De pesquisa de mercado a UX Research: o que mudou?

As similaridades e diferenças entre os tipos de pesquisa e uma não tão breve reflexão sobre essa transição.

Eduarda Garcia Patta
Perfil desativado
8 min readJul 1, 2019

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Photo by William Iven on Unsplash

Me graduei em Design de Produto e só quem é da área sabe da dificuldade que é explicar para os pais, avós ou até mesmo para pessoas que não tem nenhum grau de parentesco ou amizade: afinal, o que é design? o que faz um Designer? Quando virei pesquisadora, a tarefa de detalhar o que eu fazia se tornou um pouco mais fácil. Eis que de repente o cargo de UX Researcher (ou Pesquisadora de Experiência do Usuário — em tradução totalmente livre) aparece na minha carteira de trabalho e lá estou novamente na situação de tentar explicar o meu ofício. A diferença é que dessa vez talvez nem eu saiba explicar direito — e tá tudo bem!

Começo com um fato: as empresas estão entendendo o valor de ter um profissional exclusivamente dedicado a pesquisa com os usuários. Como consequência, o interesse tanto de profissionais quanto de curiosos sobre o tema aumentou. E existe muita gente que tem dúvidas sobre o que é um UX Researcher. O que fazem? Onde se escondem? Eu mesma tinha muitas dúvidas antes de começar a trabalhar no Banco PAN como UX Researcher , e como já adiantei logo no começo, ainda não consegui responder todas elas. Por se tratar de uma ocupação relativamente nova, os próprios profissionais estão buscando entender e estabelecer melhor os seus papéis dentro dos lugares onde trabalham, bem como encaixar algo tão plural em uma definição única.

Mapear experiência: é comportamento puro

UX= user experience. É o que o usuário experiencia quando interage com um produto, sistema ou serviço. O termo UX geralmente se aplica a interações digitais. Essa interação pode gerar diversas percepções, sendo elas positivas ou negativas.

Em busca de vivências cada vez mais positivas e, mais do que isso, memoráveis para o usuário, empresas entenderam que precisam estar atentas a todos os processos que envolvem essa tal experiência. Pra mim é muito claro: estamos falando de comportamento. E é aí que entra a necessidade de um olhar curioso que consiga captar insights e trazer descobertas que vão influenciar diretamente nas decisões e no processo de design. Esses tempos vi uma metáfora que define bem a importância e o direcional que a pesquisa deve dar ao processo de UX:

Designing without research is like getting into a taxi and just saying: “Drive”.

Simples, mas faz total sentido.

Mas afinal, do que um UX Researcher precisa?

Quando falo da pluralidade da área, incluo o tipo de profissional apto a ser um UX Researcher. Já vi Antropólogos, Designers, Publicitários que hoje trabalham com isso. Não existe nenhuma formação obrigatória — isso é coisa do passado para muitos setores.

Olhando para o mercado, o caminho mais comum até então é a migração de UX Designer para UX Researcher. Os UX Designers por muito tempo absorveram também essa tarefa e alguns acabaram desenvolvendo bastante esse skill mais analítico e se interessaram em seguir no ramo da pesquisa. No nosso time de Design do PAN, temos dois Researchers que antes trabalhavam como Designers. Mas isso não é regra. Eu sou uma Designer de Produto que nunca havia trabalhado com foco em UX. Sempre atuei em consultorias de pesquisa, focada em métodos e análises qualitativas e estratégicas e foi isso que me trouxe até esse território que até então desconhecia — onde consegui me encaixar bem por contar com habilidades que a experiência em pesquisa me trouxe e com a visão do processo de design que a graduação proporcionou.

Destaco 4 skills que vejo como essenciais para um pesquisador de UX: curiosidade, empatia, neutralidade e olhar analítico. Não tem saída: é preciso se manter curioso o tempo todo. Ter aquela vontade incessante de ir atrás, investigar, esgotar possibilidades em busca de descobertas. Essa vontade e procura pelas respostas deve ser feita sempre com empatia, se colocando no lugar do usuário, mas com atenção dobrada para que a escuta seja neutra. Nós, seres humanos temos uma forte tendência a relacionar experiências pessoais quando estamos investigando algo. Anaïs Nin estava certa em dizer que “Nós não enxergamos as coisas como elas são; nós enxergamos as coisas como nós somos” e é por isso que como pesquisadores precisamos ter bastante cuidado com a questão da neutralidade, sempre. É preciso que o pesquisador se blinde de todas as suas vivências e opiniões pessoais no momento da escuta. O olhar analítico é responsável por amarrar todas as informações coletadas e transformar em insights valiosos para o processo e para o negócio.

Os métodos

Um dos meus grandes receios sobre o processo de UX estava relacionado às técnicas de pesquisa utilizadas. Eu acreditava que eram totalmente diferentes do que estava habituada. Claro que existem diferenças entre a pesquisa de mercado e a pesquisa focada em UX, mas a maior delas é que antes o meu foco eram produtos físicos ou marcas (posicionamento, etc). Agora esse foco se voltou totalmente para produtos digitais que, claro, possuem suas particularidades.

Por ter essa relação com o digital, um erro comum é achar que o papel do UX Resercher se limita somente a fazer testes de usabilidade (tarefa que aqui no PAN por exemplo, é exercida pelos Designers). Um pesquisador de UX utiliza metodologias qualitativas e quantitativas comuns à pesquisa de mercado convencional e mais um pouco. Existem sim técnicas mais particulares (heatmaps, testes A/B, card sorting, são alguns deles) mas não são as únicas e nem sempre as escolhas mais óbvias na hora de conduzir uma pesquisa de UX - aliás, tá aí outro skill importante: saber qual combinação de metodologias é a mais adequada para cada problema de pesquisa.

Não demorou para que essa crença fosse desmistificada. Já vimos aqui que experiência e comportamento andam lado a lado. Muitas vezes precisamos ir a fundo em dados que não conseguimos obter através de números, e as técnicas de pesquisa qualitativa nos entregam isso. Imersão etnográfica, entrevistas em profundidade, focus group, cliente oculto foram só algumas das ferramentas que já usava antes e apliquei nos 6 meses em que estou trabalhando por aqui.

Pesquisa sobre endividados

No Banco PAN, os Researchers tem um papel muito estratégico e o principal objetivo é entregar insights interessantes para que as squads possam transformar em novos produtos ou melhorias que impactam no negócio.

A squad da qual faço parte cuida do Renegocie, um portal do PAN onde os clientes inadimplentes podem acessar e negociar suas dívidas 100% online e diretamente com o banco, sem precisar falar ao telefone.

Meu primeiro desafio aqui foi justamente o responsável por me mostrar que a pesquisa comportamental — com que estava tão familiarizada — também era parte essencial do processo de pesquisa de UX. O site do Renegocie foi construído sem um estudo mais aprofundado do usuário (o cliente inadimplente). O briefing era o seguinte: precisamos redesenhar e melhorar a experiência para aumentar a conversão.

Não demorou muito para entender que precisávamos ir além. Era extremamente necessário compreender a jornada do endividado. E quando falo de jornada, não quero dizer somente a do cliente inadimplente que acessa o nosso site. O objetivo principal da pesquisa, que era gerar insumos para um possível redesign do site, foi ao longo do caminho se tornando secundário. Ao começar a conversar com o cliente e entender suas dores, o porque se encontrava nessa situação, que tipo de dívida priorizava, fui percebendo que entregar somente um site mais funcional e com melhor usabilidade não seria o suficiente.

Ouvimos, entre técnicas qualitativas e quantitativas, mais de 3.500 clientes e ex clientes, além de ler e consolidar muitos dados já existentes sobre o comportamento do endividado no Brasil. Juntando e analisando todas essas informações geramos insights não somente para a squad de cobrança, mas também para outros setores do banco.

Mostrando o valor da pesquisa para outras áreas

Com o relatório do estudo em mãos, estava na hora de dividir todas as descobertas com as áreas envolvidas que poderiam se beneficiar do conteúdo.

Durante uma tarde inteira foi realizado um Workshop onde inicialmente apresentamos os resultados da pesquisa para colaboradores de Marketing, CRM e Produtos. Falamos de empatia na cobrança, como se comunicar com o cliente endividado, quais condições poderiam ser revistas, a importância da parcela que cabe no bolso, entre vários outros pontos.

Workshop entre áreas para construção de soluções

Logo após a apresentação, emendamos diversas dinâmicas com o objetivo de priorizar as dores mapeadas pela pesquisa e no fim criar uma solução aplicável ao Renegocie. A experiência foi incrível e gerou ótimos resultados — inclusive uma feature que começará a ser desenvolvida e testada com usuários!

Além da geração de resultados, o workshop ajudou a disseminar um pouco da cultura da pesquisa para outras partes da empresa, um grande desafio para nós Researchers. Mostrar como o processo acontece, como os resultados podem impactar o negócio e que trabalhando em conjunto podemos chegar a soluções que beneficiam todos com certeza faz com que trabalho dos UX Researchers seja melhor compreendido e valorizado pelas demais áreas.

Se joga!

Minha transição para o universo de UX foi natural e hoje vejo que também foi muito necessária. Aconteceu totalmente por acaso, mas vem me mostrando perspectivas e aplicações da pesquisa que até então desconhecia. Não posso negar que ter uma visão de design jogou a meu favor, mas fato é que temos em grande parte as mesmas técnicas e precisamos de habilidades bem similares às de um pesquisador de mercado.

Já a forma de organização dos times (muitas vezes em squads) e o uso de metodologias ágeis torna os resultados da pesquisa de UX diferentes quando falamos de aplicabilidade. Se nas experiências anteriores eu entregava os resultados e na maioria das vezes ficava sem saber se o projeto foi engavetado pela empresa ou de fato utilizado, hoje posso ver de perto os insights se transformando em melhorias e produtos que ajudam impulsionar o negócio — o que é muito gratificante.

A boa notícia é que o mercado tem se mostrado super aberto a profissionais curiosos e interessados, e o Banco PAN abraça isso muito bem. O Luciano, um de nossos UX Designers por exemplo já estudou física, está se formando em economia, e hoje vivencia sua primeira experiência com design por aqui (como contou nesse artigo).

Se você é um profissional de pesquisa e tem interesse em aprender mais ou se aventurar na pesquisa focada em UX, minha dica é: se joga sem medo. Não se deixe assustar por uma linguagem mais técnica e um território que parece totalmente desconhecido. Existem sim alguns desafios e uma boa dose de aprendizado pela frente, mas os universos são bem mais convergentes do que parecem.

Obrigado por chegar até aqui! O que achou do artigo? Fique à vontade para dar sua opinião, ela é importante e nos motiva a escrever mais por aqui. Ficou com alguma dúvida ou quer saber mais sobre UX Research e essa transição? Deixe um comentário e vamos conversar!

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