PREMISSAS PARA PENSAR NO FUTURO

Ariel Cardeal
Professional Time Traveler
6 min readAug 29, 2018

“Estamos sempre correndo atrás do tempo!” — Reinier Evers, fundador da TrendWatching

Certa vez ele me disse isso enquanto falávamos sobre nosso trabalho, olhando São Paulo do alto do terraço de um espaço de coworking — conceito ainda novo no Brasil naquela época — na Galeria Ouro Fino.

Ele disse que era parte do nosso trabalho estar sempre atento ao que estava acontecendo no mundo. As novidades, ou inovações, eram o combustível da empresa para a qual trabalhávamos, fundada por ele em 2002 na Holanda. Pelo que sei, Reinier era um cara que veio do mercado financeiro e que entendeu cedo as dinâmicas de mudança no mundo das empresas B2C, as empresas donas de marcas de consumo.

A empresa cresceu e lá estava eu em 2012 buscando as tais novidades e “correndo atrás do tempo” (talvez o logo da TrendWatching devesse ser o coelho da Alice no País das Maravilhas).

Depois de acompanhar discussões de um grupo super multidisciplinar ao redor do mundo sobre economia, comportamento, tecnologia e muita, mas muita leitura e análise (às vezes me sentia feito um analista da CIA tentando entender a geopolítica global), percebi que haviam limites na minha visão sobre o mundo e suas dinâmicas de mudança, que é o que chamamos de “tendências”. Fui viajar e procurei saber mais. Busquei referências na bibliografia dos cursos de Direito e Design, fui conhecer os criadores das inovações e pessoas em cada estágio da difusão daquela “nova ideia”.

Curva de adoção das inovações, que os cientistas estatísticos chamam de “moda”.

No tempo em que corri atrás do tempo me dei conta de três coisas a respeito do futuro, que vou deixar aqui não como uma série de regras a serem seguidas, mas consciente do que possam representar dado meu envolvimento pessoal e profissional com o tema.

Pra pensar em FUTURO então precisamos levar em conta três premissas fundamentais:

“O FUTURO NÃO EXISTE”

“O futuro não existe”, essa foi a resposta de Ximena Dávila durante um curso no Chile, quando perguntei a ela sobre como aplicar os conceitos de comunicação interpessoal apresentados por ela e Humberto Maturana num mundo que apontava um futuro de relações cada vez mais mediadas por interfaces digitais e cada vez menos humanas. Na minha pergunta dei por certo que o futuro era algo certo e imutável. Mas ela me explicou que ele existe apenas como uma abstração de linguagem. Ou seja, assim como “dragão” não existe, não é real, é apenas uma abstração que usamos na nossa linguagem para designar um animal imaginário, o futuro também não é realidade (ainda!). Logo, ele é imprevisível e se faz, se constrói no presente.

Existe uma centena de filósofos e cientistas que poderiam discorrer sobre o assunto “futuro”, mas aqui vale para entender que qualquer pessoa que diga que “o futuro vai ser assim” induz erroneamente sobre aquilo que ela mesma está dizendo. Existem interesses na concretização de certas projeções de futuro, e desta forma as pessoas por trás destes interesses especulam futuros e usam seu poder de autoridade no assunto para criar uma narrativa que pareça única e incontestável a fim de que seus interesses estejam assegurados.

Por exemplo: se eu sou um fabricante de carros autônomos me interessa muito que as pessoas acreditem nos meus produtos. Se encomendo uma pesquisa que induza a respostas que indiquem que “67% dos consumidores esperam andar em carros autônomos até 2032” no relatório final, posso estar induzindo o público a acreditar em mim quando falo em uma apresentação: “Em 2038 estaremos todos andando em carros autônomos”. -

O futuro, quanto mais “distante” do presente (um ano é mais distante que um dia), menos previsível ele é. Portanto, desconfie de todo profeta de palco que diga de forma imperativa que “em 2043 ________ vai acontecer.” ;)

O FUTURO É CONHECIMENTO

Se o futuro não existe, então podemos molda-lo no presente. Um grande amigo psicólogo uma vez me falou que entendia o conceito de “inteligência” associado à uma prática criativa. As inovações são resultado do uso dessa inteligência. Ou seja, é através da especialização e expansão do conhecimento humano que a humanidade se desenvolve e desenha seu(s) futuro(s).

“Se vi mais longe, foi por estar sobre os ombros de gigantes” — Isaac Newton

Ao dizer isso, Newton faz reverência ao legado cultural da humanidade que o permitiu fazer suas descobertas e por sua vez continuar a construir o conhecimento científico da nossa espécie. Meu amigo Joaquín Aldunate escreveu um parágrafo interessante sobre isso neste texto sobre Inteligência Artificial, quando fala sobre a ida do homem à Lua. Ao admitir que não sabemos de algo surge a prática da pesquisa, a busca sistemática por novos fatos, novas ideias e a resolução de problemas novos ou já existentes. É através da exploração do conhecimento que se pode avançar e criar futuros desejáveis — já vou falar mais sobre isso em outro post.

Essa é a pirâmide de Mark Richards, que o futurista e colega Tiago Mattos tem tatuada no braço (e por ele que fiquei sabendo primeiro desse diagrama).

Este é mais um tema que merece uma centena de discussões, mas por agora só é necessário saber que os principais avanços da humanidade dependem da nossa curiosidade e criatividade, e até que uma Inteligência Artificial faça isso por nós (brincadeira, rs), assim continuará sendo.

O FUTURO É COLETIVO

A capacidade de replicar uma nova ideia/inovação — seja ela relacionada a uma tecnologia, comportamento ou modo de pensar — depende primeiro do conhecimento daquele que vai reproduzir a novidade, baseado então na premissa de que todo indivíduo que produz conhecimento está inserido numa cultura.

Torre humana na Espanha.

Ou seja, um coletivo de indivíduos capazes de se comunicar entre si. Ideias novas precisam encontrar abrigo na cabeça de outras pessoas. O conhecimento deve ser compartilhado para que perdure e se transforme com o tempo, afinal as ideias que mais resistem ao tempo e continuam a se reproduzir no futuro são aquelas que se transformam. Além disso, voltamos à premissa apresentada por Joaquín no texto citado acima: não foi um único indivíduo que levou a humanidade à Lua, mas um coletivo de seres humanos que promoveram este empreendimento. Este é um dos significados fundamentais do que é uma empresa.

As ciências sociais estudam essas dinâmicas há anos, mas pra focar por agora precisamos entender que o futuro é totalmente dependente da nossa capacidade de compartilhar e aceitar novas ideias, além da nossa capacidade ter um olhar crítico sobre elas. Nem tudo que é novo é bom. Nem tudo que é diferente é passageiro. Pense que empresas e instituições não são feitas de prédios, normas e protocolos. São coletivos de seres humanos agindo de forma coordenada. À medida que o mundo se torna cada vez mais virtual, é das novas ideias que surgem as ondas de transformação que chamamos de tendências, e que alcançam uma escala global cada vez mais rápido. Uma vez li o CEO de um fundo de investimento falar que:

“As coisas estão mudando tão rápido no mundo do varejo que os anos precisam ser medidos em anos de cachorro.” — Bruce Batkin

Impossível não pensar nesse boné quando leio essa frase.

Sendo assim o futuro se faz agora, de maneira coletiva, enquanto discutimos nossas ideias e as transformamos com as ideias dos outros. Vamos começar?

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