13 reasons why e as violências de ser mulher: fita 7, a comunidade escolar, o mundo adulto e a maneira que criamos nossos filhos

Carol Patrocinio
Polemiquinhas com a Carol Patrocinio
8 min readApr 27, 2017
Quando os problemas “de adulto” são mais valorizados do que dos adolescentes não há maneiras de proteger os jovens

Esse é o último texto da série sobre os temas abordados em 13 reasons why. Poderia não ser, já que cada tema tem desdobramentos em diversas áreas, mas esses temas vou tratando depois, em textos independentes. Para ler o que veio antes, esses são os links: fitas 1 e 2, fitas 3 e 4 e fitas 5 e 6.

Chegamos no momento em que o mundo adulto se aproxima o máximo possível do mundo adolescente. Para ler esse texto é preciso que você, adulto, pare uns minutinhos para lembrar como era ser adolescente, e que você, adolescente ou jovem adulto, pare uns minutinhos para aceitar que todas as dúvidas e inseguranças que você tem vão te acompanhar para o mundo adulto.

A conclusão aqui é que somos e estamos todos quebrados em diversos pedaços e tentando cola-los de uma maneira que fique apresentável — nem queremos mais que seja bonita, queremos apenas conseguir sair de cada pela manhã. Não importa a idade: o mundo nos engole, mastiga e a vida acontece enquanto giramos dentro de sua boca.

Fita 7 — Lado A: Você pediu ajuda e foi culpabilizada

Nem todo adulto entende o peso das palavras. Nem todo adulto se esforça para lembrar como foi difícil ser adolescente. Nem todo adulto passou por certas coisas na adolescência, apesar dela não ser fácil pra ninguém — e aqui a generalização não é exagero. Porém, todo adolescente espera encontrar ali o acolhimento necessário para seguir em frente quando a coisa fica realmente feia.

Quando Hannah vai pedir ajuda ao conselheiro da escola ela já estava decidida ao suicídio. Ele é a última fita, o último grito de socorro. O adulto que talvez tenha as respostas, que talvez faça tudo desaparecer. A única pessoa que parece ter tudo resolvido. Bem, isso não existe.

Talvez nada que ele dissesse salvasse a vida de Hannah. E o motivo é simples: ela já não estava mais ali. Porém ele tinha que ter pelo menos tentado. E adultos tentam muito menos do que deveriam. O motivo é simples: adultos não valorizam os problema dos adolescentes.

Problema de verdade é boleto que vai vencer, aluguel pra pagar, roupa suja acumulando no canto do banheiro, filhos bebês que acordam de madrugada, o relacionamento amoroso desgastado e nada disso parece ter uma saída…

Quando você é adolescente nem imagina que tudo aquilo que você está sentindo pode passar. O agora parece eterno e nada parece te tirar dali. É aí que os mundos deveriam se encontrar: ninguém consegue enxergar que existe vida depois da dor.

A gente se dedica ao outro até certo limite. Desde que a gente não tenha que deixar nossas coisas de lado, desde que seja no tempo livre, desde que seja online — assim você pode seguir cumprindo suas obrigações enquanto ajuda o outro -, desde que a gente não precise levantar da nossa cadeira, sair da nossa sala e dizer: Hannah, volta, senta aqui mais um minutinho.

E, às vezes, tanto adultos quanto adolescentes querem somente isso: que você estique um pouquinho mais o braço para que seja realmente possível alcançar sua mão.

A culpabilização foi a pá de cal em tudo. Adultos não são bons em escutar adolescentes, mesmo aqueles que são ótimos para escutar outros adultos. Se fosse a esposa do conselheiro ele teria ouvido e entendido? Talvez. Ele quis culpar Hannah? Não. Ele só não sabia como lidar com aquele assunto.

Sabe qual o maior problema aí? Não importa o que a gente gostaria ou não de fazer. Nossas palavras são poderosas demais.

A comunidade escolar

A escola é uma imitação da sociedade. Existem hierarquias, existem os que têm o poder e os que tentam sobreviver a mais um dia — entre equipe, alunos e famílias também. E ela ainda está inserida na sociedade, os adolescentes, todos eles, já vivem em uma cultura suicida, violenta e opressora. Mas a comunidade escolar consegue enxergar isso?

Quando um problema grave acontece na escola, quais são os primeiros passos? O primeiro deles é a escola entender como aquilo poderia atingi-la legalmente falando. Não deveria ser. Deveria ser o acolhimento de vítimas e agressores.

Sim, agressores precisam ser acolhidos. Sabe por que? Porque eles são crianças e adolescentes. Eles estão em formação e ainda podem ser “salvos”, ainda podem conseguir enxergar outras saídas. Mas nada disso acontece.

Os pais dos outros alunos também tomam lados: alguns querem proteger a escola (que precisa estar ali para tantas crianças), outros querem proteger os próprios filhos (que não têm nada a ver com aquilo). São poucos os que querem entender, de verdade, o que aconteceu, o que levou aquelas pessoas até aquele ponto de conflito, violência ou agressão e olhar para o todo como parte do problema e da solução.

Não importa o tamanho da escola: há mais trabalho do que as pessoas dão conta. E se o trabalho burocrático toma tanto tempo, como é possível olhar para as vidas que estão ali, se formando e transformando, a todo momento?

Pensando em 13 reasons why, Clay é um garoto neuroatípico. A escola deveria saber que ele sofreu bullying, que sua sexualidade foi o motivo disso e que ele, entre pesadelos e “visões”, precisou ser medicado. A escola precisaria ter sido informada para que pudesse ter um tratamento adequado a ele, às suas necessidades. Na série não sabemos se os pais não informaram ou se a escola simplesmente ignorou aquilo tudo, só conseguimos ver e sentir que aquele garoto poderia ter sido o próximo a recorrer ao suicídio por não dar conta de lidar com tudo que as fitas representavam. A ideia de que a dor faz amadurecer é a que mais me incomoda em todo o enredo.

Hannah nem imaginava que ele estivesse passando por diversas coisas e por isso talvez não conseguisse enxergar o que ela estava sentindo. Adolescentes não querem parecer ridículos e, por isso, perdem a chance de se conectar com pessoas que passam pelas mesmas dores.

O papel do adulto, aqui, seria usar sua sensibilidade para notar quando as coisas não vão bem. Se você convive com uma pessoa por, pelo menos, 40 minutos por semana (que é o tempo médio de uma aula), você deveria conseguir olhar essa pessoa nos olhos e ver que tem algo errado ali, não? Na prática, em 40 minutos você não consegue fazer quase nada, muito menos olhar no rosto dos alunos.

Além disso, quantos são os professores que acreditam estar moldando vidas e não apenas conseguindo dinheiro para seguir em frente com a sua própria?

Meus filhos, que estudam em escola pública, tiveram momentos de sorte e de azar. Professores que acolhem e os que não se importam. Um deles, inclusive, ouvir o seguinte discurso: vocês não vão conseguir ser médicos, por exemplo, deviam escolher algo mais fácil.

Adultos, dentro e fora da educação, chega de matar os sonhos dos adolescentes como mataram os seus. Uma sociedade de pessoas ocas não tem como dar certo.

A maneira que criamos nossos filhos

Preparar pessoas para o mundo não é tarefa fácil. É assustador pensar que qualquer erro seu pode se tornar erro daquela outra pessoa alguns passos a frente. O medo é tanto que a gente esquece que os acertos são mais fáceis do que parecem.

Nos dividimos, de acordo com os que apontam dedos, entre superprotetores, ausentes e iludidos. Prendemos demais, soltamos demais e deixamos de enxergar quem nossos filhos são de verdade. Fechamos vias de comunicação, falamos sobre assuntos que não deveríamos ou não falamos sobre nada importante. Nunca estamos certos.

O ponto é: se todos os adultos são quebrados, se todos estamos tentando passar por mais um dia, como ter certeza do que é certo? Como saber que aquele é o equilíbrio que tanto buscamos? Como fazer que um adolescente, com todos seus próprios problemas, nos veja como pessoas iguais a eles?

Nós, pais, não sabemos bem quando segurar, quando soltar, quando respeitar o espaço e quando devemos ser os pais que vigiam cada passo. Não há um manual, não há regras. Mas uma coisa que muitos de nós fazem e não deveríamos é minimizar os problemas, dores e angústias dos nossos filhos.

Na prática, aprendi que me mostrar vulnerável fortalece laços. Foi ali, deixando claro que eu aprendo a ser mãe enquanto eles aprendem a ser filhos, que as coisas começaram a se encaixar, que eles entenderam que eu também não estou segura, que sou quebrada e estou tentando fazer o melhor, assim como eles.

Mostrar essa vulnerabilidade não é fácil, mas o único caminho que me parece possível é me mostrar humana. Assumir que fico cansada, que tenho medo, que me sinto insegura, que parece que os problemas nunca vão passar. E mostrar que o cansaço passa, que a gente renova as energias e a esperança, que a segurança aparece quando a gente olha com sinceridade pra nós e que os problemas passam, não importa quando tempo eles durem.

A série 13 reasons why pode ser uma porta de entrada para fortalecer esses laços. Pode ser o momento em que você conta para seus filhos como a adolescência foi difícil, como você lidou com aquilo. Mas lembre-se: você não está falando de um lugar superior, você não é o detentor das respostas ou um oráculo, você é só mais uma pessoa quebrada que conseguiu sobreviver a um dia depois do outro. Nem todo adulto entende o peso das palavras. Você pode ser diferente.

Aqui em casa nós temos assistido a série juntos. Eu enfrento meus gatilhos para que meus filhos não tenham gatilhos ou tabus. Eu choro, deixo os sentimentos fluírem da mesma maneira que faria se estivesse sozinha. E ao fim nós conversamos. Nós tentamos entender como as coisas chegam àquele ponto, como nós podemos agir diferente. NÓS. E com isso a gente fala sobre a escola, sobre o dia a dia, sobre medos, sobre estar paralisado sem saber o que fazer, sobre pedir ajuda… A gente fala e só de não deixar as coisas guardadas dentro de cada um, acumulando até explodir, já é um avanço.

Além disso, não importa a criação em que você acredita, diga aos seus filhos que eles são importantes, que conseguem coisas incríveis quando se esforçam por elas, que têm uma força que nem eles mesmos conhecem e que o mundo é um lugar melhor com eles aqui. Quando o mundo “lá fora” está horrível muda tudo a gente ter um lugar acolhedor para voltar. Seja o chocolate quente com os amigos ou a família que vai parar tudo para ouvir o que eles têm a dizer. Seja o lugar seguro dos seus filhos e abra as portas para quem não tem esse lugar em casa.

[Esse é o último texto de uma série sobre os temas abordados em “13 reasons why” — todos os textos estão aqui]

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