Opinião: A sutil arte de (não) ter zelo
Como o exibicionismo do ser humano se tornou um problema social
Este é um artigo de opinião.
Escreveu Pedro Henrique Cabo. Colaborou Luiz Eugênio de Castro.
Não é novidade que os famosos stories podem ser uma arma social. Acredito que nem percebemos, mas somos condicionados pelos aplicativos a um certo desejo de consumir incessantemente uma timeline infinita. Se não eliminarmos todas as notificações e não vermos todos os stories, sentimos que não participamos efetivamente da rede. Esse problema de conduta também põe em discussão o que é consumido. No atual momento de pandemia, fotos na praia, cervejinha com os amigos e resenhas são alguns dos “gatilhos” de muitos que estão reclusos há seis meses e seguem a quarentena de forma mais rígida. Tá, mas você pode estar se perguntando: “e daí”?
Vivemos em uma época onde coaches e best sellers querem nos ensinar a “cultura do foda-se”. Em 2019, o livro mais vendido foi “A sutil arte de como ligar o foda-se”, de Mark Manson, o que comprova o interesse por esse movimento recorrente de eliminar tensões. A “sutil arte” de não se responsabilizar por consequências de nossos próprios atos em outras pessoas é uma postura muito confortável. A pandemia veio mostrar que essa atitude se torna cada vez mais habitual dentro de uma cultura completamente individualista e agressiva, na qual estamos inseridos. Praias lotadas no Rio de Janeiro, aglomeração em bares e postagens que mostram a realização de todas essas atividades, enquanto temos mais de 125 mil mortes causadas pela Covid-19, demonstram e exemplificam o caráter social egoísta. Ok, mas até onde eu, verdadeiramente, me responsabilizo pelo outro? Ou, até onde devo reavaliar minhas próprias condutas em prol do outro?
O “cancelamento” se tornou um termo muito usado pela internet nos últimos anos. Trata-se de um fenômeno de interrupção de apoio a políticos, empresas ou até mesmo a uma pessoa física, a partir de ações consideradas erradas pelo senso comum. Entretanto, a banalização desse movimento fez com que muitos indivíduos se protegessem e agissem sob a tutela do rótulo de cancelado. Por muitas vezes, em vez de encarar alguma ação como precipitada ou errada, pessoas optam por ironizar a ideia de cancelamento. “Já tô cancelado mesmo”, “vão me cancelar” são as frases mais comuns. Em uma tentativa de criar memes, fogem do debate e permanecem na superficialidade do sarcasmo.
Os muros são cada vez maiores e o diálogo cada vez mais ausente. As relações sociais foram prejudicadas em prol de uma egolatria exacerbada. Assim como Narciso, figura mitológica, que, pela sua vaidade, deixou se levar pela morte, o seu ato de imprudência resguardado de amor próprio pode ser interpretado como apenas uma negligência aos milhares de mortos diários. O seu post apenas demonstra a insensibilidade com outros, que podem estar em sérias crises de ansiedade ou depressão, por exemplo. Então, da próxima vez, repense se o foda-se é realmente a melhor forma de conduta.