programação suspensa no ar ✺ semana 5

77º aniversário do Levante do Gueto de Varsóvia

Como lembrar juntos no dia 19 de abril de 2020, quando o mundo está assolado por uma pandemia que pede isolamento?

Casa do Povo
Programação suspensa no ar

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mir zaynen do! “estamos aqui!”. é assim que terminam a primeira e a última estrofe do “hino dos partisanos”, escrito por Hirsch Glik quando soube que judeus e judias do Gueto de Varsóvia tinham iniciado um levante contra o ocupante nazista, no dia 19 de abril de 1943.

desde então, todo dia 19 de abril, vem sendo comemorado o levante do gueto de varsóvia. co-memorando no sentido de “lembrar juntos” mas também de celebrar o fato que dali surgiu um gesto pujante contra todo tipo de opressão, capaz de inspirar outros tempos e lutas. mas como lembrar juntos no dia 19 de abril de 2020, quando o mundo está assolado por uma pandemia que pede isolamento?

convidamos o artista Maurício Ianês para desenvolver um trabalho que integrasse a programação suspensa no ar e permitisse que estivéssemos juntos, mesmo que separados. ao mesmo tempo mestre de cerimônia, orador e diretor artístico, Ianês criou uma obra que entrará no ar no domingo 19 de abril, às 18h, no site da Casa do Povo.

O cartaz feito por Maurício Ianês para o 77º aniversário do Levante também estará disponível para download no site da Casa do Povo no dia 19 de abril

mas além de lembrarmos do dia 19 de abril de 1943, o que dessa comemoração pode nos ajudar a entender do dia 19 de abril de 2020? voltando ao hino, cuja letra está reproduzida na íntegra no final desse texto, é notável que Glik não registrou, em nenhuma estrofe, detalhes que pudessem nos ajudar a identificar o contexto do evento que o inspirou — não há nomes de cidades, datas, personagens históricos ou inimigos. a própria palavra “inimigo” só aparece uma vez no poema, junto ao verbo “desaparecer”.

enquanto isso, o vocabulário usado para atravessar a crise do Coronavirus é sempre bélico — dizem que precisamos travar uma guerra contra o covid-19, assim como se diz que há uma guerra contra a corrupção. mas quem seria a favor do covid-19 ou da corrupção? por meio de um jogo de palavras, é criado um inimigo imaginário e se esquece que nós somos o inimigo. assim como somos a corrupção, o racismo e o machismo, o covid-19 é fruto da destruição humana — do meio ambiente, das garantias básicas como o direito à saúde, de relações menos mercantilizadas, etc. e é nessa hora que lembramos de um poema esperançoso, escrito em plena guerra mundial, de um gueto para o mundo, onde o inimigo nunca é nomeado.

antes de ser conhecido como “o hino dos partisanos”, o texto de Hirsch Glik ficou conhecido como “nunca diga” (reproduzindo o primeiro verso). é nessa impossibilidade de dizer que reside a possibilidade de cantar outros mundos possíveis — “cantar com as armas nas mãos” (dos lid gezungen mit naganes in di hent!). mesclando um passado desmoronando (“ontem desaparecerá”) com um futuro próximo que “certamente chegará”, surge um outro presente já que “o sol do amanhecer dourará nosso hoje”.

a Casa do Povo tem se firmado como um lugar de encontro e acontecimentos. por isso, ela acontece, em toda sua potência, nos eventos que pontuam a programação ao longo do ano e preenchem o espaço com corpos diversos. o dia em que se comemora o Levante do Gueto de Varsóvia costuma ser assim também! hoje, distantes uns dos outros, sem podermos nos abraçar, estamos juntos mais uma vez! enquanto isso, a Casa acontece, mas de outra maneira, produzindo e acolhendo iniciativas, para aliviar algumas poucas das muitas consequências da crise e, nós, mir zaynen do, estamos aqui!

o hino dos partisanos

Escute esta versão do hino para acompanhar a letra com a tradução

ZOG NIT KEINMOL AZ DU GEIST DEM LETSN VEG
Nunca diga que esta é sua última caminhada,
CHODJ’ HIMLEN BLOIENE FARSHTELN BLOIE TEG
Apesar dos céus cinzentos esconderem dias luminosos
KUMEN VET DOCH UNDZER OISGEBENKTE SHO
A hora tão ansiada certamente chegará.
S’VET A POIK TON UNDZER TROT MIR ZAINEN DO!
Nossos passos troarão — Estamos aqui!

FUN GRINEN PALMEN LAND BIZ VAITN LAND FUN SHNEI
Do país de verdes palmeiras até o longínquo país da neve,
MIR KUMEN ON MIT UNDZER PAIN MIT UNDZER VEI
Chegamos com nossa angústia e com nossa dor;
UN VU GEFALN IZ A SHPRITZ FUN UNDZER BLUT
E onde tenha caído uma gota de nosso sangue,
SHPROTZN VET DORT UNDZER GVURE UNDZER MUT
Brotará nossa coragem e nosso poder.

S’VET DI MORGN ZUN BAGILDN UNDZ DEM HAINT
O sol do amanhecer dourará nosso hoje,
UN DER NECHTN VET FARSHFINDN MITN FAINT
E o ontem desaparecerá juntamente com o inimigo.
NOR OIB FARZAMEN VET DI ZUN UN DER KAIOR
Mas se demorar o sol e alvorada,
VI A PAROL ZOL GEIN DOS LID FUN DOR TZU DOR
Que esta canção seja uma mensagem passada de geração em geração.

DOS LID GESHRIBN IZ MIT BLUT UN NIT MIT BLAI
Esta canção foi escrita com sangue e não com chumbo,
S’IZ NIT KAIN LIDL FUN A FOIGL OIF DER FRAI
Não é uma cantiga de um pássaro em liberdade.
DOS HOT A FOLK TSVISHN FALNDIKE VENT
Foi cantada por um povo entre paredes ruindo -
DOS LID GEZUNGEN MIT NAGANES IN DI HENT!
Foi cantada com as armas na mão!

ZOG NIT KEINMOL AZ DU GEIST DEM LETSN VEG
Nunca diga que esta é sua última caminhada,
CHODJ’ HIMLEN BLOIENE FARSHTELN BLOIE TEG
Apesar dos céus cinzentos esconderem dias luminosos
KUMEN VET DOCH UNDZER OISGEBENKTE SHO
A hora tão ansiada certamente chegará.
S’VET A POIK TON UNDZER TROT MIR ZAINEN DO!
Nossos passos troarão — Estamos aqui!

traduzido por Hugueta Sendacz

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A Casa do Povo é um centro cultural que revisita e reinventa as noções de cultura, comunidade e memória. www.casadopovo.org.br