Eu quero que os Travel Influencers vão à merda

E não é porque eles ganham dinheiro pra viajar. Quer dizer, isso também, mas não é esse o ponto desse texto.

Igor Mariano
Revista Passaporte
7 min readAug 16, 2018

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Beijinho no ombro

É claro que eu sinto uma pontinha de inveja quando um blogueiro recebe um convite da National Geographic para ficar em um hotel cinco estrelas no Peru. Talvez até mais que uma “pontinha”, vai. Mas eu sinto mais inveja ainda da velocidade e frequência com que eles produzem conteúdo.

Eu só quero entender quais poderes sobre-humanos eles possuem.

Como é possível escalar uma montanha de manhã, comer em restaurante chique no almoço, de tarde ir à praia e de noite já ter post com legenda filosófica no Instagram, um texto completo no blog e um vídeo de dez minutos no YouTube? Às vezes eu mal consigo trocar de roupa antes de desmaiar na cama do meu hostel depois de um dia inteiro fora.

E eu não vou nem falar nada sobre aqueles que fazem tudo isso e ainda têm uma barriga travada.

Haja beijinho no ombro pra superar esse recalque.

“Ah, mas eles não postam as coisas no mesmo dia que acontecem”

Aí que tá: eu também não.

Só que eu comecei a postar as fotos da minha volta ao mundo com um pequeno atraso e agora já estou indo embora da China enquanto a minha timeline ainda está em São Francisco. E a projeção não é boa: eu já devo estar dormindo na minha cama em Goiânia quando finalmente começar a postar as fotos aqui da China.

Acho que é melhor eu adotar o discurso cool de que as redes sociais não mostram nossa vida em tempo real e sim uma ficção. Vai que cola.

“Ah, mas maioria deles tem uma equipe que produz tudo para eles também”

É verdade, talvez eles tenham. Porém onde fica o prazer de criar?

Eu escrevo porque gosto. Tiro fotos porque acho divertido. Edito porque me entretém. Se alguém estivesse fazendo tudo isso por mim, será que eu ainda veria graça no resultado?

Imagino que uma blogueira começa um blog porque gosta de escrever e um YouTuber faça videos porque gosta de filmar e editar. Talvez eu esteja sendo muito idealista, de fato muitos deles não ligam para os meios e sim para os fins. No entanto ainda acredito (espero) que alguns criam o próprio conteúdo.

E é bem esses que eu tô mandando a merda, esses filhos-da-mãe talentosos e criativos que escrevem o texto do ano dentro de uma cabana na Indonésia e postam os próprios vlogs usando o wi-fi de uma aldeia indígena.

Um amigo meu até se ofereceu para editar os meus videos —e embora também exista algum atraso, a verdade é que provavelmente não haveria vídeo nenhum caso ele não tivesse se oferecido. Hoje eu percebo que jamais teria tempo para isso. Edição de vídeo é algo trabalhoso e demorado, não consigo conceber como seria possível encaixar essa função no meu dia-a-dia enquanto quero estar lá fora vivendo o máximo que puder.

Como produzir enquanto se vive?

Do conforto de uma vida rotineiramente infeliz eu achava fácil ter tempo de colocar as palavras para fora ou de organizar meu feed do Instagram. Era prazeroso e quase necessário.

Escrever trazia alívio igual a tirar uma farpa do dedo, só que do peito.

Dentro de uma repetição diária entediante, menos era perdido quando eu abria mão de uma ou outra coisa para dedicar meu tempo à escrita. As horas do meu dia eram baratas.

Eu trabalhava o dia inteiro e então escrevia sobre a minha insatisfação. Escrevia sobre cada coisa interessante que vez ou outra quebrava minha rotina. Racionalizava e expressava sentimentos que me assombravam. Com razoável frequência passava horas escrevendo sobre as viagens que eu já tinha feito e sobre as viagens que eu sonhava em fazer.

E aqui estou. Fazendo as viagens que eu sonhei.

Antes de partir eu planejei catalogar todas as minhas experiências em textos, tanto tutoriais para outro viajantes quanto devaneios poéticos para registrar o que estivesse sentindo. A ideia era essa. Já a prática é outra história.

O último texto que escrevi aqui foi sobre Medellín na Colômbia, onde eu estive em, pasmem, MAIO. Já estamos em agosto. Em minha defesa, parece que foi ontem.

No começo eu tentei escrever sempre que tinha algum momento vago. Dentro de ônibus e trens, antes de dormir, esperando o guia chegar ou alguma atração começar. Então eu passei a usar esses momentos para editar fotos e escrever legendas para elas, porque era um pouco mais rápido. Quando tinha internet eu aproveitava para postar os stories do que eu tinha feito no dia.

Se o tempo vago era maior, eu usava para trabalhar nos meus freelas, que são o que realmente gera algum dinheiro nessa história toda. E os freelas, claro, se acumularam e passaram a tomar cada vez mais tempo também.

Cada uma dessas coisas exige se desligar um pouco do mundo para ficar grudado no celular ou no notebook, o que é uma tragédia enquanto se viaja.

Desta forma, escrever se tornou praticamente inviável. É difícil conseguir calma suficiente para sequer concluir uma linha de pensamento, quem dirá um texto completo. Completo e bom, então, provavelmente nem este.

Foi pensando nisso que eu cheguei à importante percepção de que ultimamente as horas são caras, valiosas e únicas. Bem diferente do que eram antes dessa jornada começar.

Elas são caras porque essa viagem não é grátis e nem infinita. Como disse, não estou sendo patrocinado. Cada noite em um país custa dinheiro da minha verba, então gastar esse tempo dentro do hostel escrevendo é no mínimo um desperdício financeiro*.

*É imensamente irônico ter acabado de escrever essa frase, já que é exatamente isso que estou fazendo nesse momento.

São valiosas porque são uma das principais razões de ter começado essa viagem. Eu sentia que estava desperdiçando minhas horas e queria usá-las para fazer coisas interessantes e diferentes. Também cada momento vale muita coisa para mim pois sei o que precisei fazer para chegar até aqui.

E únicas pois essa é uma experiência que dificilmente terei outra vez na vida — e são elas que geram o conteúdo dos meus textos, pra começar. Quero escrever sobre o que estou vivendo na minha volta ao mundo, porém sobre o que eu iria escrever se primeiro não estiver lá fora colecionando experiências?

Dizer “não” a um convite pode ser dizer “não” a oportunidades que nunca mais terei. Histórias que simplesmente deixarão de existir. Já passei da fase de achar que tenho que dizer “sim” pra tudo (claro, não tenho mais dezesseis anos), porém se quando alguém me chamar para fazer uma trilha eu preferir ficar “produzindo conteúdo”, estou abrindo mão de algo especial. Pior: estou trocando algo único por um hobby que eu posso fazer em qualquer lugar.

Lidando com a farpa

E assim fui deixando a escrita em segundo plano. Isso não quer dizer que a farpa não esteja mais lá, só que é mais simples me distrair e esquecer dela enquanto viajo do que era quando eu estava na minha antiga rotina.

Não vou nem entrar no aspecto de “para quem” produzir conteúdo, porque já escrevi um texto inteiro sobre isso, leia aqui se tiver interesse: “Você acha mesmo que alguém quer ler sobre as suas viagens?”. Não estou questionando se alguém se importa com o que a gente posta ou não, isso é outro assunto.

A verdadeira questão aqui é: afinal, porque me importar em criar?

Se exige tanto e se significa abrir mão de viver outras experiências, então eu não deveria ter nenhuma vontade de perder meu tempo com Instagram, YouTube e Medium. Mas eu tenho vontade. Eu sinto falta. Eu me importo em criar. Não sei bem os motivos exatos, mas imagino seriam algo nessa linha:

  • Simplesmente porque eu gosto de produzir;
  • Porque eu gosto das interações que meu conteúdo gera;
  • Porque eu quero registrar o que estou vivendo.

E você, porque cria? Do que abre mão, para poder continuar produzindo?

Na verdade tem tanta coisa acontecendo nos últimos meses, tantas histórias, tantos sentimentos, tantas mudanças e experiências, que mal sou capaz de processar tudo isso. É um turbilhão. Absorver esse volume de informação e ainda expressá-las em velocidade suficiente é simplesmente utópico.

Sinto que se eu escrevesse sobre minha viagem em tempo real as palavras talvez seriam muito mais verdadeiras e as emoções estariam mais frescas. O resultado provavelmente seria muito melhor e mais honesto do que escrevendo pela memória. Porém o preço a se pagar seria muito alto. Para registrar mais, eu precisaria viver menos.

Não ganho dinheiro e nem tenho tenho fama por causa das minhas redes sociais, porém sigo me esforçando e dando vazão para essa minha necessidade de escrever, fotografar, postar, mostrar, explicar, editar, enfim: de me expressar — no ritmo e na quantidade que posso.

Então eis o que me resta: viver primeiro, produzir depois.

E à merda com os influencers que conseguem fazer as duas coisas ao mesmo tempo e ainda são pagos por isso. Então vivendo o sonho de muita gente, esses sortudos.

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Igor Mariano
Revista Passaporte

Brasileiro, gestor de marketing, apaixonado por viagens, café, cerveja, livros e tudo que nos distrai • www.instagram.com/igor_mariano