Liberdade de expressão ou apologia ao crime: Constantino e Gazeta do Povo na legitimação de posicionamentos misóginos
Após fazer uma live em seu próprio canal do Youtube, o colunista Rodrigo Constantino afirmou que, diante a uma hipotética situação de estupro de sua filha, as “circustâncias” que levariam ao crime pesariam na decisão de denúncia do caso e que, dependendo do “contexto” da situação, daria um “esporro” na filha e não denunciaria o estuprador fictício, com a justificativa de que sua filha fosse co-autora do ato. Seu pensamento misógino leva a crer que ela teria de lidar não só com o trauma da violência, mas com a culpabilização pelo próprio pai ante o ocorrido.
Não satisfeito com a declaração, Constantino ainda atacou o movimento feminista, afirmando que “Feminista é tudo recalcada, ressentedida e normalmente mocréia, vadia, odeia homem, odeia união estável, casamento”, o que, além de demonstrar sua ignorância sobre as causas da luta feminista, tenta deslegitimar a mobilização responsável pela conquista de inúmeros direitos das mulheres. É uma postura que lembra a adotada pelo jogador Robinho, após a repercussão da sua condenação por estupro na Itália.
As afirmações do colunista foram recepcionadas com profunda aversão em meio às fortes reverberações do caso Mariana Ferrer. As falas mobilizaram os movimentos sociais, especialmente pelo Sleeping Giants Brasil, cobrando a responsabilidade dos veículos ligados a Constantino. A cobrança de posicionamento das empresas ocasionou a demissão de Constantino de quatro das cinco empresas jornalísticas nas quais trabalhava. A primeira a se posicionar foi a rádio Jovem Pan e, em seguida, TV Record, rádio Guaíba e jornal Correio do Povo. As decisões de desligamento de Constantino surgiram devido à pressão do público que repudiou não só o jornalista, mas também quem o mantinha com vínculo empregatício.
O único meio de comunicação que optou por permanecer em relação contratual com Constantino foi a empresa paranaense “Gazeta do Povo”, que resistiu à perda de patrocinadores e à pressão dos próprios colaboradores. Mesmo violando as convicções delineadas pelo próprio jornal, a escolha pela permanência do colunista foi justificada no que seria um compromisso com a “liberdade de expressão”. Ao optar por Constantino, a Gazeta deixou de lado o compromisso com a ética jornalística e a função social como meio de comunicação. Como o direito à liberdade de expressão acaba vilipendiado a ponto de justificar a incitação ou legitimação de uma violência?
Todo trabalho que se propõe a ser jornalístico precisa se basear na responsabilidade com o público, a fim de não promover pontos de vista que o coloquem em perigo. A Gazeta do Povo rompe isso ao tratar as afirmações de Constantino como “inoportunas e infelizes”, colaborando com a amplificação do machismo, promovendo um desserviço ao debate social e incentivando a subnotificação de crimes sexuais. O jornal inclusive corrobora as ideias de Constantino ao tratar seus críticos como “milícias virtuais”. Aparentemente o que o veículo chama de “liberdade de expressão” também não aceita contraditório.
O machismo disfarçado de “opinião” de Rodrigo Constantino é tão repugnante quanto ignorante e reflete uma parcela da sociedade que insiste em colocar sob análise o comportamento da vítima diante de situações de violência. Esta parcela da sociedade está presente em cargos públicos, bem como também no comando de veículos de comunicação que deveriam combater, e não promover, a misoginia sob a alegação de uma fictícia proteção da liberdade de expressão que convém apenas a um restrito grupo de homens privilegiados.
Texto de:
Andrelina Braz, estudante de Jornalismo pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
Maryelle de Campos Ponce, estudante de Jornalismo pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).