#SinalizaORetoque: movimentos anti-filtro crescem nas redes

Truques para modificar o corpo e o rosto também levantam questões como racismo e etarismo, propagados silenciosamente

Reportagens Especiais
OVA UFPE
5 min readAug 17, 2023

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César Freitas

Q uando foi lançado em março deste ano com a promessa de “melhorar” a aparência dos usuários do Tiktok, o filtro Bold Glamour, que usa inteligência artificial (IA), bombou e logo virou trend. O “filtro da beleza”, como ficou conhecido, acumulou milhões de usuários rapidamente ao conferir uma espécie de harmonização facial em poucos segundos: maxilares mais quadrados, pele sem poros aparentes, sobrancelhas sem defeitos.

Os retoques são bem adaptados ao rosto humano e não distorcem de maneira evidente as fotos. Ou seja: tudo parece muito real. A novidade do filtro está relacionada justamente a isso: os tradicionais usam a câmera 2D e mapeiam o rosto para um modelo 3D, então falhas e distorções são comuns. Já com um mecanismo que utiliza a IA, o mapeamento da face acontece de forma mais eficiente — e é essa eficiência o X da questão.

Mas afinal, qual o impacto destas modificações no comportamento social? E suas relações com a explosão de cirurgias plásticas, incluindo pessoas muito jovens?

Ativista e propositora do conceito de beleza cidadã, a maquiadora e influencer Magô Tonhon criou em 2017 as hashtags #SinalizaORetoque e #PelePossível para alertar sobre a falsa perfeição vendida por imagens manipuladas. Ela chama a atenção para o impacto dessas alterações no nosso imaginário. Nos seus posts, pontua que essas “correções” firmam um ideal de beleza e mobilizam muitas vezes discursos fundados no racismo, na misoginia, na transfobia, no capacitismo, etc.

A influenciadora Magô Tonhon defende a beleza cidadã (imagem: reprodução Instagram)

A estudante Débora Soares, 23 anos, é usuária de filtros nas redes sociais. Ela conta que, inicialmente, eles eram interativos e lúdicos, com o foco na diversão. “Mas, no momento em que isso se tornou uma busca por um padrão de beleza inacessível, a relação passou a ser muito mais complexa”, conta ela, que passou a ter uma relação mais conturbada com a própria imagem.

A boca carnuda, o nariz afilado, a pele lisa, os cílios longos e o clareamento da pele são algumas das características básicas desses modificadores que circulam nas mais diversas redes sociais. No dia a dia, essas correções artificiais no corpo são a regra, criando um feed de pessoas que parecem elas mesmas, mas estão muito distantes de si e dos usuários e das usuárias “não filtradas”. Estar dentro dos padrões de beleza é a maior vontade (aliás “como ser padrão” foi uma das buscas campeãs no Google em 2022). Mas a distância entre o eu da vida real e o eu das redes, é claro, leva a uma série de frustrações.

Tudo isso pode explicar o surgimento da dismorfia do snapchat, um termo criado pelo médico britânico Tijion Esho para descrever o fenômeno em que pessoas, em especial jovens, passam a querer ser versões de si mesmo com filtros. Esho entende que o problema está quando a foto com filtro passa a ser mais que uma referência e se transformam em como as pessoas veem a si mesmo.

Débora nos falou sobre a influência dos filtros na percepção da própria imagem. “Cada um de nós tem um histórico diferente de aceitação corporal e esse é um processo ainda lento e doloroso para mim”. Ela explica que passa por um processo onde tem que resgatar e entender as próprias raízes para compreender o seu corpo, e que ter constantemente vários filtros que afinam seus traços e clareiam a pele fazem ela rejeitar os traços naturais do seu corpo, ela sente que esses filtros evocam uma branquitude que padroniza os corpos e reforçam os problemas de imagens que pessoas negras, pardas e indígenas podem ter.

A estudante Débora Soares conta que nem sempre teve uma relação tranquila com a própria imagem (fotos: reprodução do Instagram)

Em resposta a essa problemática, movimentos como os de Magô Tonhon , que questionam o uso exagerado dos filtros e buscam pela sinalização dos retoques artificiais, se espraiam.

O filtro Perfect Face, da criadora Bruna Kuntz, usa dados relacionados ao problema (cirurgias exageradas) para alertar sobre o impacto dos filtros na vida das pessoas. Enquanto mostra como, por exemplo, o número de pessoas procurando rinoplastias cresceu — a mudança, segundo as mesmas, é para saírem melhores nas selfies — um rosto digitalmente harmonizado vai se desmontando aos poucos. Desde 2020, a criadora de conteúdo Yasmim Fassbinder percebeu como só se achava bonita quando estava “filtrada”. Decidiu então dar um tempo dos filtros “de beleza”, passando a usar os mais divertidos.

As próprias big techs — como a Meta, que reúne Instagram, Facebook e Whatsapp — têm seus mecanismos para evitar o uso sem freios de filtros que simulam cirurgias plásticas. Mas o controle é pouco efetivo e existem diversas formas de burlar essa política. Em pesquisa rápida no youtube é possível encontrar diversos vídeos tutoriais que ensinam a criar filtros de alterações plásticas que passam pela aprovação da política de filtro das redes sociais, mostrando a pouca efetividade das políticas da rede social. Na contramão disso, é possível citar que em muitos países, caso da Noruega e do Reino Unido, já existem leis específicas que publicidades feitas com filtros sejam divulgadas nas redes sociais.

No Brasil, há um projeto de lei, o PL N.º 10.022-A, DE 2018, de Relatoria de Sâmia Bomfim (Psol) no mesmo sentido, mas ainda em fase de tramitação. Enquanto isso não se torna realidade, a sociedade depende da iniciativa privada e grandes corporações que estão interessadas em lucrar sem pensar nos impactos sociais da beleza “perfeita” e filtrada, geralmente magra, branca, jovem. Em síntese: filtros que buscam o sonho anacrônico do ser padrão.

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projeto de extensão do Observatório da Vida Agreste (OVA), Curso de Comunicação Social da UFPE/Centro Acadêmico do Agreste (CAA)