Presenciei um assalto inusitado em Santiago

Igor Mariano
Revista Passaporte
Published in
4 min readMar 2, 2018
Vista do apartamento em Las Condes (Arquivo pessoal, 2017).

Em dezembro do ano passado embarquei com minha família em uma viagem para conhecer Santiago, no Chile. Era nossa primeira vez em terras chilenas e como você pode imaginar estávamos bastante empolgados, não só por mais um carimbo no passaporte, mas também pelo começo das nossas merecidas férias.

Nos hospedamos em um apartamento com dois quartos e cozinha americana na comuna de Las Condes, um bairro moderno e perto de tudo. O apartamento não dava motivo para críticas e tampouco a localização, bem na esquina da La Gloria com a Av. Apoquindo. Tinha até um Big John logo em frente, olha que sorte! Big John é uma rede de lojas de conveniência muito parecida com as lojinhas que temos nos postos de gasolina aqui no Brasil. Elas vendem comidas, bebidas, alguns produtos de higiene e outros itens básicos para o dia-a-dia.

Assim que deixamos as malas nos quartos resolvemos comprar alguns lanches para estocar no apartamento e levar dentro das mochilas para os passeios. Cabe lembrar que estávamos no país a menos de duas horas e nossas únicas experiências até então haviam sido a demora surreal para pegar as malas (que no fim das contas estavam na esteira errada) e um grande engarrafamento para chegar em Las Condes. Nada que abalasse a empolgação de uma família de turistas em férias.

Entramos no Big John. Eu e minha irmã percorremos as únicas duas prateleiras do mercado procurando por salgadinhos e doces típicos como dois pré-adolescentes, enquanto nossos pais debatiam se valia mais a pena levar um garrafão de água de 5 litros ou cinco garrafas de 1 litro. Nós dois não moramos mais com eles, mas estar na presença dos nossos pais faz com que a gente se permita abdicar um pouco das prudências da vida adulta.

Talvez até demais, porque não notamos o homem que entrou na loja com dois sacos de lixo de 20 litros, passou pela gente e foi direto para a última prateleira da lojinha, onde estava disposta a promoção de batatas Pringles. Ficamos lado a lado com o homem enquanto ele corria os braços de fora a fora pelas prateleiras, esvaziando uma a uma dentro das suas sacolas pretas com toda a calma e paciência do mundo. Eu nunca tinha visto alguém que gostasse tanto de Pringles na minha vida.

Minha mãe passou pelo homem e pediu licença em um espanhol improvisado para que ela pudesse alcançar um produto qualquer que estava na prateleira de trás. Meu pai notou a cena incomum e comentou em português comigo: “Nossa, o preço deve estar bom mesmo, será que devíamos comprar uma?”, para que eu respondi sem vergonha nenhuma: “Devem estar fora da validade, pai, acho que o cara vai jogar tudo fora”.

Ah, como é doce a inocência!

Mal se passou um segundo para que o homem jogasse as sacolas nas costas em um único impulso, desviasse da gente e disparasse com toda velocidade em direção à porta. Tudo que aconteceu em seguida foi rápido e simultâneo, mas entre outras coisas envolve a moça do caixa gritando “Ladrón! Ladrón!” a plenos pulmões e uma movimentação imediata de dois homens que estavam na rua, que correram atrás do ladrão. Confesso que demorei uns instantes para montar as peças na minha cabeça e entender o que estava acontecendo.

Eu estava na cena de um crime e tinha acabado de presenciar um assalto de Pringles.

Enquanto meus pais tentavam se comunicar com a moça para explicar que não avisaram nada porque não perceberam que era um assalto, eu fui até a porta bem a tempo de ver os dois homens gigantes voltando com as sacolas de Pringles. Nem sinal do sequestrador com eles. A julgar pelo tamanho dos salvadores, o ladrão deve ter levado uma coça pela tentativa de subtração de batatas da loja. A mocinha seguia protestando contra o acontecido, se queixando que caso os produtos não tivessem sido recuperados o prejuízo seria descontado do salário dela — e meus pais ouvindo, principalmente por falta de opção, já que ela estava passando os produtos que compramos pelo caixa.

Diante daquela cena absurda e inesperada, me restou olhar para minha irmã e cair na risada. Felizmente ninguém estava armado (cof cof) e não foi nada grave. A polícia sequer foi comunicada. Aquelas boas-vindas tampouco foram algum tipo de presságio, pois tivemos uma viagem maravilhosa. É bem verdade que alguns dias depois o celular do meu pai foi furtado da mochila dele no metrô, mas não acho que nada disto deveria manchar a imagem de Santiago. Apesar da criminalidade, é uma cidade bonita, limpa, organizada e que com certeza vale a sua visita.

Meus únicos conselhos para quem for: cuide bem dos seus pertences e fique de olho se encontrar alguém que parece gostar de Pringles mais do que o normal.

Gostou desse texto? Deixe suas palminhas clicando até 50 vezes no botão do lado esquerdo ou aqui em baixo, isso ajuda o post a ter mais visibilidade aqui no Medium. E se quiser acompanhar minhas próximas viagens, é só me seguir no instagram: @igor_mariano

Leia também:
Buenos Aires e o tango do platonismo
Nunca foi tão confortável voar

Conheça a Revista Passaporte.

--

--

Igor Mariano
Revista Passaporte

Brasileiro, gestor de marketing, apaixonado por viagens, café, cerveja, livros e tudo que nos distrai • www.instagram.com/igor_mariano