Mas designer não é quem desenha?

Mateus Coutinho
Pretux
Published in
5 min readAug 18, 2021

Quando eu comecei a minha carreira, esse era exatamente o meu pensamento.

Eu comentei, rapidamente, no meu texto anterior que a ilustração foi o principal motor que me levou a fazer um curso superior em design gráfico. O que eu não contei foi que eu entrei ainda com uma grande ambição: me transformar em um ilustrador na Blizzard (ou algo do tipo).

Meu Deus, como a gente muda.

Não só o meu amor por essa empresa de jogos despencou dramaticamente ao longo dos anos, mas a minha desilusão com a rotina de um ilustrador profissional aconteceu já antes de eu me formar. Quando caiu a ficha de que eu teria que passar anos (talvez décadas) praticando pintura digital — técnica que eu não tinha qualquer domínio — e passar a maior parte do meu dia encarando um papel ou uma tela, eu percebi que esse grande sonho era uma projeção muito distante do que eu estava disposto a fazer.

Ironicamente, a minha rotina não escapou do destino de passar a maior parte do meu dia olhando para a tela do computador, mas as atividades que eu faço nele são essencialmente muito diferentes do que faz um ilustrador. Apesar de eu até ter um Instagram voltado para isso e ter comercializado produtos com as minhas artes, não é bem com isso que eu trabalho hoje.

E como meus textos não necessariamente são voltados para profissionais da mesma área que eu, permita-me já fazer a distinção que costuma causar confusão para os leigos: designer é o profissional (a pessoa) que trabalha com o design (a atividade).

Tá, mas então o que faz um designer?

Apesar de ser comum associar o termo a “desenho”, uma conceituação mais apropriada seria a de um “projetista”.

A principal atividade de um designer gráfico é, de fato, lidar com a composição visual, mas existem outros aspectos envolvidos. Por exemplo, quando esse profissional precisa encaminhar algo para ser impresso em uma gráfica, é necessário configurar o documento para um determinado formato e conhecer os tipos de papel, opções de laminação, formatos de encadernação e várias outras coisas para garantir que o produto impresso saia como ele foi concebido. Em publicações de larga escala, é comum ainda que se faça o chamado “boneco”, um protótipo que permite visualizar uma aproximação de como o material final deve ficar, permitindo fazer os ajustes necessários antes de iniciar a produção definitiva.

Nesse caso, é necessário não só entender de linguagem visual para fazer as criações, mas também ter conhecimentos técnicos referentes a cada etapa do processo de produção de um produto gráfico, como os aspectos físicos da mídia utilizada que, nesse exemplo, é o papel. Em publicações digitais, existem outras especificidades — como extensão, compressão e perfis de cores — que também devem ser levadas em consideração.

Esse percurso de entender, decidir, testar e avaliar é parte intrínseca do processo de se projetar em design.

Com isso, já dá para perceber que eu talvez tenha entrado na graduação pelas premissas erradas. Mas até aí, tudo bem. Além de ter ficado encantado pela matéria de semiótica (área que estuda a forma como os seres humanos interpretam e atribuem significados às coisas), ter contato com essas premissas do design me empolgou e expandiu minhas possibilidades de atuação para além da criação visual.

O Product Design

Antes de continuarmos, precisarei fazer outra distinção conceitual, pois o termo “design de produto” pode ter diferentes abordagens. Uma se refere ao que antes era mais comumente chamado de “desenho industrial”, que engloba projetar mercadorias físicas e suas características materiais, como os insumos e formatos de objetos, embalagens, componentes/peças, etc. Já outra concepção — que é a que eu vou abordar a seguir — se refere a produtos digitais, e se encarrega de projetar aspectos de itens como aplicativo/softwares, propondo medidas para sua concepção e proposta, interface e usabilidade ou até modelo de monetização, por exemplo. E, para se referir a esse sentido, notei que é comum que se use bastante o termo em inglês.

Nos últimos anos eu venho estudando outras áreas que envolvem comunicação e interação, e recentemente eu ganhei uma bolsa para um curso da Mergo sobre Product Design concedida pela PretUX, uma comunidade para profissionais e estudantes negros da área de UX Design — e se você abriu o meu Instagram de ilustração que eu linkei lá no começo do texto, deve conseguir imaginar que sou entusiasta de iniciativas que promovem a integração e representatividade de pessoas negras.

UX” é uma abreviação de “user experience” (experiência do usuário), e é uma área do design que se volta a projetar formas de interação entre uma pessoa e um produto — sobretudo — digital. E se você está prestando atenção, notou que eu já usei dois termos aqui nessa seção: UX Design e Product Design. Eu não vou entrar aqui no mérito da divisão dessas duas nomenclaturas, então por ora considere que são os campos responsáveis em projetar características desses produtos digitais.

E quando entramos nessa área, algumas coisas realmente ficam bastante abstratas. Mas eu vou dar um exemplo para ilustrar.

Um dos aspectos citados nesse curso que eu fiz foram modelos de monetização. Já reparou que alguns aplicativos permitem que você os utilize de graça por um tempo indeterminado mas cobram por determinadas funções, enquanto outros têm tudo liberado por um período de tempo mas depois você não consegue usar mais nada enquanto não efetuar um pagamento? Esses são, respectivamente, os modelos Freemium (Free — grátis — mas com recursos “Premium”) e Free Trial (teste gratuito), e não se trata de um ser menos ganancioso que o outro — ambos são estrategicamente elaborados para gerar os melhores resultados comerciais para a proposta daquele produto. Até mesmo a opção de se será necessário ou não colocar o cartão de crédito antes de iniciar a avaliação gratuita é uma escolha muito bem pensada.

Esse tipo de decisão tática também faz parte do design.

É claro que questões como essas também envolvem outros responsáveis financeiros do projeto e impactam em outros setores como o do marketing, mas o designer também está presente na elaboração dessas estratégias — e essa é a frente que mais tem me enchido os olhos e que em breve estarei por aqui falando um pouco mais a respeito.

--

--

Mateus Coutinho
Pretux
Writer for

Designer, e outras coisas. ✊🏾🏳️‍🌈