Porque faço isto a mim mesma?

Ou as lutas inglórias da leitora que não quer ser snob

Luísa Ferreira
Pilha de Livros

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por Luísa Ferreira

Sempre tive um medo tremendo de ser snob, de ter a mania, de ser um daqueles leitores que julgam estar um degrau ou dois acima da “maralha” que se entretém com sagas de vampiros, romances menores e regurgitações cor-de-rosa. Será do meu background de classe remediada de subúrbio? Da minha revolta contra todos os que franzem o nariz à realidade com que cresci, entre autocarros da TST e as experiências que só os suburbanos têm? Com o passar dos anos, apercebi-me de que não era apenas um apego às origens que alguns olham de cima. Na verdade, o que mais me amedronta no snobismo literário é ficar encurralada, limitada, tolhida.

Contudo, nesta minha senda de experimentar tudo, ler de tudo e ser uma leitora escabrosamente livre, tenho dado uns valentes tiros no pé — ou no miolo, se preferirem. Já cometi o erro de ler Paulo Coelho, cedendo à pressão de uma amiga que me deu o sábio conselho de não falar do que não sei ou, como era ouvido na televisão há uns bons anos, “não negue à partida uma ciência que não conhece”. Pois bem, armada da curiosidade que faz o mundo evoluir, dizem, lá peguei eu num livro do autor brasileiro, de mente aberta e cheia de boa vontade, para depressa me arrepender amargamente. Detestei. Gastei horas da minha vida que não me serão devolvidas, nem com todos os recibos dentro do prazo do mundo.

Já se sabe que gostos não se discutem e que certamente estarei a fazer inimigos com esta alusão ao guru do outro lado do Atlântico, mas para mim, foi o que foi, um valente desperdício de tempo e de neurónios. Não quis ser snob, quis provar o “petisco” apesar de me cheirar a ranço e dei um valente tombo. Um tombo que se viria a repetir e que tenho a certeza de que se repetirá vezes sem conta nos anos que me restarem. Porque continuo a recusar ser nariz empinado, a dispensar leituras porque estão na moda, porque me cheiram mal, porque à partida têm tudo para me desagradar ou então porque não são os clássicos ou os livros mais aclamados. Os livros e autores aclamados são um valor seguro, sem dúvida, e leio-os preferencialmente, mas não me privo de ler algo só porque não se encaixa nesta categoria. O que pode ter resultados muito positivos ou verdadeiramente desastrosos.

Outro exemplo destes desastres são os policiais nórdicos. Estão na moda, são mais do que as mães e toda a gente lê e gosta. Só isto devia ter-me posto de sobreaviso, mas a valente democrática não se acanha e atirou-se à moda. Teve resultados positivos e negativos; se por um lado não ser snob me permitiu descobrir autores de que realmente gosto e que me dão um prazer imenso, outros policiais nórdicos deixaram-me um amargo de boca tramado, de tal modo que ainda estremeço quando vejo um livro da Camilla Läckberg, aclamada como a Agatha Christie do frio ou coisa parecida numa edição portuguesa. Mas a lição mais valiosa dos meus desaires escandinavos foi agora ser uma leitora mais precavida, que vai aprendendo a separar o trigo do joio, sobretudo quando falamos de géneros ou temas que estão em voga e que resultam num verdadeiro dilúvio bíblico no mercado livreiro.

Então, porque faço isto a mim mesma? Porque insisto em provar (quase) tudo o que me aparece à frente? Além do grande temor de ser snob, o que pode ser considerado uma atitude extremamente irritante e condescendente, bem sei e concordo, está o temor de ficar a perder por me armar aos cucos no que toca à literatura. Perder momentos de leitura agradáveis com livros que podem nunca vir a ganhar prémios, a ser aplaudidos pela crítica ou a merecer o respeito de quem mos vê ler, mas que me enchem as medidas. Que se danem os “estás a ler essa porcaria?” ou o medo de ser vista a ler qualquer coisa que não gente laureada, aclamada e santificada.

Que se danem os inúmeros tiros no pé, as dores nos olhos de tanto os revirar, os livros deixados a meio, a frustração e até mesmo a indignação. Porque aqui a menina está sempre pronta para a luta, já aprendeu bastante e quer continuar a aprender, e o otimismo na leitura, como na vida, também é necessário.

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Luísa Ferreira
Pilha de Livros

Leitora, tradutora, legendadora e a dar os primeiros passos na escrita sobre livros. Avid reader, translator, subtitler and now modestly writing about books.