Wentworth Miller e a prisão da qual a sociedade não quer que escapemos

Marcos Roberto
Olho Gordo
Published in
5 min readApr 1, 2016

Comentamos no último texto que ser gordo não é um aspecto exclusivamente estético, embora seja o principal fator porque lida com o que é visível a todos, há diversos motivos pelos quais uma pessoa engorda e todos eles são particulares.

Nosso maior problema com a sociedade é que ela trata o gordo como assunto de interesse público, invadindo constantemente a nossa privacidade fantasiada de boas intenções. Um bom exemplo de como nosso aspecto físico se torna assunto popular foi o que aconteceu recentemente com o ator Wentworth Miller (mais conhecido pela série Prison Break).

Nesta semana a página do Facebook de The LAD Bible — um site de humor inglês — decidiu comparar as fotos de quando o ator estava trabalhando na série com uma imagem em que ele aparece caminhando na rua, tempos depois do fim da série.

“Quando você escapa da prisão e descobre sobre o monopólio do McDonald’s”

A imagem vinha acompanhada de uma legenda que relacionava o ganho de peso do ator com a ingestão de fast food, mas antes de chegarmos ao aspecto mais revoltante sobre essa situação, precisamos ter em mente que:

· As fotos do ator são de vários anos atrás. A primeira, uma imagem promocional de Prison Break é de aproximadamente 2005 (leia-se: há mais de 10 anos); a segunda, foi registrada em 2010, quando ele não estava mais trabalhando.

· Atualmente, o ator trabalha na série Legends of Tomorrow, o que, por conta do trabalho, faz com que ele não tenha mais o mesmo físico que tinha na imagem criada para ofender.

· O peso extra que o ator tinha na época da foto é relativamente insignificante, mal sendo possível chamá-lo de gordo.

Em resposta ao meme, o ator se viu forçado a escrever uma declaração explicando sobre sua luta contra a depressão, o afastamento do trabalho, o policiamento que amigos e parentes fizeram sobre seu peso na época e o que aquela foto representava para ele: Um raro sorriso em meio a uma época de tormenta.

É possível que tenha passado despercebido para muitos o fato de o ator ter precisado se explicar por causa de um deboche sobre sua imagem ser revoltante. Alguns podem pensar que isso é “normal” dado que ele é uma pessoa pública. Mas isso deixa claro o quanto aceitamos uma cultura que explora e denigre a imagem alheia em troca de um show de horrores que acontece principalmente com pessoas que estão fora dos padrões.

Também vale lembrar que exposições como essa não são exclusividade de pessoas famosas. Nossos círculos sociais e profissionais reproduzem esse mesmo tipo de comportamento de diversas formas, e não raro, comentários maldosos sempre acabam parando na internet, sempre relacionando o ganho de peso como consequência de comer.

Para quem faz a piada, isso não importa, já que o objetivo é dar risada às custas da autoestima alheia. O que torna a situação pior é o fato de que mesmo que você não tenha mais o mesmo porte físico de antes, sua antiga forma física será usada contra você de uma forma que faça você sentir vergonha por ter sido gordo (a), numa tentativa de causar pânico e medo de engordar. Isso nada mais é uma forma de coibir você de ter posse sobre as transformações do seu corpo, como se as mudanças que você desejar fazer tivessem que ser aprovadas pela sociedade.

Precisamos lembrar que quem padroniza quer exercer poder sobre quem não está no padrão, e que o padrão mantem seu contingente através da manutenção do medo que instaura em seu próprio grupo.

Para o ator, que é forçado a se deparar com esse tipo de coisa com frequência, não só ele precisa lidar com o fato de alguém fazendo piada sobre seu físico com a intenção de causar vergonha, como se vê obrigado a lembrar de um momento particularmente doloroso de sua batalha contra a depressão.

Para quem sofre com isso, ver momentos e aspectos específicos da vida ampliados pela lupa da moralidade torta só colabora para aumentar o sofrimento de quem tem depressão ou qualquer outro tipo de problema.

Situação parecida passou Carrie Fisher, a Princesa Leia de Star Wars. Com o lançamento do novo filme da série, Fisher se viu tendo que lidar com as críticas sobre sua aparência, tanto por causa de sua idade como por não ser uma mulher magra.

Assim como Wentworth, Carrie Fisher precisou responder às críticas sobre sua aparência, revelando que ela também luta contra depressão e que os remédios que precisa tomar são responsáveis pela retenção de líquidos.

Como discutido anteriormente no texto sobre a transformação física de Chris Pratt, ambos atores são vítimas de uma indústria que vende padrões estéticos. Estar fora deles significa sofrer pressão da própria indústria e da sociedade para se adequar ao padrão.

Essa pressão vem em diversas formas, seja pela falta de trabalhos para atores gordos até piadas que debocham do aspecto físico, esquecendo-se completamente de que o direito de portar qualquer forma física é absolutamente pessoal.

Só que o problema não cessa com um pedido de desculpas. Após o assunto tomar proporção, o The LAD Bible resolveu emitir um pedido de desculpas no qual dizia que “saúde mental não é piada”.

Enquanto, nesse quesito, eles estão certos, é preciso entender que os autores se desculparam apenas por fazer piada com alguém cujo o ganho de peso estava relacionado, de alguma forma, com a saúde mental. Isso significa que, no entender deles, não há problema nas piadas com o porte físico, exceto quando envolve saúde mental.

Acontece que há sim problemas em fazer piadas como a que foi feita pela página, mesmo que o alvo seja só o peso ou o porte físico de alguém, e o fato deles não entenderem isso mostra o quão enraizado é o desrespeito sobre nossos corpos. Afinal, peso também não diz respeito a ninguém mais além da própria pessoa.

Enquanto isso, pessoas não gordas ajudam a evitar o mal-estar que pessoas gordas sofrem parando de policiar nossas vidas e se responsabilizando pelo assédio e humilhação que causam em nós.

Independente do motivo pelo qual alguém é gordo ou engorda, cabe apenas a ela decidir o que fazer com o próprio corpo, afinal, se tem uma coisa que o corpo gordo não pede é permissão para existir.

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