Pulso 7 — O dia em que o brincar nos lembrou de quem a gente é

Relato do encontro de 05/08/2017

Alex Bretas
Oniversidade
6 min readAug 10, 2017

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Tira a blusa, põe a blusa, veste o casaco, desveste o casaco… O dia teimava em não saber se estava com frio ou com calor. Nós também não sabíamos muito bem o que esperar daquela manhã. Tudo que chegou para nós foi que teríamos a presença de um convidado muito especial. Para mim, um amigo querido e companheiro da jornada da cooperação pelo mundo. Para o restante do grupo, um mistério.

Num sábado bonito, como são os sábados de Multiversidade na NAU, nos reunimos para nosso sétimo encontro. Aceitando nosso convite, o Claudio Thebas veio para nos conduzir por um percurso recheado de redescobertas. Ainda que resista bravamente a se definir, o Claudio é um pouco de palhaço, educador, palestrante e escritor, e seus livros já venderam mais de 700.000 exemplares em todo o Brasil.

Todas as nossas manhãs nos pulsos são dedicadas a momentos de fortalecimento da comunidade, isto é, dos vínculos entre nós e da saúde do grupo como um todo. Mas o que o Thebas fez naquelas duas horas foi algo mágico, encantador. Adorei saber que, ao planejar uma facilitação, ele considera as atividades planejadas como o seu plano B, já que o plano A é sempre o que acontece ali na hora, no calor das imprevisíveis interações humanas. Nós literalmente brincamos por duas horas seguidas, e não vimos o tempo passar. Brincamos MESMO, com direito a esconde-esconde, carrinho bate-bate, cócegas e várias versões diferentes e inusitadas de estátua.

Aos pouquinhos ou de uma vez só, cada um foi se reconectando com sua criança interior. “O que você criança está querendo dizer para você adulto agora?” O Alex de 8 anos gritava duas coisas incessantemente para mim: “imagine” e “dance”. Imaginar, verbo-asa que sabe como ultrapassar as fronteiras do medo e da indiferença (ou talvez ele nem saiba, só faz). Dançar, o lugar onde eu consigo me desprender, me reavivar frente às tempestades da vida. Duas coisas que, agora, me tomam de assalto graças ao Thebas. Fico só imaginando o que as outras crianças da sala disseram para os adultos…

Fomos almoçar num vegetariano bem legal pertinho da NAU. Lá, pudemos ouvir as histórias da Evelin Bandeira, mentora da MV e bailarina, que também nos brindou com uma visita nesse dia. Ela estudou dança em Cuba e nos contou como foi viver na ilha caribenha. Longe da hostilidade e da dureza com que frequentemente é pintada pela mídia, Cuba, aos olhos de Evelin, é um país culto, solidário e belo. Difícil para ela foi voltar.

(A Evelin está finalizando a montagem de sua próxima obra de dança contemporânea, intitulada “Apenas o Fim do Mundo”. Olha só o que ela fez.)

À tarde, retornamos com uma recapitulação da metodologia do Scrum, que estamos utilizando para ajudar os aprendizes a “recortar” seus percursos de aprendizagem em partes menores e menos amedrontadoras. De 15 em 15 dias, cada um tem a chance de, durante o pulso, rever seu processo e recalibrar a rota de acordo com suas novas necessidades e descobertas. Gosto muito dessa lógica de ir de pouquinho em pouquinho, dando um passo de cada vez e fazendo pausas com consistência no intuito de refletir constantemente sobre o trajeto. No limite, talvez o processo de aprendizagem seja mesmo como uma caminhada: tudo que é preciso é andar (saber o próximo passo), respirar (interagir com o meio) e enxergar (entender a direção certa). Mas isso é assunto para um outro post.

Desta vez, testamos duas abordagens diferentes relacionadas ao Scrum: quem quisesse poderia aproveitar o momento para rever seu plano e tirar dúvidas, mas também haveria a possibilidade de usar aquele tempo para, ali mesmo, “dar mais um passo”. Imagine você dando seu máximo para aproveitar 1 hora de concentração naquilo que realmente importa para você naquele momento. Algo como um mini-sprint de aprendizagem individual, só que em grupo. Pessoalmente, acho interessante essa opção porque, ao mesmo tempo em que cada pessoa se dedica à sua tarefa, o fato de estarem todas no mesmo espaço reforça o comprometimento. É, como Blake Boles diz, um esquema “Sozinho, junto”. Gosto de perceber como a configuração do ambiente pode realmente nos estimular a fazer determinadas coisas em detrimento de outras. Se o clima do grupo é de foco e dedicação, sou quase que forçado a me comportar da mesma maneira. Essa forte influência coletiva sobre o indivíduo pode ser nojenta em alguns casos e excelente em outros.

Para fechar o dia, falamos de autenticidade, o quarto e último componente do “curso” de aprendizagem autodirigida que nós montamos. A premissa básica da autenticidade no que se refere à educação autônoma é a seguinte:

Autenticidade é definir o sucesso da aprendizagem nos seus próprios termos.

Mas talvez essa premissa seja ainda um pouco estreita. Por isso, resolvi apresentar histórias de pessoas que não só definiram o sucesso de sua aprendizagem nos seus próprios termos, como também moldaram sua vida da forma que fazia mais sentido para elas. Isso requer autopercepção, autorreflexão e muita coragem não apenas para fazer as mudanças necessárias na sua vida atual, como também para assumir a própria existência como uma escalada de transformações contínuas. Depois da tempestade vem a calmaria, e depois outra tempestade, e depois outra calmaria… As mudanças talvez sejam a única certeza de quem se deixa levar pela autenticidade.

Uma das coisas mais importantes para uma pessoa autêntica é recusar o único caminho ou a única verdade. Resistir ao que te dizem que é o correto, às imposições sociais que sempre começam com “tem que”, às definições de sucesso alheias. A jornada da autenticidade é como se alguém saltasse da primeira para a segunda imagem abaixo:

Créditos: Marina Nicolaiewsky.

Ao dar esse salto, criamos as condições para encontrar nossa própria voz, nosso eu inconfundível. Como acredita Srinivas Rao, criador do projeto Unmistakable Creative,

tentar ser o melhor vai te acorrentar às definições de sucesso dos outros. Trabalhos inconfundíveis, por outro lado, só poderiam ter sido criados por uma pessoa, logo, a competição torna-se irrelevante.

Após entrarmos em contato com histórias como a de Srinivas Rao, conversamos sobre como os critérios de sucesso na vida variam de pessoa para pessoa. Algumas não precisam ou não querem ter sucesso publicando um livro, criando uma empresa ou se tornando uma youtuber. O reconhecimento externo não é uma questão. Certas coisas simplesmente podem nos fazer bem, nos preencher de vitalidade, e isso por si só é suficiente. Outras se sentem bem-sucedidas quando compartilham os frutos de suas produções com o mundo. Onde está a armadilha aí? Às vezes, alguém não mostra seus talentos aos outros não porque está feliz assim, mas porque alimenta crenças limitantes como “O que os outros vão pensar de mim?”, “Eu não sou bom o suficiente”, “Não sou disciplinada o bastante” etc. Logo depois do pulso, o Henry, um dos aprendizes da MV, escreveu uma reflexão interessante sobre esse tema.

De qualquer forma, o fundamental é ser empático consigo mesmo e tentar perceber o que verdadeiramente significa o sucesso ou a felicidade para você. No fundo, cada um de nós tem seu próprio jeito de ser pleno. Apreciar essas diferenças é maravilhoso.

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Alex Bretas
Oniversidade

Alex Bretas é escritor, palestrante e fundador do Mol, a maior comunidade de aprendizagem autodirigida do Brasil. Saiba mais em www.alexbretas.com.