Turista em quarentena: como vivi o lockdown em Lima, no Peru — parte 2

Taynara Gregório
Revista Passaporte
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4 min readMay 24, 2020
Praia em Lima, Peru

No segundo dia de quarentena em Lima, os brasileiros começaram um movimento de denúncia do descaso que a Embaixada fazia com a gente. Não sei até que ponto era realmente um descaso mas, quando você está presa em outro país, tudo se torna mais intenso e quando ao longo daquela terça-feira a única resposta do órgão brasileiro era “Estamos cientes da situação e analisando o que pode ser feito”, a ansiedade bateu na porta.

Não havia nada que a gente pudesse fazer, a não ser nos organizar e contar com a melhor forma de cobrar autoridades: usando a mídia. Então, nos juntamos em frente ao prédio da Embaixada na capital para obter alguma resposta e quando fomos ignorados, cada um entrou em contato com jornais de suas respectivas cidades e estados.

No dia seguinte, diversos jornais relataram as mais diversas histórias de turistas presos no Peru. Com a repercussão dos jornais, a Embaixada começou a se movimentar e abrir formulários online para preenchermos nossos dados e, assim, eles organizarem nossa repatriação.

Durante os dias de espera, tentei me manter esperançosa e otimista, focando no momento presente para não dar força à ansiedade, mas na quinta-feira, no meu 4º dia presa naquele hotel, acordei agitada. Senti um desespero enorme por não saber quando voltaria para casa e sem poder fazer nada para agilizar minha ida. Para minha sorte, naquele dia, pouco tempo depois do café da manhã, a Embaixada anunciou que havia fechado uma negociação com o governo peruano, Gol e LATAM para fazer nossa repatriação no dia seguinte.

Ufa.

Deveríamos esperar pelo contato da companhia aérea, que iria dar mais detalhes do voo. Foi um dia longo. Quando a noite começou a nascer, o desespero voltou a dar as caras. O que me acalmava era o fato de ser passageira da LATAM e, até aquele momento, ninguém havia recebido ligação ou e-mail da companhia aérea.

A lista de passageiros da LATAM só saiu por volta das 20h. Quando li o nome da minha irmã e, depois, o meu nome naquela lista, comemoramos como se tivéssemos passado no vestibular de novo. Finalmente, iríamos voltar para o Brasil. Depois da lista que foi publicada no Facebook da Embaixada, recebi a ligação do operador da LATAM para confirmar nosso voo e aproveitei para resolver as passagens para Belo Horizonte. Abrimos um vinho, mandamos mensagens para família e amigos e fizemos as malas.

Acordei às cinco para começar a me arrumar. Às sete da manhã, chegamos na Embaixada para pegar o ônibus que nos levaria para o aeroporto. Fomos a pé, já que era perto de onde estávamos e pegar táxi ou Uber seria complicado. Enfrentamos a fila, confirmamos nossos nomes e entramos em um grande pátio do prédio.

Deitamos nas escadas enquanto ouvíamos música e o pátio ficava vazio ao ponto que as pessoas iam embarcando nos ônibus. Não tínhamos pressa de embarcar porque a gente sabia que iria esperar de qualquer forma. Os ônibus eram, em sua maioria, do exército peruano e todos saíram juntos por volta das nove horas da manhã, escoltados pela polícia local. Parecia que eu estava vivendo uma cena de filme. E só piorou quando chegamos no aeroporto.

Ao descermos dos ônibus, vimos dezenas de turistas de outros países buscando uma forma de voltar para casa nos portões do Aeroporto Internacional Jorge Chávez, que estava fechado. Com o auxílio da polícia do aeroporto, entramos no local vazio. Tudo parecia surreal e senti como se estivesse num cenário pós-apocalíptico. O estacionamento estava vazio, os guichês e todos os restaurantes e lojas estavam fechados. Somente alguns guichês da LATAM estavam abertos para que pudéssemos fazer o check-in e despachar as malas.

Feito isso, esperamos na sala de embarque em torno de duas horas até, finalmente, conseguir embarcar no avião. Já estávamos exaustas: eram quase três da tarde e nossa última refeição havia sido o café da manhã que o hotel deixou preparado para a gente.

Senti um alívio enorme de sentar na minha poltrona. Antes de decolar, a equipe que possibilitou nosso check-in da LATAM entrou na aeronave e recebeu uma chuva de aplausos. Fiquei emocionada. Mal podia acreditar que tudo aquilo estava acabando.

São 4h40 de Lima até São Paulo e chegamos em nosso destino à noite. Quando o avião pousou em solo brasileiro, respirei fundo enquanto aplaudia a equipe que nos levou até lá. Tinha medo do que iria encontrar ao chegar no Brasil mas, para minha surpresa, tudo funcionava normalmente no Aeroporto de Guarulhos. Era como se o vírus não estivesse chegado para os brasileiros. Comemos um sanduíche e buscamos um lugar para passar a noite, já que nosso voo para Belo Horizonte seria somente às 07:25.

Não consegui relaxar ao ponto de dormir e passei aquelas horas no aeroporto digerindo tudo o que tinha vivido e conversando com minha irmã quando ela estava acordada. Apesar de ver muitos vôos sendo cancelados, nosso avião decolou pontualmente rumo à minha cidade. Quando finalmente cheguei na minha casa, eu já estava viajando há vinte e sete horas.

Terminei a viagem assustada com o que tinha acontecido e mais ainda com o que poderia acontecer, pois sabia que aquilo era só o começo da pandemia na América Latina. No entanto, nos poucos dias que experienciei Lima, me apaixonei e não ficaram traumas, apenas uma vontade imensa de voltar e desfrutar de tudo que o Peru tem para oferecer.

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Taynara Gregório
Revista Passaporte

Jornalista e comunicadora | “Escrevo como quem manda cartas de amor”