O mundo virtual faz parte do real: app Be Real quer a sua "verdade"
César Freitas
N o livro Cibercultura, o filósofo e sociólogo francês Pierre Lévy, ao analisar a relação humana com as tecnologias virtuais, explica como o conceito de virtualidade não é necessariamente oposto ao “mundo real”. Para ele, o mundo virtual faz parte do mundo real, uma vez que as coisas que só existem na virtualidade não deixam de ser reais.
Exemplo disso são os famosos cancelamentos nas redes sociais e os variados crimes digitais, questões que acontecem exclusivamente online, mas não deixam de afetar, bastante realisticamente, as vidas das pessoas. Tudo isso é real e virtual, uma coisa não é oposta à outra. Levy diz que a principal oposição ao virtual é o mundo material, que representa a vida de carne e osso. É o que ele chama de atualidade.
No entanto, nos debates atuais, existe essa falsa oposição entre o real e o virtual e ainda há um esforço de binarizar essas dimensões da nossa existência. Esses debates sobre o assunto envolvem, principalmente, como o mundo material é afetado pelas percepções das pessoas do mundo virtual. Mais: como um mundo com diversas possibilidades do ser se choca com a materialidade e as limitações humanas no mundo material.
Exemplo desse esforço é o surgimento de redes sociais que questionam o modelo de negócio das grandes empresas da tecnologia e apostam na aproximação do real/material. Disponível gratuitamente para Android e iPhone (iOS), o aplicativo BeReal foi criado na França por Alexis Barreyat e Kevin Perreau, em 2020. É uma rede social que vem conquistando o público por sua proposta: o app segue o pensamento de que o “real” é o que deve ser compartilhado.
A ideia central é que o BeReal notifique os usuários para que, em dois minutos, publiquem fotos usando as duas câmaras do smartphone, sem opção de filtros ou qualquer outro tipo de alteração ou aprimoramento. Além disso, só é possível compartilhar uma foto uma vez no dia e os posts desaparecem depois de 24 horas. A proposta é simples, mas é um grande sucesso: segundo a plataforma de inteligência de dados Apptopia, a base de usuários ativos do BeReal no mundo cresceu 315% entre dezembro de 2021 e março deste ano.
O OVA conversou com o criador de conteúdo Lucas Barros, 21 anos, usuário do app BeReal. Ele conta que usa o aplicativo como uma forma de se aproximar da sua audiência — mesmo criando material relacionado à literatura, muitas das pessoas que o acompanham esperam que ele compartilhe, também, sobre sua vida.
“O BeReal é uma maneira de aproximação, porque nas outras redes sociais os posts são mais pensados, com edição, cortes, etc. O BeReal é uma possibilidade de mostrar o que realmente estou fazendo em determinados momentos, sem utilizar filtros ou criar uma falsa realidade”. Lucas falou também sobre a importância da honestidade com a audiência e sobre os limites da privacidade.
“Ninguém é obrigado a expor a vida inteira na internet, mas eu, pelo menos, gosto de acompanhar influenciadores que não me passam uma falsa ideia da vida”.