Uso político da selfie é histórico

Chamar atenção de governos e da sociedade, denunciar abusos, pedir proteção: a auto-imagem também significa resistência

Reportagens Especiais
OVA UFPE
4 min readAug 17, 2023

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Anily Santos

E ntendida por muitos como um símbolo máximo de ensimesmamento, a selfie, expressão derivada do inglês que significa “si mesmo”, possibilita quebras em narrativas sociais e políticas. À medida que sai do campo individual para tornar-se uma representação da coletividade, a selfie é usada como uma arma na mão de grupos socialmente marginalizados, enquanto o seu uso deixa de ser por e para “si” para ser a expressão, o grito de um povo, em meio às amarras do preconceito. Apesar disso, como representação da coletividade, a selfie pode se tornar, também, uma ferramenta para a disseminação de discursos antidemocráticos.

Se acredita que a primeira selfie foi tirada no século 19 para expressar um ato de protesto: era um autorretrato com a simulação de um suicídio que permitiu a Hippolyte Bayard capturar a atenção governamental que ele tinha falhado em obter previamente, o registro ficou conhecido como “Autorretrato de um Homem Afogado” e demonstra como o significado da selfie atrelado ao narcisismo foi construído socialmente a partir dos novos usos desse mecanismo fotográfico.

Zakia Belkhiri, uma jovem muçulmana de 22 anos, foi uma das pessoas que usaram a selfie como uma resposta à opressão e ao preconceito. Zakia chamou a atenção do mundo quando tirou várias selfies em meio a um protesto contra os muçulmanos realizado por extremistas na Bélgica em 2016. Na ocasião, ela representou, para além de si, uma classe inteira de indivíduos e a selfie adquiriu um caráter sociopolítico, tornando-se um símbolo de resistência, dela e de todos os seus pares, simultaneamente.

Selfies com policiais durante protestos políticos no Brasil revelam mais uma vez o uso político da selfie, na ocasião, ela é utilizada para demonstrar o apoio desse grupo aos indivíduos realizando a manifestação. Em 2015, foram publicadas selfies de policiais com manifestantes contra o governo da então presidenta do país, Dilma Rousseff, em um dos registros havia uma faixa com a frase “Fora Dilma” na cabeça de uma brasileira que estava na foto com um policial. As imagens foram compartilhadas tanto pelos policiais quanto pelos manifestantes, o registro passa a indicar a defesa de um partido político, à medida em que a selfie é utilizada para reforçar determinados discursos políticos.

A selfie como um agente de comunicação e produção de discursos pode desencadear cenários alarmantes e indicar possíveis inclinações antidemocráticas que exigem ações-resposta de setores governamentais, por exemplo. Foi o que aconteceu em 2017 no de ARCA Statue Art Museum, um museu de cera que possuia uma representação do ditador nazista Adolf Hitler. Na ocasião, diversas pessoas tiraram selfies com a representação do ditador, essas ações levaram a uma indignação por parte de inúmeras pessoas e resultou na retirada do boneco no local. Nesse contexto, a selfie teve um uso político de ameaça à democracia.

Pode-se compreender, portanto, um elemento fundamental para a formulação da selfie enquanto arma política: o choque. Essa foi a emoção que resultou da selfie de duas candidatas ao miss universo, representantes de países “inimigos”. A miss Israel e a miss Iraque foram criticadas massivamente por uma selfie que tiraram juntas, segundo Eeden, miss Iraque, o registro foi feito para transmitir uma “mensagem de paz”. Nesse contexto, estavam representadas não apenas duas mulheres, mas um posicionamento pessoal e de outros indivíduos simultaneamente, em um contexto de relações complexas e de conflito.

Quanto a selfie, seja de forma extremamente positiva ou extremamente prejudicial, frente a ou de mãos dadas com o retrocesso, essa ferramenta demonstra ser eficiente em seu uso para fins políticos, como produtora e reprodutora de discursos capazes de representar um indivíduo, um grupo ou uma multidão.

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projeto de extensão do Observatório da Vida Agreste (OVA), Curso de Comunicação Social da UFPE/Centro Acadêmico do Agreste (CAA)