3 empreendedores gringos falam como é fazer negócios no Brasil

Conheça as historias desses imigrantes que chegaram para conquistar a terra do samba.

Emiliano Agazzoni
ZeroOnze Startups
Published in
7 min readMar 21, 2018

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Há algum tempo comecei a produzir textos sobre minha experiência empreendedora no Brasil. Escrevi sobre como é difícil construir comunidade de empreendedores digitais e sobre o potencial de São Paulo como hub de startups da América Latina. Nesse meio tempo percebi que, igual a mim, existem muitos estrangeiros com histórias interessantes para contar. Gostaria de começar por três pessoas que admiro muito tanto pela trajetória empreendedora como pela energia que eles têm para continuar empreendendo apesar das adversidades.

Elaborei 4 perguntas abertas e eles toparam compartilhar suas experiências. Os empreendedores são:
Martin Romero, da eQ!, que chegou com seu negócio da Argentina há 5 anos, passando antes por Startup Chile;
Daniel Callirgos, da Apoia que chegou há 3 anos do Perú, trabalhou no Santander, na FullFace alocada no Cubo e depois começou a lançar suas startups;
Mathieu Le Roux, francês, com mais de 10 anos de experiência no mercado brasileiro, foi VP da Deezer e hoje é um dos fundadores do Le Wagon no Brasil.

Eu comecei a entrevista com um pergunta clássica que geralmente é o tapa na cara dos empreendedores em geral. Queria ouvir a resposta deles desde o ponto de vista de um estrangeiro.

Vamos lá…

1- Qual foi o grande obstáculo nos negócios no mercado brasileiro?

Martin: “O Brasil, como outros países da América Latina, tem vários obstáculos, principalmente de burocracia e informalidade, mas eu adoro isso, já que gera milhões de oportunidades para criar soluções que virem negócios, por isso estou aqui. Aprendi que a informalidade ou jeitinho brasileiro acontece porque o brasileiro tem vergonha de dizer “não”, então não vai ser direto e te falar numa boa o que pensa, vai falar que “sim”, que vai pensar, que depois te responde e nunca mais. Na Argentina estamos acostumados a ser mais diretos — o que é bom — , mas no Brasil pode parecer grosseiro. Na Argentina é SIM ou NÃO e pronto. Aqui, um cliente, um fornecedor ou até um investidor pode enrolar durante 2 meses para falar que “não” quando na verdade sabia disso desde o inicio. Burocracia te mata. Processos difíceis e complicados que não funcionam. Tem que ter muito cuidado porque pode demorar tanto até um ponto de colocar em risco certos negócios. Eu tenho a sorte de ter sócios e investidores que me ensinaram o melhor caminho para fazer negócios no Brasil, por isso recomendo buscar um advogado e um contador de confiança até ter pelo menos 3 deles para que ajudem em cada processo com diferentes pontos de vista, principalmente nas questões trabalhistas e tributárias.”

Mathieu: "A maior dificuldade é sempre entender os complexos tributos do Brasil que mudam para cada produto, Estado, município e tipo de serviços. O Simples já melhorou muito isso - tomara que uma reforma tributária um dia resolva de vez."

Daniel: "Abrir uma empresa é difícil e burocrático, mas eu vejo os grandes obstáculos e problemas do Brasil como oportunidades para criar novas soluções. Abrir uma empresa leva tempo e dinheiro e uma vez que a empresa cresça, vai precisar de uma advogado tributarista para pagar mais impostos, muito mais que a média de qualquer outro país. De minha parte sempre encontrei pessoas que me ajudaram com isso e tive sorte. Vida de imigrante não é fácil. Tem que se manter informado e buscar ajuda com as pessoas certas."

Martin, CEO da eQ!, uma plataforma de serviços de facilities para Real State

2- Houve alguma dificuldade que você levou meses ou anos para superar?

Martin: "Abrir o CNPJ me levou 8 meses e tive que convencer os investidores a me esperar que já já logo ia sair. Foi bem difícil — sugiro ter muito cuidado porque pode matar sua empresa."

Mathieu: "Nada me vem em mente que seja específico ao Brasil, qualquer startup vai resolvendo problemas ao longo dos primeiros anos, e é frequente demorar meses para encontrar o mercado, o business model certo e o cliente. Startup não é fácil. Muitos empreendedores gringos botam a culpa no Brasil para dificuldades que eles iam encontrar em qualquer lugar do mundo. Isso não quer dizer que questões culturais ou geográficas não podem ser um problema e trazem barreiras para empreender.

Daniel: "Minha primeira startup no Brasil fracassou. Era uma solução que arrecadava o crédito fiscal e o transferia para as ONGs. Ao mesmo tempo gerava Big Data para os negócios que optavam por essa solução. Éramos tres sócios, um deles saiu e tivemos que nos virar em dois. Demoramos um ano para entender o porque o negócio não estava dando certo, depois pivotei e criei uma outra solução que atendesse melhor o problema. Assim, criei a Apoia, onde estou full time agora.

3- O que você pode dizer acerca do mercado e da cultura brasileira?

Mathieu: "O lado bom da cultura brasileira para startups é o entusiasmo frente a qualquer novidade. Brasileiros gostam de testar coisas novas, não tem medo e se gostar vai falar nos 45 grupos de WhatsApp que ele segue. O lado ruim é que às vezes fica difícil receber feedback negativo quando deveria, e se a experiência for ruim, são 45 grupos de WhatsApp onde você terá que pedir desculpas".

Martin: "Brasil é um ótimo mercado para criar soluções inovadoras. É um mercado gigante, cheio de oportunidades para melhorar e com gente disposta a pagar por novos serviços. Aqui no Brasil tem muito dinheiro e se percebe isso no dia a dia, então se você oferece um bom serviço com excelente qualidade pode se diferenciar da concorrência e crescer rápido. O brasileiro é muito gente boa e, em geral, em São Paulo as pessoas são mais abertas a novas tecnologias (estão muito mais conectadas com os USA que os argentinos), o que torna os brasileiros mais early adopters. Se você é gringo, precisa de um sócio brasileiro que te oriente nos negócios aqui. Tem coisas muito diferente em termos culturais que podem levar um bom tempo para entender sem ajuda local. O ecossistema empreendedor e de investidores é muito bom, está crescendo e amadurecendo. De qualquer forma, é importante mostrar um back record e tração no negócio para que os investidores possam te apoiar. Os gringos aqui são bem vistos e os investidores adoram inovação que vem de fora, sobretudo quando você demostrar disposição para empreender neste gigante tropical.

Daniel: "Os brasileiros são pessoas que gostam de soluções novas e se você cria algo que realmente os ajudam, vão pagar por aquilo. É uma cultura receptiva, com vontade de ajudar os gringos. Por outro lado, quando se trata de investimento, contratos de muito dinheiro tem que demostrar total segurança na hora de negociar porque senão vão tentar tirar vantagem da sua posição e se aproveitar do seu negócio.

"Brasileiros gostam de tentar coisas novas, não têm medo", afirma Mathieu Le Roux.

4- Que conselhos você daria aos novos empreendedores que chegam agora no Brasil?

Daniel: "Que conheçam pessoas do entorno empreendedor, que se conectem, que frequentem eventos e meetups, workshops até encontrar uma boa ideia. Uma vez começado o projeto é bom perguntar a outros empreendedores, entender bem o mercado, continuar indo nos eventos até começar a ganhar clientes. Uma vez isso feito, focar 24/7 no negócio. Nunca desanimar. No pior dos casos vai ter que pivotar e testar novas formas. O brasileiro valoriza muito empreendedores com garra. Não desista no primeiro obstáculo — continue em frente!

Martin: "Tem um mercado excelente, mas precisam entender ele primeiro para logo fazer negócios. O ideal é ter um sócio local para acelerar seu negócio sem dores de cabeça. Outra questão é que cada cidade ou Estado é um país diferente — não é o mesmo fazer negócio em SP, no RJ ou no DF. De novo, a cultura e forma de fazer negócios muda em cada lugar, por exemplo um trâmite burocrático que demora 48h em São Paulo demora 7 dias no Rio e 2h em Curitiba.

Mathieu: "Primeiro entender o esquema tributário, logo em seguida a mesma coisa que eu recomendaria em qualquer lugar do mundo: falar com todos os clientes, usuários e leads possíveis para acertar na proposta".

Daniel criou a Apoia porque quer contribuir no processo eleitoral transparente através de uma plataforma de arrecadação de doações políticas.

RESUMINDO…

Os 3 empreendedores falaram que questões burocráticas, tributárias, societárias e de investimento são pontos ainda críticos, mas que estão mudando. Existem movimentos de novos partidos políticos, organizações sem fins lucrativos, como o Dinamo, que está se mobilizando para criar oportunidades de incentivos fiscais para os empreendedores digitais, entre outras lutas para ajudar os empreendedores. Outro ponto a destacar é a receptividade do brasileiro, que acolhe bem os gringos, são amáveis, simpáticos, o que ajuda muito o imigrante que chega sozinho.

Finalmente, como disse Martin Romero:

"Brasil é um mercado excelente, gigante, com muitas oportunidades, mas não é para principiantes".

Agradecimentos imensos a Martin, Mathieu e Daniel pelo tempo e abertura para compartilhar suas historias com tantas pessoas que estão começando.

Se quiser saber mais sobre os empreendedores desta matéria, entre em contato comigo no e-mail: emiliano@distrito.me

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Emiliano Agazzoni
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