O dia em que perdi o show do Raein
Parte I
Sei que todo mundo tem suas preferências e gostos pessoais e no decorrer dessa jornada que chamamos de vida, estamos sempre tentando realizá-las, sejam em formato de sonho ou de pequenas vitórias que acumulamos no dia a dia.
Algumas pessoas querem aprender falar francês, outras sonham em saltar de para quedas, há os que queiram comprar um carro com teto solar e também aqueles que buscam perder o medo de andar sozinho. Às vezes queremos também que pelo menos não aconteça nada de ruim em nossa vida — pois ter um trauma nem sempre compensa todas as idas de graça à festas openbar ou passar aquela fase no Candy Crush que você achou que era impossível superar. Já por mim, apesar de estar tremendamente (achei que nunca usaria essa palavra) feliz, estava contente com minha vida normal. Porém, havia algo além que eu vinha fazendo e gostando, que é finalmente comparecer aos shows de bandas que eu sempre via no YouTube e jamais poderia imaginar estar lá.
Comecei a concretizar isso no ano de 2013. Primeiro com bandas nacionais que apesar disso estavam pouco distantes. Valeu conhecer de perto o som de Bullet Bane, Colligere e Pense numa tagrada só, cara à cara e ao vivo. Depois veio Toe e Explosions in the Sky. O primeiro por alguma ironia do destino foi cancelado, mas o segundo eu estava lá. Conhecendo mais uma vez o Rio, reencontrando conhecidos das antigas e topando até mesmo os caras da banda que estavam por cá. Eu que sempre fui contra a famosice e tietagem, me vi ali perguntando para os texanos se eles gostavam de açaí, tendo a certeza de que não possuo ídolos, mas se eles existem, são pessoas tão comuns quanto eu e você.
Depois já na gringa, mais oportunidades: dois festivais com organização e cara de grande, mas feito para pouca gente, deixando tudo mais intimista e dando chance de conhecer mais uma pancada de música que antigamente só existiam na pasta de downloads. Foi neste ambiente que vi que eu não era mais tão sozinho, que tinha mais gente no mundo com um gosto bem similar ao meu. Não sei o quão hipster é isso, mas durante anos você com aquelas camisetas que você aprecia independente de feedback alheio, é realmente diferente de estar vestindo ela em um meio onde as pessoas sorriem para você, puxam assunto por isso ou apenas acenam de longe: “hey, nice t-shirt man!”. É quase uma vida inteira você pensando que não gosta tanto do que todos amam, e curte de verdade o que ninguém conhece. Que para se tornar um índio urbano sem tribo para um cara neutro com gosto normal é questão de um pulo. Melhor assim. Como disse um amigo meu sobre sua tatuagem e o respectivo significado: muitos veem o desenho mas não sabem, mas aqueles que olham e conhecem, já compensa todo o trabalho de ter que expor o que aquilo é. “Se não entende, você não merece saber isso” ele diria.
Tá, mas onde é que eu estava mesmo? Retomando…
Continuei indo em mais shows que antes pareciam impossível. E o mais incrível: pagando um preço ridículo perto do valor que isso teria de fato. Mas ridiculamente bom pra mim. E aí que comecei a pegar gosto pela coisa, como se eu quebrasse uma solidão ilusória e agora me sentisse parte de alguma aldeia maior da qual eu vivia. E com essa sensação em mente eu pensava: “Porra, então será que é assim que um fã clube histérico se sente?”. Seria eu parte do pessoal que cola na grade do show perto do palco, que chora, canta a letra e mandava carta para o artista? Teste seu nível de fanatismo ao tentar ouvir defeito provindo de um terceiro. O último estágio dessa cegueira, talvez seja acampar na fila para chegar primeiro. Parece até uma mendigação do seu gosto pessoal e pouco amor próprio. Mas geralmente o respeito excessivo pelo ídolo vem acompanhado desse autoflagelo de fãs extremistas. E afinal, onde é que entra o show do Raein? Bom isso vai dar pano para outra história.