Obra de Robert Montgomery

Como o Design ajuda a antecipar os Futuros — criados por nós.

Ariel Cardeal
Professional Time Traveler
13 min readSep 18, 2018

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TL;DR: O mundo está mudando rapidamente. Diversas tecnologias são responsáveis por estas mudanças, comprimindo acontecimentos em um curto espaço de tempo. Para lidar com a “destruição criativa” é preciso criar o futuro, a partir da aliança de várias metodologias de pesquisa e design.

Dia desses fui assistir uma série de apresentações no formato Pecha Kucha na Questto Nó aqui em São Paulo, e tive um insight sobre a velocidade das mudanças que estamos vivendo no mundo. Primeiro, Pecha Kucha é um formato de apresentação rápido e informal no qual o apresentador apresenta um deck de 20 slides, com 20 segundos pra cada slide, dando uma apresentação de 6 minutos e 40 segundos no total. É o equivalente aos Stories do Instagram, adaptado ao formato de apresentação. A Questtonó é um estúdio de design com mais de 25 anos de estrada, que recém inaugurou seu novo espaço num galpão ali na Pompéia, onde fazem eventos abertos ao público como esse Pecha Kucha.

O que você consegue fazer em 20 segundos?

Por conta do formato, que já se propõe a ser mais informal, fica engraçado ver as pessoas que apresentam correndo pra falar tudo o que tinham pra falar em cada slide, porque 20 segundos passa muito rápido. Quando a pessoa que está apresentando consegue engrenar na ideia de um tópico da narrativa de 20 slides, o tempo já passou e é hora de ir pro próximo tópico. A analogia que me ocorreu é de que estamos correndo pra entender as mudanças que estão acontecendo no mundo, em consequência dos avanços científicos e tecnológicos, como se estivéssemos numa grande apresentação de Pecha Kucha. Quando entendemos algo, já é hora de ir pro próximo tópico novo a ser explorado, e isso está nos deixando mais ansiosos.

Fonte: “The Pace of Technology Adoption is Speeding Up

Um exemplo bem prático: hoje um iPhone 5 de 32gb pode ser encontrado por apenas 200 reais. De Dezembro de 2012 — quando foi lançado e custava em média R$2.700— pra Setembro de 2018 esse modelo do iPhone se desvalorizou mais de 90% do preço original. Ou seja, em 5 anos um smartphone top de linha foi soterrado por tecnologias mais avançadas que surgiram depois. Agora mesmo a Apple lançou um iPhone com 512 gb de memória. É a Lei de Moore (uma constante de que a capacidade de processamento dos computadores dobra a cada 18 meses, em escala exponencial) se fazendo prevalecer, acelerando o ritmo de mudança e o mundo se revelando cada vez mais complexo.

Explicando a Lei de Moore de forma prática.

Uma nota sobre “Tecnologia”: “Se funciona, está obsoleto.

Primeiro, vamos acabar com o equívoco de que tecnologia é algo limitado a artefatos físicos como Fuelbands, iPhones e Teslas. Não se trata apenas das coisas que nos monitoram, fazem barulhinhos e perdem sinal. Para entender tecnologia, você precisa dar alguns passos para trás. Tecnologia é tudo o que nós criamos. Tecnologia é como nós resolvemos problemas enquanto espécie. Vacinas solucionaram a varíola, escovas de dentes resolveram as cáries, a televisão deu uma solução para o tédio. É o empenho em resolver criativamente os problemas sociais. A acumulação de tudo que nós já construímos. Projetar e utilizar tecnologia parece estar no cerne do que significa ser humano. Ela parece amplificar nosso desejo de controlar a natureza. Com a tecnologia, nós literalmente mudamos nossa realidade. — Definição de Tecnologia por Michell Zappa, fundador da Envisioning, empresa que pesquisa tecnologias emergentes.

Não só a obsolescência tecnológica se torna uma constante, mas a obsolescência de visões de mundo, de práticas estabelecidas anos a fio para lidar com outros tipos de cenário que já não nos servem mais. Pense na internet, que mudou e continua mudando nossa realidade, pra falar apenas de uma das grandes tecnologias inventadas no século XX. Não é de hoje que a inserção de novas tecnologias afetam as relações sociais, econômicas e políticas.

Quando os missionários deram machados de aço aos nativos australianos, sua cultura — baseada no machado de pedra — entrou em colapso. O machado não apenas era raro como sempre fora um símbolo de classe (status), de importância viril. Os missionários providenciaram uma grande quantidade de afiados machados e o entregaram às mulheres e às crianças. Os homens tinham mesmo de pedi-los emprestados às mulheres, o que causou a ruína da dignidade dos machos. — Marshall McLuhan, Understanding Media, 1967

Assim como os machados dos colonizadores britânicos provocaram mudanças no tecido social dos nativos australianos; o microondas foi uma tecnologia que provocou mudanças culturais nos hábitos alimentares no Ocidente na segunda metade do século passado; e veículos autônomos como caminhões poderão causar impactos não somente na vida dos caminhoneiros, mas na vida de quem trabalha em restaurantes e hotéis de beira de estrada afetando todo um ecossistema, por exemplo. E se tecnologias mudam hábitos culturais, então quanto mais tecnologias forem criadas e postas em contato com as pessoas, mais hábitos poderão mudar, talvez inclusive com mais frequência.

Tecnologias são criações humanas, produto da aplicação do conhecimento científico e do legado tecnológico anterior. Dependendo do uso que nós humanos damos para elas, podem ser consideradas inovações. É sobre a criação e adoção destas inovações que este texto realmente se trata, porque é da velocidade dessa alternância entre criação e adoção que as coisas se tornam obsoletas. O ponto de partida para a criação de inovações é a visão futura proporcionada por o que aquele ideia pode proporcionar aos seus usuários.

Pega essa visão

Criar e acreditar em narrativas é uma característica inerente à nossa espécie, como já foi mencionado algumas vezes pelo filósofo pop do momento Yuval Noah Harari. Criamos narrativas para perpetuar conhecimentos adquiridos culturalmente, começamos talvez há centenas de milhares de anos contando histórias ao redor da fogueira; hoje elas nos fazem correr atrás de seres invisíveis que só podem ser vistos usando nossos celulares. Por meio de narrativas criamos visões de futuro, usando tecnologias como insumo e a habilidade unicamente humana da imaginação para conectar padrões que façam sentido.

Cone do Futuro de Voros, adaptado.

No que hoje chamam "Estudos do Futuro" é comum se deparar com um diagrama chamado “Cone do Futuro”, que faz analogia ao cone de luz projetado por uma lanterna. O diagrama tem origem na física teórica para tentar fazer uma representação do que é o Tempo, já o Cone do Futuro foi adaptado pelo professor, físico e futurista Joseph Voros 📡para a aplicação de forma prática de projeções de visões de futuro. Esse diagrama é facilmente encontrado nesta área de estudos, sendo usado pela Singularity University, e pela NESTA (National Endowment for Science, Technology and the Arts), fundação independente de inovação baseada no Reino Unido.

Partindo das três premissas fundamentais que estabeleci antes para pensarmos no tema “Futuro” (1)de que o futuro não existe, sendo portanto imprevisível; (2) de que a aplicação intencional de conhecimentos é o que permite a criação de futuros deliberados; (3) e de que é dependente de interações complexas entre coletivos), dentro dessa projeção do Cone existem diferentes níveis de futuro. Nesse caso, prefiro traduzir aqui a descrição deles feita pela NESTA no paperDon’t Stop Thinking About Tomorrow”:

  • Futuros Prováveis: o que é bem provável que aconteça, extrapolando as tendências atuais. Seriam previsões que atribuem probabilidades a possíveis mundos futuros, como prever o tamanho da economia.
  • Futuros Plausíveis: ramificações do nosso entendimento atual das leis da física, processos, causalidade, sistemas de interação humana, como cidades nômades e transporte aéreo pessoal. É plausível, mas ainda não é algo estabelecido.
  • Futuros Possíveis: inclui futuros que envolvem conhecimento científico que não existe ainda, como a viagem pela dobra espacial proposta em Star Trek, requerendo modificações nas leis da Física aceitas atualmente para que fosse possível.
Hendo, o primeiro hoverboard real do mercado.
  • Futuros Preferíveis: que sejam desejáveis, com motivações fortemente emocionais, como ir ao trabalho usando hoverboards ao invés de metrô.

O cone parte de um contexto presente, e à medida que nos projetamos no tempo futuro os acontecimentos a seguir tem cada vez mais potencial para fugir ao nosso controle ou previsão. Acontecimentos inesperados, ou wild cards, podem desencadear séries de eventos de grandes proporções. Um ótimo exemplo é o caso histórico do assassinato do arquiduque Franz Ferdinand em Sarajevo em 1914, que não aconteceria caso sua carruagem não tivesse feito um percurso inesperado. Este evento foi estopim para a Primeira Guerra Mundial e consequentemente para a Segunda Guerra Mundial. Eventos como este causam efeitos também conhecidos como “Efeito Borboleta”, um dos argumentos mais conhecidos da Teoria do Caos.

Plano B, Plano C, (…) Plano N

No entanto, apesar de o futuro ser uma matéria imprevisível, antecipar possibilidades é um exercício que deveria ser do rol de qualquer estrategista, à medida que a realidade se torna cada vez mais complexa conforme a adoção de novas tecnologias é cada vez mais rápida. Inovar é a norma, não mais uma exceção, e todo aquele que queira sobreviver à "Destruição Criativa" prometida por Schumpeter precisa atentar às mudanças do mundo em seu nível mais fundamental. Para definição de estratégias que possam lidar com o novo paradigma de ritmo acelerado, novas práticas de pesquisa vem se estabelecido para ganhar os conhecimentos necessários para a deliberação de futuros Premeditados.

Nesse diagrama adaptado coloquei a Pesquisa de Mercado como uma ferramenta de análise que contempla do presente ao passado. No livro “Organizações Exponenciais” os autores mencionam o Iridium Moment, descrito como “usar ferramentas lineares e tendências do passado para prever um futuro acelerado”. Ou seja, as pesquisas de mercado conseguem captar um contexto específico e de fato compreender quais eventos levaram àquele cenário presente, mas são ferramentas lineares, e portanto não conseguem ter tanta assertividade em antecipar cenários futuros em ambientes de volatilidades e incertezas, vide a eleição norte americana de 2016 que levou Trump ao poder e superou qualquer expectativa prevista.

Já as Pesquisas de Tendências se valem dos insights trazidos pelas Pesquisas de Mercado, além de buscar pelos sinais emergentes de novas práticas que estão sendo estabelecidas em contextos específicos, para mensurar o que possivelmente irá ganhar tração em um futuro próximo. É possível identificar tendências emergentes que dependendo de inúmeras variáveis ganharão forma dentro de um a cinco anos. Quando pensar em "tendências", pense na frase "existe uma tendência a _______, mas não quer dizer que isso vá acontecer".

Delorean do “De Volta Para o Futuro”: Sci-fi também pode ser uma prática de design especulativo.

As Pesquisas de Futuro, ou Futurismo, ou Futurologia, é uma convergência multidisciplinar de “Estudos do Futuro”. Estudam mudanças no passado e no presente para postular cenários futuros (conforme os que apresentei acima), bem como os mitos e visões de mundo por trás destas visões de futuro. Está muito relacionada à prática do Design Especulativo, campo do design focado em visualizar e prototipar cenários futuros.

Para entender mais dessa área de estudo recomendo fortemente a leitura deste artigo da Lidia Zuin (“Futurismo Não é Previsão, é Construção”), e desse artigo do Tiago Mattos (“Futurismo, Futurologia, Pesquisa de Tendências, Pesquisa de Mercado, Forecasting, Coolhunting: é tudo a mesma coisa?”). São dois materiais em português bem bons pra começar a entender o assunto. Em inglês tem muito mais material. Tenho este texto guardado sobre a aplicação prática do Futurismo nos negócios: “You Don’t Have to Predict The Future to Succeed In Business”; mas pra quem quiser se aprofundar mais, recomendo começar por esse paper do Jim Dator, recomendado pelo amigo fernandogaldino:

“‘O futuro’ não pode ser ‘previsto’, justamente porque ‘o futuro’ não existe.” — Dator

"O futuro já chegou, só não está uniformemente distribuído."

O refinamento e especialização do conhecimento técnico-científico ganha escala à medida que a economia se digitaliza. Quando o Instagram foi vendido para o Facebook por 1 bilhão de dólares em 2012, a startup tinha 13 funcionários empregados diretamente. A Kodak em 2011 tinha 18.800 funcionários. A aplicação de conhecimento técnico-científico do Instagram resolve o mesmo problema básico que a Kodak, porém em uma escala muito maior com um custo muito menor, e foi o que alavancou seu valor de mercado.

Esta é a maneira que a maioria das pessoas faz compras de supermercado hoje.

Tome como exemplo um hábito rotineiro para quem vive em uma cidade grande: ir ao supermercado. Para a maioria das pessoas hoje, a principal forma de pagar pelas compras no supermercado passa por um processo de colocar as compras dentro do carrinho, dirigir-se ao caixa, colocar as compras sobre o caixa e esperar que um atendente humano passe cada item pelo leitor de código de barras e no final da compra faça a cobrança pelo valor total da compra.

Em alguns varejistas já é possível fazer compras no modo self-service. Já experimentei esse processo num supermercado no Chile e numa loja do Master em São Paulo. Das prateleiras ao caixa o processo é o mesmo, porém a quantidade de atendentes humanos foi reduzida para uma pessoa só cuidando de quatro ou cinco totens de autoatendimento. O próprio cliente passa cada item pelo leitor de código de barras e faz o pagamento usando cartão de crédito ou débito, mediado por uma interface digital. A interface não é muito amigável e precisa de uma série de ajustes. Mas será que valeria à pena investir em melhorar este tipo de interface?

O passo seguinte automatiza processos, eliminando a interface humana.

Em 2016 a Amazon lançou um conceito de loja completamente automatizada. A loja inteligente real foi lançada oficialmente em 2017 e brifou a tendência A-Commerce da TrendWatching para 2018. A loja é um espaço inteligente repleto de câmeras e sensores que teoricamente eliminam completamente qualquer tipo de fricção na hora do pagamento. É uma aplicação orquestrada de uma série de tecnologias que em conjunto tornam desnecessários os atendentes humanos e inclusive a interface ruim que questionei no parágrafo acima.

Aos poucos começamos a ver lojas aplicando esse conceito em diferentes formatos ou usando diferentes tecnologias em outros lugares do mundo. Na China a Alibaba lançou uma loja dessas, e no Brasil também já existe algo semelhante.

Perceba que apresentei três maneiras de fazer a mesma coisa (compras no supermercado): a primeira é como estamos acostumados, a segunda faz uso de algumas tecnologias para melhorar a experiência e a terceira usa tecnologias ainda mais avançadas para melhorar a experiência de consumo. Perceba também que é possível experimentar os três modos ainda em 2018, e as expectativas do usuário final vão aumentar à medida que interage com experiências com cada vez menos fricções.

Tudo acontecendo ao mesmo tempo.

O tempo foi comprimido e o futuro chegou. O futuro é uma narrativa, fruto de ideias, que se tornam projetos e que passam por um monte de constrições até se tornarem realidade. Nesse caso, o cenário estava posto, em algum momento alguém teve uma ideia, que começou com: “E se o pagamento nos supermercados fosse feito por autoatendimento?”. Enquanto isso, outra(s) pessoa(s) teve outra visão de futuro e disse: “E se eu sequer tivesse de fazer o pagamento das coisas que compro?”. O futuro nasce das especulações mais absurdas que as pessoas podem fazer aplicando o que há de mais fresco no conhecimento humano.

Qualquer ideia útil sobre o futuro deve parecer ridícula. — Jim Dator

Design not only for the Real, but for Future Worlds.

Introdução à Prática do Design Especulativo.

No diagrama que adaptei do Cone do Futuro inseri ali um símbolo que se refere ao ciclo de Design de Produto. Quando as relações humanas, principalmente as que envolvem consumo, se digitalizam e passam a ser a norma, a atualização é a palavra-chave pra entender este tipo de contexto. Quando desenvolvedores de software resolvem mudar apenas a cor de um botão num aplicativo de celular, eles o fazem e o atualizam em todos os dispositivos conectados, sejam 10 ou 1.000.000 em questão de dias, ou menos.

Logo, o desenvolvimento de um produto digital é uma tarefa de atualização, evoluindo à medida que o mercado e seus usuários evoluem. Por isso vários diagramas que dão conta de explicar o que é o design de produtos, serviços ou sistemas mostram um ciclo, num vai e vem de experimentação constante.

Porém, se o mundo avança num ritmo exponencial rumo ao desenvolvimento e implementação de novas tecnologias a cada dia, o ciclo tradicional de vida de um produto também fica cada vez mais curto. Se o que orienta o desenvolvimento de produtos é a visão de futuro, essa perspectiva deveria ser incluída dentro do processo de construção e desenvolvimento de um produto.

Neste sentido, o Design Research, que é parte fundamental do ciclo de desenvolvimento de um bom produto, deveria também contemplar algumas práticas de Design Especulativo, para criar planos para futuros alternativos dentro daquele espectro comentado anteriormente. A junção das diferentes metodologias de pesquisa, desde a coleta dos insights das pesquisas de mercado, a análise dos sinais emergentes de transformação na pesquisa de tendências e a visualização de futuros possíveis do futurismo ajudam a criar múltiplos planos de ação. Uma vez combinados às pesquisas com usuário ou design research, a criação de futuros pode passar de projeto à realidade.

Talvez os maiores impedimentos para implementar este tipo de processo seja a própria estrutura das empresas, uma vez que, em tese, empresas não são mais que coletivos de pessoas reunidas em cooperação para objetivos comuns. A parte mais difícil de inovar é justamente pelo conflito humano envolvido para ter um coletivo coeso o suficiente para tornar um projeto em realidade, assunto que pretendo abordar mais adiante.

Professional Time Traveler é uma publicação sobre Futuro, Presente e Passado. Se gostou do texto, fique à vontade pra “bater palmas” ao lado, compartilhar e seguir a publicação aqui no Medium.

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