Os melhores e os piores viajantes de todos os tempos

Dayanne Dockhorn
Revista Passaporte
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4 min readApr 3, 2019

Martín (meu companheiro de vida e viagem) tem falado constantemente sobre como nosso ritmo de adaptação em cada nova cidade ou país tem crescido rapidamente. É engraçado, até, porque ele repete isso por vários dias depois que aterrissamos em um lugar novo, como se surpreendendo com sua facilidade de adaptação toda santa vez.

E ele tem razão. Nos primeiros quatro meses de viagem, passamos por cinco cidades e não tivemos nenhum problema em nos adaptar ao clima diferente, paisagens novas, línguas estrangeiras, outros modos de viver.

Mesmo sendo a primeira vez que viajávamos por um período de tempo tão longo, e a primeira vez que visitávamos as cidades e países em questão, em poucos dias já estávamos chamando cada apartamento de casa e nos sentindo, de fato, em casa.

Enquanto isso me trazia conforto para continuar em frente, fui percebendo ao longo do tempo que nós viajamos de forma muito diferente de grande parte dos outros nômades e viajantes frequentes (e isso talvez seja o motivo pelo qual quase nunca nos identificamos com essa “comunidade”).

Essa inquietação me derrubava alguns dias, pensando que não estávamos viajando "do modo correto".

Nós somos, ao mesmo tempo, de longe os melhores e os piores viajantes que eu conheço. Não gostamos de muitas partes que definem o ato de viajar na era de hostels e couchsurfing. Odiamos dividir uma casa ou um banheiro e perdemos a paciência fácil por qualquer surpresa inconveniente. Não gostamos das camas desconfortáveis, de comer fora sempre, de visitar pontos turísticos lotados nas horas mais quentes do dia.

Notei que, sempre que temos escolha, optamos pelo que é familiar. Criamos uma rotina em cada lugar e basicamente a seguimos intercalando trabalho e passeios, como fazíamos na nossa primeira casa, em Pelotas, no Rio Grande do Sul.

Com mais ou menos três dias de adaptação, já estamos habituados ao local e sabemos exatamente quais são nosso restaurantes favoritos, os mercados com os melhores preços, os barulhos típicos da vizinhança e o os lugares que queremos visitar. Procuramos atividades que já fazíamos antes — como yoga, muay thai, natação — e seguimos as práticas com novos professores. Conhecendo e gostando da cidade, podemos ficar no mesmo lugar por meses. Na nossa experiência, há sempre muito para conhecer.

Eu não tenho dúvidas de que isso nos torna péssimos viajantes nos olhos da maioria das pessoas. Quem busca o familiar não é talvez a pessoa mais indicada para viver viajando, você pode facilmente pensar.

Mas isso não é de todo verdade. É exatamente essa busca pelo familiar que nos faz realmente viver em cada lugar. Não estamos sendo turistas e fazendo programas turísticos todos os dias. Ficamos em lugares que podemos chamar de casa, fazendo programas de locais, como comprar comida para cozinhar, lavar roupa, ir ao cinema, ao teatro, a poetry slams, palestras, cursos, shows, jogos, e qualquer coisa que possa nos interessar.

Isso não quer dizer que não estamos aberto ao novo. Estamos (salvo exceções) totalmente abertos a experimentar, ver, tocar, saborear, aprender tudo que é novo e que cada local tem a oferecer. Isso já foi incorporado à nossa rotina. Este é o nosso familiar agora. Estamos em constante transformação e isso tem muito a ver com viver o tempo todo nos adaptando.

Percebi que não estamos apenas viajando por todo o mundo. Estamos vivendo por todo o mundo. Podemos viver em quase qualquer cidade, diferentemente de quem só viaja por um determinado período e volta para viver no seu familiar.

Enquanto bons viajantes podem ir a qualquer lugar no mundo sem perder a paciência por causa dos “perrengues”, passar vários dias comendo qualquer coisa e dormir em um quarto com estranhos, nós, por outro lado, podemos chamar qualquer lugar de casa se nos estabelecemos ali por algum tempo.

Não existe, é claro, um modo certo de viajar, e estou tentando eliminar meus próprios preconceitos sobre a minha maneira de viajar. Posso mudar de ideia no futuro, mas, neste momento, prefiro infinitamente fazer casa e viver em um lugar do que optar por ser turista 100% do tempo durante minha estadia.

A minha recompensa em conhecer lugares novos não vem dos pontos turísticos, das listas de “must-do’s” e "must see's" — aliás, fico longe dessas. A minha recompensa vem das pequenas coisas que você aprende se misturando nesses locais, coisas que talvez passem despercebidas quando você está tentando agendar 15 tours em 10 dias.

Temos carinho por cada lugar em que vivemos até agora porque transformamos estes lugares na nossa casa, mesmo que de forma passageira.

E é por isso que eu digo que somos os melhores e os piores viajantes — de todos os tempos, para soar dramático.

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Dayanne Dockhorn
Revista Passaporte

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