Há algo aquém da extrema-direita/esquerda?

Rodrigo Borges
Plenarium Digital

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A polarização do jogo político é uma realidade difícil de se superar. A máxima da atração dos pólos opostos se aplica também ao debate político, na medida em que um se alimenta do outro para se manter vivo e relevante. Caricaturalmente, a esquerda ocupa a posição da virtude, da preocupação com os oprimidos e esperança da construção de um futuro melhor; enquanto a direita parece ter uma cara mais egoísta, preocupa-se com a manutenção das estruturas, a liberdade individual e o reconhecimento dos méritos pessoais. É claro que as definições de ambos podem ser bem mais complexas ou superficiais, a depender de quem conceitua. Mas com essas descrições já podemos criar um cenário bastante propício à confusão. O próprio Andrew Sullivan se perguntou, pagando o preço da ponderação e sendo atacado de ambos os lados, se não há mais espaço para o debate.

Ao prestar mais atenção aos confrontos entre as duas faces da política mundial, percebe-se que a descaracterização (ou caracterização conveniente) é uma das estratégias mais aplicadas. Destacam-se algumas análises feitas nesta semana para chamar atenção para a conceituação das direta e esquerda, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. Todas são de escritores desconfortáveis com o posicionamento do que consideram integrantes dos extremos. A socióloga Camila Carolina H. Galetti e o jornalista David Roberts possuem posições um tanto complementares contra a extrema-direita, ainda que Roberts seja mais enfático em sua análise, especificamente na defesa da supressão do que considera discursos pró-Trump. Segundo ele, o caso do senador Tom Cotton, que publicou um artigo de opinião agressivo no New York Times em defesa da utilização das forças armadas para supressão de manifestações pelos Estados Unidos, é um exemplo para que opiniões favoráveis às políticas de Trump sejam banidas dos op-eds (artigos de opinião) do jornal. De acordo com a análise de Roberts, é impossível, com base na razão, defender as atitudes do presidente norte-americano. Ele diz isso, inclusive, por desconhecer defensor que seja capaz de articular argumentos lógicos a favor de Trump. O jornalista resgatou um artigo que escreveu dois anos atrás para articular sua defesa no podcast On the Media, da WNYC Studios, que parafraseou sua posição da seguinte forma:

A força animadora por trás da política conservadora neste país, ele escreveu, é o Trumpismo. Portanto, convidar escritores conservadores que realmente articularam as visões de Trump aos leitores significaria convidar uma tensão de autoritarismo e avesso de liberalismo que nunca seria realmente bem-vinda em suas páginas de opinião. Em vez disso, eles convidam conservadores relativamente palatáveis que fazem argumentos irrelevantes sobre política. É um jogo de perdedores.

Neste caso, Roberts está citando figuras como Bari Weiss, cuja visão considera irrelevante. Já Galetti realiza uma análise da situação nacional a partir do que considera uma direita enraivecida, fazendo o que denomina “provocação” ainda no título. Cita o acampamento de 300 pessoas que apoiam Bolsonaro — mas foi rapidamente desmobilizado pela polícia — como um indício de que a “extrema-direita” se sente confortável em disseminar discursos de ódio. Vale se questionar se uma manifestação de 300 pessoas é um número relevante para pautar qualquer análise. Soa como se a petição para a Demolição da Torre De Belem e Monumento aos Descobrimentos, assinada por 102 pessoas, tivesse alguma representatividade frente ao revisionismo histórico no qual estamos cada vez mais imersos. Mas não é surpresa encontrar posts de Facebook utilizando esse tipo de petição como um exemplo da decadência moral na qual estamos inseridos.

Tudo parece ser motivo de divisão. Com exemplos de 300 aqui e 102 lá, grupos são incentivados a se dividir. Do lado da direita, a publicação National Review também faz seu trabalho ao descreditar a organização Black Lives Matter (BLM), tida como uma organização anti-policiais. Resgatam trechos de um estudo de marketing realizado em 2016 no qual se defende que o BLM é um dos últimos bastiões da esquerda para supressão da liberdade de expressão e fomento do caso social.

Certamente, a supressão do debate (de ambas as partes) não é o melhor caminho para um entendimento mútuo e evolução social. E, mais uma vez, a mudança dessa realidade polarizada passa pelos atos de cada um de nós: a disposição para ouvir o lado contrário, entendê-lo e contra-argumentar com o respeito que todo ser humano merece. Pessoas instruídas, educadas, experientes e profissionais têm dificuldade de tomar posturas mais serenas e, realmente, não é fácil. Quando estamos dentro do jogo político, a briga fica feia. Mas esperar que o outro mude nunca é a melhor solução. Então, tente exercer sua capacidade de acessar seu adversário político. Talvez você perceba que o que há de extremo no debate político começa em você mesmo.

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