Hunter x Hunter — Contos da Torre Celestial #1: Corrodent Blood (Parte 1)

Leo Medeiros
5 min readAug 5, 2019

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A série “Contos da Torre Celestial” elenca fanfics do mangá Hunter x Hunter, de Yoshihiro Togashi. As histórias podem ser também encontradas no grupo Hunter x Hunter Seiko, no Facebook. Boa leitura!

Kujiro abre a porta da geladeira e retira um pedaço de carne. Os ombros e as esguias pernas da velha Gakija tremem com o vapor frio. Balançam junto com a cadeira de rodas. Com o corpo leve, Kujiro a dribla e deposita o objeto congelado na pia. O barulho assusta a senhora, que pede por mais cuidado da parte do rapaz. Ele, no entanto, se mostra muito entretido com o fogão, carregando um sorriso sereno e confiante no rosto.

— Mãe, pode pegar uma panela para mim? — ele pede.

— Kujiro, se isso for uma de suas piadas, saiba que não tem a menor graça.

O rapaz desdenha. Gargalhando, toma uma panela em mãos. Liga uma das bocas do fogão. Gakija encara a carne em cima da pia, uma tristeza distante desenhada no rosto. Kujiro a resgata para o mundo real:

— Não sei se já perguntei… vai querer um pedaço?

— Comê-lo seria demais pra mim. — responde Gakija — E, também, pelo que compreendo do nen, seria comprometedor para você.

— Na verdade não. As regras são nossas, afinal, então elas têm lá suas maleabilidades. Provar não teria problema. — Kujiro remove o plástico envolvendo a carne e a despeja na panela. — Já esperava por essa resposta. Parece suculento isso aqui. Comerei tudo por você.

Gakija fita o filho. Em seus olhos, vê o próprio reflexo. Os cabelos brancos desgrenhados, as rugas, o corpo fadigado e fatiado depositado numa cadeira de rodas. Pensa sobre o quanto se doou ao filho. O passado invade sua mente e evidencia o quanto fora arruinada pelo tempo. Mas ela o dispersa.

— Kujiro… você é muito descuidado. Sempre foi. A sua sorte é o conjunto extenso de condições que você criou…

— E isso não seria reconhecer minhas fraquezas e compensá-las? A senhora fala demais.

— Não quero ofendê-lo. Estou só lembrando o que você mesmo me explicou sobre o nen.

— Mãe, de boa intenção o inferno tá cheio. Sua sorte é eu já estar acostumado com seus comentários me subestimando. Mas é melhor se lembrar que quem vai alimentá-la e fazer tudo por você nos próximos dias serei eu.

— Me desculpe, meu filho. — Uma lágrima fura os olhos de Gakija. Ela se contém, confinando-a dentro de si. — Eu estou preocupada…

Kujiro entorna azeite na panela. Movimentos circulares com o braço, pintando o vermelho da carne. Ele respira fundo.

— Não precisa ficar assim, mãe. Apenas duas batalhas no ducentésimo andar serão o suficiente. Com o poder que temos, somos invencíveis.

Gakija se emociona com a contemplação do filho. De fato, trata-se de uma habilidade conjunta.

— Mesmo assim tenho medo…

— Não tenha.

— De perdê-lo…

— Não vai.

Kujiro se separa do cozimento, aproximando-se de sua mãe.

— Duas vitórias mãe. Acredite em mim. A senhora sempre acreditou, não é? Basta continuar assim. E preciso que fique calma.

— Ficar calma é difícil…

— Mas fique, porra! — Kujiro se enerva, sacode Gakija. — Fique se não quiser que eu morra amanhã!

— Não me mande ficar calma, garoto! Sou eu quem estou sem os dois braços e impotente até que você consiga o maldito dinheiro para os implantes! E mesmo que sejam só duas batalhas, você só tem três chances, porque eu só tenho duas pernas, merda!

De supetão, Gakija sentiu uma forte pressão no topo da cabeça. Uma pancada, pode vislumbrar. O filho, numa explosão de cólera, rosnou, elevou a mão e deixou-a despencar violentamente sobre a mãe.

— Sente esse cheiro? Sente? Hein? Responda! — Kujiro respira, olhando a figura encolhida de sua mãe na cadeira de rodas. — Seu outro braço já foi arrancado e tá assando agora naquela panela! A batalha está marcada para amanhã. Reclamar agora é inútil. Não há nada que possamos fazer, senão fincar os pés no chão e continuar do jeito que estávamos.

— Não fale assim comigo, meu filho. Eu estou me doando tanto… — Gakija transborda seus medos em lágrimas frias que lhe descem o rosto.

Kujiro traz suavemente o queixo de sua mãe com a mão, virando-a para ele.

— Veja isso mãe — aponta para a manga da camisa pendendo. A denúncia da ausência do braço esquerdo. — Nós estamos nos doando. Nós colocamos nossos braços juntos naquele recipiente com ácido e nos deterioramos. Siga minhas ordens e continue comigo corajosamente como tem feito. Por mim. Pelo meu… pelo nosso poder. Só assim conseguiremos pagar a minha dívida e repor os seus braços. Estamos juntos nessa.

Gakija relaxa o corpo. Enxerga novamente o filho no olhar tenso e focado que a encara. Um silêncio barulhento infesta a cozinha. As paredes parecem gritar e sangrar. A velha Gakija fere a ausência do som e cala as denúncias.

— Kujiro, o que você sabe sobre esse tal Nujimura?

— É um emissor. Não sei sua habilidade. Está estreando na torre, assim como eu.

— Isso não é um problema?

— Está com medo de ataques à longa distância? Criaturas de nen? Não tem problema. Como eu já disse: nosso poder é imbatível e pode eliminar até mesmo dois ou mais obstáculos rapidamente.

— Não me refiro a isso.

— Nen pós-morte? Também estou pronto pra isso.

— Manipulação.

— Manipulação?

— Filho, se o Corrodent Blood não tem fraquezas, isso significa que sua maior fraqueza é ele mesmo. Um emissor pode facilmente criar uma habilidade de manipulação.

— Eu o eliminarei antes que possa fazer qualquer coisa.

— Filho…

Kujiro tapa sua boca com o indicador. Respira fundo. Diz:

Corrodent Blood é a expressão da nossa união. Se você não estiver confiante, mãe, o nen estará turbulento. Habilidades conjuntas funcionam assim, lembra? Sua memória parece fraca hoje… — Kujiro agarra o apoio traseiro da cadeira de rodas e a gira na direção contrária. — É hora de dormir. Você e eu precisamos estar descansados para amanhã.

Kujiro empurra a cadeira pela cozinha. No meio do caminho, a mãe o interrompe.

— Filho…

— O que foi dessa vez?

— Sinto cheiro de queimado.

Continua…

PARTE 2

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Leo Medeiros

Escritor, ansioso; a letra da frente sempre fazendo a de trás tropeçar, mas nunca deixando de dizer.