O que a vida de Britney tem a dizer sobre transtornos psicológicos e ser magra?

Marcos Roberto
Olho Gordo
Published in
4 min readFeb 21, 2017

No último dia 16 completou dez anos do momento em que Britney Spears raspou sua cabeça praticamente em público. Não é preciso recapitular todos os detalhes dessa época, mas precisamos lembrar de diversos fatores que a rodeavam em 2007:

Britney Spears estava fora de controle, deixando evidente os danos que as pressões de ser superpopular tão jovem causaram; ela era perseguida porque é regra da indústria do entretenimento ascender e demolir suas crias fazendo de tudo um espetáculo; esta mesma indústria quis que ela continuasse trabalhando normalmente, afinal, importa mais que você tenha que cumprir seu contrato do que sua saúde mental; e por fim, ela sofria críticas de adoradores e odiadores sobre seu corpo. Este último elemento continua sendo uma pressão presente na vida de Britney e é completamente desconsiderado como um fator prejudicial em sua vida.

Ainda em 2007, Britney se apresentou na abertura do VMA 2007. O famigerado retorno vinha carregado de expectativa. Encarado como um fiasco em sua carreira, as críticas sobre a apresentação se dividiam entre a apatia da cantora, o figurino e seu peso. Considerada gorda, Britney teve que lidar com o mesmo tipo de preconceito que Siera Bearchel sofreu há algumas semanas no Miss Universo e Lady Gaga no SuperBowl. O que aconteceu com essas três mulheres deixa evidente o quão deturpada é a visão do que é ser gorda.

Passaram se dez anos desde esse turbulento momento e a grande verdade é que pouca coisa mudou. Britney lançou alguns discos, saiu em turnê e atualmente se apresenta em Las Vegas, onde faz residência. Ano passado, uma matéria do The New York Times explorou afundo o quanto Britney é de fato livre. A resposta é bem simples: bem pouco.

Britney voltou a trabalhar, mas não é dona do próprio dinheiro. Seu pai e um advogado administram e aprovam os gastos dela e todo esse controle levanta questões sobre a sua necessidade. A reportagem do NYT cita que a condição de saúde de Britney é desconhecida até mesmo por ela. Sendo possível que ela não tenha a liberdade para desistir de sua rotina de trabalho e simplesmente tirar férias sem prazo para acabar, não é de se questionar o porquê de ela precisar ter uma rotina de trabalho como a que tem sem ser livre para usufruir do que ganha? Como isso é diferente daquilo que fez ela precisar de ajuda?

Tudo que gira em torno de Britney atualmente é um espetáculo: e para ser a popstar que sempre foi, Britney precisaria também voltar à rotina de dieta e exercícios físicos extenuantes, porque estar nessa indústria significa ter o corpo padronizado para estampar capa de revista e fazer a roda da fortuna girar. Esta é a indústria em que a hipocrisia é livre. Conseguimos aceitar perfeitamente a existência de Adele e Meghan Trainor, mas tão logo cantoras como Britney, Aguilera ou Gaga aparentem ganhar peso, elas não servem mais. Nesta indústria, você precisa ser sempre magra, ou ter sido gorda desde o início da carreia. E, de preferência, que as gordas emagreçam com o passar do tempo.

Mas a indústria do entretenimento não age sozinha, os próprios fãs contribuem para o estado atual de como as mulheres precisam ser magras. Fãs de Britney fazem questão de reforçar o quão melhor e feliz ela está citando o “corpo perfeito” que ela tem. Da mesma forma, basta um pequeno atrito entre fãs de diferentes divas para que o peso delas vire argumento para denegrir alguma delas.

No atual estado das coisas, o peso e a forma física de uma diva pop está associado à decadência da mesma forma que a magreza está com a felicidade. Como se fosse impossível gordas bem-sucedidas e magras infelizes. A mensagem é clara: ascensão e adoração só são possíveis de alcançar quando se é magro. Se você não é magro, então não merece fama, dinheiro e sucesso. Não importa o quão brilhante você seja. Nesta cultura se revela um discurso meritocrático incluso na gordofobia.

Britney sobreviveu a tudo isso e continua tendo que lutar em silêncio contra diversos aspectos negativos que vêm embutidos em seu trabalho. Temos que olhar a vida de pessoas que sofrem com transtornos psicológicos e parar de exigir que elas tenham alguma forma física padrão acima de tudo. Isso vale para pessoas que são forçadas a serem magras ou aquelas que engordam por causa do uso de remédios.

Sabemos muito bem que o discurso da magreza não tem nada a ver com saúde justamente quando ele coloca em segundo lugar o estado mental das pessoas para tratar com prioridade a forma física. Você não sabia que isso é tóxico?

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