexuais.

A prática — abundante em diversos setores da mídia, sobretudo na indústria cinematográfica norte-americana — aprofunda a marginalização da comunidade LGBT ao apagar suas histórias.

Na maior parte das vezes, é justificado pelo argumento de que a presença de pessoas ou o retrato das vivências queer ou não-heterossexuais diminuiria o alcance da audiência, limitando o público e a arrecadação financeira sobre a obra (falso!).

Não é difícil apontar exemplos do fenômeno: Ayo (no recente Pantera Negra), Motoko (A Vigilante do Amanhã), Constantine (em seu filme próprio), Mística (X-Men), Celie Johson ( A Cor Púrpura) e até Paul (em Bonequinha de Luxo).

Também já falamos, aqui no blog, sobre a questão envolvendo a sexualidade de Alvo Dumbledore, por exemplo, invisibilizada nos filmes da série Harry Potter e, aparentemente, em seu spin-off “Animais Fantásticos e Onde Habitam”.

Recentemente, o termo voltou a ocupar as mídias com o lançamento da série “Rise”, da NBC, que se propõe a contar a história real do professor Lou Vulpe e de sua trajetória para salvar o programa de teatro de sua escola, através da adaptação do musical “O despertar da Primavera”.

Isso porque seu protagonista, apesar de ser um homem abertamente homossexual na vida real e ser descrito dessa forma na obra que inspirou o seriado, foi retratado como um homem heterossexual no programa.

Personagens de RISE indignados com o straightwashing na vida de Lou Vulpe

Outro caso bastante semelhante aconteceu há mais de dez anos atrás, quando o filme “Ensinando a viver”, baseado no livro “The Martian Child”, de 1955, poderia ter discutido a sensível história de um homem gay que decide adotar uma criança (a história original!), mas optou por apagar a homossexualidade do protagonista, apresentando-o como um viúvo heterossexual.

A impressão que fica é que personagens LGBTQ+ não merecem ter suas identidades sexuais compartilhadas, ao menos não se forem protagonistas. Assim, embora iniciativas de representatividade devam ser sempre aplaudidas, como a representação do primeiro casal abertamente homoafetivo em um filme de super-heróis (Deadpool 2), essas trajetórias ainda encontram dificuldades em se tornarem narrativas principais, protagonistas (como o próprio Deadpool e Lando Calrissian, do prequel Solo: Uma história Star Wars, que embora sejam abertamente pansexuais em suas histórias, tal traço de suas identidades não é plenamente abordado nos cinemas).

Deadpool decepcionado que não vai ter seus sonhos com Cabel representados nos cinemas

Todos esses casos — e diversos outros que não foram citados — ressaltam que ainda há muito a se discutir sobre a representatividade de lésbicas, bissexuais, gays, pessoas trans e queer na mídia, sobretudo no cinema e nos blockbusters.

Ainda que tenhamos avanços, como a representatividade positiva expressa em “Com amor, Simon” e a presença de filmes e artistas LGBTQ+ nos grandes prêmios no cinema, nossas existências e narrativas — infelizmente — continuam sendo tratadas como residuais e invisibilizadas.

___________________________________________________________________

--

--