COMO BAIXAR, E SALVAR(!), FONTES DO DAFONT.

Plau Type & Design
PlauDesign
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10 min readDec 19, 2017

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Artigo original publicado no blog da Plau

Certeza que você já passou por isso: aquele projetão nas mãos, precisando daquela fonte para que ele fique perfeito.

Entre em cena o DaFont, um site com milhões de fontes gratuitas prontinhas para serem baixadas e usadas sem preocupações. Bom demais pra ser verdade né? Sim!

Como baixar fontes do DaFont

Dá uma olhada nessa imagem, ela foi tirada da primeira fonte que vimos no site. Muitas fontes do DaFont são gratuitas apenas para uso pessoal. Isto quer dizer que dá pra desenhar aquele convite da festa do seu sobrinho, usar no seu blog ou em qualquer projeto que você faça sem cobrar ou sem o objetivo explícito de ganhar dinheiro.

O FAQ do site esclarece bem isso:

Todas as fontes são gratuitas?

As fontes apresentadas neste site são propriedades de seus autores, e são tanto freeware, shareware, versões demo ou de domínio público. A licença mencionada acima do botão de download é apenas uma indicação. Por favor, veja os arquivos readme nos arquivos ZIP ou consulte o site indicado do autor para detalhes, e contate-o em caso de dúvida.

Se nenhum autor/licença está indicado é por que nós não temos informação, isso não significa que é gratuito.

Tá bom Rodrigo, entendi. Mesmo assim vou fazer meu logotipo e o DaFont vai me salvar!

Como salvar fontes do DaFont

Não é o DaFont que vai te salvar, é você que tem que salvar o DaFont. As fontes que você baixa lá muitas vezes carecem dos elementos mais básicos que uma fonte profissional precisa:

  • Acentos
  • Kerning
  • Numerais, símbolos e afins

Mas calma, pra tudo tem salvação. O que você precisa fazer é aprender a enxergar os problemas tipográficos e e resolvê-los um a um. Como fazer é melhor do que falar, vamos criar um projeto fictício para mostrar como nós salvaríamos um projeto usando somente fontes encontradas no DaFont.

O briefing: criar um logotipo para uma empresa cujo arquétipo é o mago.

Chegamos a esse briefing usando nosso método Identitype®: sortear um dos ArquéTipos e sortear um para o novo negócio que iremos criar.

Fugindo da roleta russa tipográfica

O primeiro passo é compreender o briefing e dar um nome para o nosso negócio. Estudamos o arquétipo sorteado para então escolhemos uma indústria e o produto que gostaríamos de vender.

Os pontos principais que pescamos na nossa pesquisa pelo arquétipo do mago foram:

  • Alto carisma e poder de influência
  • Catalisador de mudanças
  • Proporciona experiências transformadoras
  • Concretiza sonhos

Com essas características em mãos imaginamos que uma empresa voltada para tecnologia, inovação e criatividade se adequaria bem a esse papel e assim nasceu a ideia da AirBrush, um mercado online que vende material artístico de realidade virtual. A ideia surgiu a partir de um vídeo em que artistas da Disney desenham personagens em seus tamanhos reias em realidade virtual, sem precisar de uma tela.

https://player.vimeo.com/video/138790270

https://vimeo.com/138790270

Assumindo que conhecemos bem os clientes (nós que o inventamos!), nossas intenções e o público (artistas e ilustradores inovadores), podemos definir a lista de critérios para selecionarmos fontes candidatas para o logotipo, sempre lembrando do que queremos passar: tecnologia, criatividade e aquele toque especial de magia. Nossos critérios ficaram assim:

  • Fontes que lembram caligrafia, que remetam ao movimento livre de um pincel
  • Fontes de suporte que façam um bom pareamento com a fonte de caligrafia escolhida
  • Não ser uma fonte pirata ou copiada de outra fonte de varejo.

O elemento surpresa pode até aparecer, mas na pior das hipóteses já vamos para etapa de busca com uma boa noção do que queremos encontrar.

Um dica para te ajudar a desmascarar fontes piratas é usar um buscador de fonte como o https://www.fontsquirrel.com/matcherator ou https://www.myfonts.com/WhatTheFont/ .

Esses sites analisam uma imagem de uma fonte e sugerem fontes que possam ter sido utilizadas na imagem que você enviou.

DaFont: droga de entrada para um mundo tipográfico sem volta

O DaFont é a droga de entrada no mundo das fontes. Quanto mais você aprender, mais vai saber separar o que serve, o que não serve e o que é simplesmente crime. Aos poucos você vai começar a enxergar problemas de espacejamento em todo lugar, ficar mais criterioso com as fontes que você usa e se encantar por uma curva bem desenhada.

Quando isso acontecer, sinto muito, mas você já virou um tipomaníaco. Bem vindo ao nosso mundo 😉 E adeus DaFont!

A primeira coisa que muitas pessoas fazem ao abrir o DaFont é escrever algo relacionado ao que querem passar com a fonte no campo de busca do site. Pesquisamos a palavra ‘airbrush’ para ver no que ia dar. O resultado é óbvio e clichê, não passa a mensagem que queremos para nossa marca. Essa é uma abordagem simplória demais para a escolha de fontes.

A lição aqui é não achar que só porque a fonte tem o nome da marca ela é apropriada para o trabalho! O nome é só um chamariz, uma forma de diferenciar uma fonte dentre tantas outras. Para achar a fonte perfeita é preciso aprofundar a busca partindo de critérios mais bem pensados.

Analisando nossas escolhas

Usando alguns termos que remetiam à nossa intenção — script, connected script entre outros, encontramos três fontes que consideramos boas candidatas para o AirBrush, são elas: Mattilda, Shaded Larched e Harbell.

As três são fontes script: simulam o movimento de algum tipo de caneta e cada letra se conecta a anterior e a posterior. Todas apresentam uma boa dose de contraste entre seus traços mais finos e os mais grossos e estão inclinadas para a direita, o que sugere velocidade e dinâmica.

Pela massa de texto já podemos ver que a fonte Mattilda nos dará mais trabalho que as outras duas.

  1. Espacejamento e kerning:

Há algo muito estranho com o espaçamento da fonte Mattilda, precisamos ajustar o espacejamento — os espaços entre as letras. Além disso, certos pares de letra ficam super estranhos quando dispostos um ao lado do outro. Isso significa que o kerning da fonte também não foi bem resolvido por quem a desenhou. Os programas da Adobe disponibilizam três opções de kerning: Auto Metrics, Optical e Metrics Roman Only.

  • Auto (Metrics): Este é o padrão no Illustrator, que trabalha com o kerning incorporado a fonte, criado pelo type designer quando ele a desenhou.
  • Optical: O kerning óptico é uma inteligência próprio da Adobe para determinar o espaço entre elas. Essa opção de kerning não é recomendada e funciona melhor quando se combina duas fontes diferentes em uma mesma palavra por exemplo, ou quando a fonte tem pouco ou nenhum kerning incorporado a ela, porque o próprio programa calcula qual deveria ser o kerning entre as letras.
  • Metrics — Roman Only: Quando este kerning é aplicado a fontes com glifos romanos o efeito é o mesmo do Auto Metrics: é utilizado a kerning programado na fonte. Essa opção de kerning foi criada pensado em fontes CJK — Chinese, Japanese and Korean que também contém glifos romanos, dessa forma o kerning é adicionado apenas a eles e não ao glifos CJK.

IMPORTANTE:

Para títulos e lettering, recomendamos o Kerning Manual — em que você mesmo ajusta o espaço entre as letras para um resultado harmonioso. Dá um trabalhão no começo, mas com prática e experiência acaba se tornando parte do seu fluxo de trabalho.

  1. Acentos:

Algumas fontes do DaFont não possuem acentuação. Neste caso, para a fonte Mattilda, o Illustrator substituiu as letras **com acento por outra fonte que os possui e o resultado foi muito confuso.

2. Numerais, símbolos e afins:
Como é possível ver em dois dos exemplos que escolhemos, algumas fontes do DaFont não possuem numerais. Isso pode acontecer porque a versão da fonte disponível no DaFont é grátis somente para teste, e o conjunto completos de caracteres é liberado só se você comprar a licença para uso comercial da fonte. Em outros casos ela simplesmente não têm esses caracteres, eles não foram desenhados.

Além disso, na fonte Mattilda ainda é possível ver um erro de desenho no ‘af’ da palavra ‘afins’, que aparece como se as formas estivessem abertas (por isso o resultado fica branco no meio com um fio preto em volta). Não precisamos nem dizer que pode dar um problemão na hora de imprimir!

Escolhendo a fonte

Agora que selecionamos algumas possibilidades e analisamos os atributos básicos que uma fonte deve conter, vamos de fato escolher com qual fonte seguir para o nosso logotipo. Dentre as nossas três opções as fontes Harbell e Shaded Larched apresentam melhores desenhos de curvas, transições suaves e coerência entre os desenhos das letras.

Já a fonte Mattilda apresenta muitos pontos extras que causam problemas de curva, transições duras que tiram a suavidade e naturalidade das letras e problemas de contraste, além de um “A” maiúsculo que destoa completamente do restante das letras. Porém, ela tem uma fluidez de escrita rápida de pincel que representa bem a dinâmica do desenho em 3D que vimos no filme. As outras duas fontes acabam sendo “certinhas” demais. A gente adora um desafio, por isso escolhemos seguir em frente com a fonte Mattilda e dar uma verdadeira surra de vetor para chegar no logotipo final. Pra começar, vamos ver tudo que está errado com a Mattilda em sua forma padrão:

Analisando a Mattilda:

  1. Baixo contraste, espessura maior do que das outras letras e pouco espaço em branco para a contra-forma.
  2. Inconsistência de angulação
  3. Pontos extras que causam muito ruído
  4. Muito abaixo da linha de base
  5. Muito acima da altura-de-x
  6. Terminação sem brilho

O processo

Agora que encontramos os principais problemas, precisamos entender como resolvê-los. Para isso vamos fazer alguns rascunhos com uma caneta pincel. A partir dos desenhos conseguimos analisar melhor em que momento os traços ficam mais grossos ou mais finos e os pontos que precisavam de mais atenção.

Utilizamos a fonte como background, fomos desenhando por cima, sempre lembrando de colocar os pontos nos extremos (para saber mais sobre desenho tipográfico vetorial https://www.slideshare.net/rodrigosaiani)

No meio do redesenho: colocando os pontos em seus devidos lugares. Nos extremos, claro!
Resultado Final

Cada letra foi construída considerando as características principais da fonte original: espacejamento, largura das hastes, contraste, linha de base, altura-de-x e inclinação.

As duas capitulares — letras A e B — deram bastante trabalho pois as criamos praticamente do zero a partir do estilo das minúsculas, aumentando suas alturas, ajustando a inclinação e o contraste . O rtambém precisou de bastante atenção pois o seu tamanho — altura e largura — estava desproporcional as outras minúsculas e ele não estava bem posicionado entre as linhas de base e a altura de x. Suavizamos todas as curvas sem deixar nenhum ponto extra que causasse ruídos e melhoramos as terminações do r e h para ficarem **mais fluidas.

Análise do resultado final:

  1. Redesenho completo do A maiúsculo: ajuste no contraste e mais espaço em branco para a contra forma
  2. Todas as letras possuem a mesma angulação
  3. Curvas suaves sem ruídos
  4. Todas as letras apoiadas na linha de base
  5. Nenhuma letra ultrapassa drasticamente a altura-de-x
  6. Terminação de acordo com o movimento do pincel

Como escolhemos um desafio e tanto, chegar ao resultado final nos tomou bastante tempo. Mas valeu a pena, porque o resultado é muito melhor do que nosso ponto de partida!

Resumindo:

  • Nem todas as fontes gratuitas do DaFont são gratuitas de verdade. Pesquise e se informe antes de escolher a fonte para seu projeto.
  • DaFont é um lugar onde milhões de pessoas buscam, por isso pode ser que seu projeto não saia tão diferente do que se vê por aí.
  • Se ele for sua última opção, pesquise e aprenda tudo que puder sobre tipografia para evitar a roleta russa tipográfica.
  • Aprenda a manipular as curvas das letras para que ela fale o que você quer!

Tenha certeza que o vício no DaFont é transitório, logo você vai busca drogas, quer dizer, fontes mais pesadas e buscar outros lugares incríveis para conhecer e se apaixonar por fontes novas.

Este artigo foi escrito e desenhado por Ana Laura Ferraz e Rodrigo Saiani, da Plau.

Rodrigo Saiani é fundador da Plau e type designer. Suas fontes podem ser vistas em canais de televisão, plataformas de games, livros e sites pelo mundo.

Ana Laura Ferraz é engenheira, estudante de design na Miami Ad School e designer na Plau. Ama tipografia mas ainda sofre colocando os pontos nos extremos.

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