Texto #Três: Lama, Tipos de Retiro e Comportamento em um Templo

Chrysologo Neto
Revista Passaporte
Published in
7 min readApr 5, 2020

Aquela pequena introdução

Continuando essa sequência que vem me surpreendendo a cada dia que publico: É extremamente divertido ter o seu Eu de hoje confrontando um “quase” personagem do passado. Quase um Eu x Tyler Durden.

Esse texto fala um pouco da minha percepção em 2017 sobre meu Primeiro Contato com o Lama, o Comportamento em um Templo e Tipos de Retiro que podiam (ou podem, preciso me atualizar) ser feitos no CEBB. Quem estiver começando por esse texto basta clicar nesse link e ter acesso ao Texto #Zero, onde dou uma explicação da minha ideia com essa sequência e, no fim dele, uma lista para facilitar o acesso aos demais textos.

Tipos de Retiro

É oficial, o retiro começou. Hoje o dia foi uma loucura de preparativos para a recepção dos nossos retirantes. As coisas variaram entre trabalho intenso na limpeza do templo e um sentimento indescritível ao ter meu primeiro contato com o Lama.

Nesse centro, em específico, existem várias possibilidades de você realizar o retiro de uma maneira imersiva de acordo com o quanto você acha que se conhece. O retiro que estou participando é como se fosse um amistoso da seleção sub-15 da escolinha de futebol budista. Não que as coisas sejam evolutivas, mas cada um entende o quanto sabe lidar com suas loucuras.

Talvez eu me sinta como a bola e enquanto o Karma são os jogadores, mas só talvez

Ocorrem práticas abrangentes, nenhuma grande restrição em relação a rotina, contato superficial com a mente e ensinamentos sem um estudo base específico. Ou seja, fantástico pra quem quer sentir o que é ser budista de primeira viagem.

Logo após o café fui chamado para a limpeza de uma belíssima sala de meditação no meio da comunidade. Só tinha visto esse pequeno templo de portas fechadas.

Sala de meditação em meio a comunidade

O Felipe, senhor que me convocou para a limpeza, explicou que haveriam cinco pessoas que iriam praticar em retiro fechado nessa sala. Ao chegar na porta dela, recebi uma pequena explicação dos tipos de retiros que acontecem aqui.

O processo de retiro budista é muito intenso e puramente baseado em o quanto você sabe administrar suas neuras e apegos, logo, é necessário tomar cuidado com que modalidade será praticada. Além da que estou fazendo parte, existem outras duas: retiro semiaberto e retiro fechado. Não se trata de prisão, mas é uma boa analogia quando se tem consciência que nossa cabeça funciona a todo momento sobre o efeito de apegos mentais.

O retiro semiaberto ocorre nessa salinha que passei a manhã passando pano e limpando. Nela há toda uma estrutura com cozinha, banheiro, área aberta, aquecedor e tudo que é necessário para se sentir longe da opressão da sociedade. Foi isso que eu pensei até ele me contar sobre a modalidade de retiro fechado. Essa prática, explicou ele, também pode ocorrer em uma casinha de madeira em meio a floresta em uma área mais isolada aqui do terreno. Já pensou isso no inverno?

Se acreditei que as coisas estavam difíceis pra mim que estou dividindo quarto com um cara que não para de roncar, quem dirá pra quem está nessa casinha de madeira. Ainda não visitei esse ambiente try hard de meditação, mas acredito que seja a experiência mais próxima da prática de alguns monges tibetanos: 3 anos, 3 meses, 3 semanas e 3 dias em uma caverna meditando no escuro. Essa possibilidade de ir tão fundo dentro da minha própria mente me causa frio na barriga, quase um convite para revolução.

Lampa Padma Samten

Os ensinamentos do Lama estavam marcados para as 21h, duas horas antes de sua chegada ocorreu o Puja Prajnaparamita (acontece a noite) e uma sessão de meditação. Já próximo ao horário previsto, estávamos com mais de 100 pessoas meditando no templo e de repente só foi possível escutar um forte estrondo ecoando pelo templo. Era a concha sendo tocada anunciado a chegada do nosso mestre.

Em menos de dois segundos todos se levantaram e com a cabeça baixa, posicionaram suas mãos em prece. Eu, sem muito saber como reagir, segui a multidão. Logo me perguntei porque nesses quatro dias ninguém me avisou que a coisas eram intensas assim. Mais perdido que vegano em churrascaria, comecei a imitar passo por passo de uma menina que estava ao meu lado.

Foi algo cheio de energia…

E assim a situação começou a ficar mais estranha. Nos últimos dias já tinha visto algumas pessoas realizarem a reverência que estou por descrever, mas por medo de parecer o cara que não faz a mínima ideia do que está fazendo aqui, não repeti. Sem falar que não sei seu significado também.

Pois bem, estava em uma situação complicada. Não pretendia ficar com cara de tacho enquanto todos reverenciavam nosso querido Lama. Imitei sem o menor pudor o seguinte passinho:

De pé, mãos em prece, erguer mãos acima da cabeça, posiciona-las em frente ao rosto, coloca-las na altura do peito e depois encostar a testa no chão. Três vezes.

Detalhe, de maneira bem compassada. Quase como um nado sincronizado com os demais praticantes do templo. Acabando a reverência cheguei à conclusão que sou um péssimo dançarino e um grande cara de pau.

No meio de todo esse improviso não pude deixar de reparar o quanto o Lama Padma Samten é um ser com uma energia fora do normal. Ao entrar no templo, assim como o saudamos, ele nos saudou também. A diferença estava em seu olhar. Ele parecia amar e respeitar acima de tudo cada pessoa dentro daquele templo, não sei como ele transparece aquilo no olhar. Mas nunca senti tamanha humildade e compaixão vinda de uma pessoa. Talvez a melhor descrição que posso fazer é que foi um abraço com os olhos.

Saudação e agradecimento do querido Lama ao altar e toda sabedoria que essa estrutura simboliza

Após a cerimônia foi aberto logo de cara um espaço para perguntas e respostas, sem muitas apresentações. Gostaria de descrever cada detalhe dos ensinamentos que ele nos passou hoje, mas infelizmente tomaria bem mais que uma folha. Deixemos esses detalhes para um dia em específico, dando mais espaço para as ideias amadurecerem também. Falar dos sentimentos apenas com esse primeiro contato seria como julgar um livro pela capa. Sigamos com calma.

Como se portar em um Templo

Eu fui criado em uma família que presa por algumas regras de etiqueta simples, sem muitos floreios. Isso me fez uma pessoa sem muitas cerimônias no meu dia a dia, diria que até meio bobo por pensar que não existem algumas pequenas normas para tudo na vida. E foi no decorrer dos ensinamentos do mestre que percebi que tenho que me atentar se não nunca vou deixar de passar vergonha.

A Carol é a pessoa mais a esquerda usando amarelo, próximo ao Lama e foi eu quem tirou essa (péssima) foto

Com um pouco mais de uma hora escutando o Lama falar, já estava sem sentir meus pés e cometi a besteira de esticar as pernas. Acho que todos sentiram vergonha alheia, mas eu só senti vontade de me esconder mesmo.

A Carol, parceira da Mandala Audiovisual, me cutucou e de maneira bem educada disse: “Não aponta teus pés pro Lama, isso não pode.”, eu estava a menos de 1 metro e meio do Lama. Aí que fui me tocar que estava com os pés quase na cara dele e, no budismo, é questão de respeito não direcionar os pés descobertos a um mestre. Assim como não se deve pular as mesas de meditação e, menos ainda, entrar em um templo budista sem saudar seu altar com a dancinha que descrevi nesse texto.

Logo, se você for a um templo budista, NÃO direcione os pés descobertos ao mestre presente, NÃO pule as mesas de meditação e NÃO entre sem reverenciar o altar. E não faça isso tudo no mesmo dia, senão você pode nunca esquecer o que é passar vergonha. Não que os outros liguem muito, falando assim até parece que todos me desaprovaram. Como toda certeza foi apenas eu, junto ao meu ego bobo, me julgando por qualquer besteira que meu achismo sente sobre o certo e errado.

Merda. Esqueci de falar do Puja, agora já é tarde.

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Chrysologo Neto
Revista Passaporte

He’s an overthinking guy and has dreams toward music production, alternative lifestyle and skateboard. He’s vegetarian, buddhist and almost a lier, almost.