2020 se perdeu no personagem

As lembranças que cultivaremos deste ano serão diferentes de todas as demais. 2020 foi um ano empenhado em colocar pedras no meio do caminho

Amanda de Vasconcellos
O Prontuário
4 min readDec 14, 2020

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O fim do ano está chegando e, com ele, uma série de reflexões sobre as últimas centenas de dias. Assim como fiz ao fim de 2019, pretendo, ao fim deste ano, lançar algum texto falando especificamente do ano novo, mas essa não é a intenção hoje. A intenção hoje é escrever a primeira crônica verdadeiramente inspirada em meses.

Para iniciar de verdade a reflexão de hoje, eu preciso, porém, terminar de explicar o que é este texto: é uma crônica inspirada pela falta de inspiração. Porque, convenhamos, poucas coisas são tão tediosas quanto passar a esmagadora maioria de um ano dentro de casa.

No colégio, aprendi que uma crônica é caracterizada pela reflexão originada pelos elementos do cotidiano, o que fez com que eu, eventualmente, criasse certo apreço pelo gênero. Afinal, poucas são as coisas sobre as quais tenho mais conhecimento de causa que sobre minha própria vida. O problema, é claro, é que nem todos os elementos da minha vida são interessantes o bastante para algum público externo. A suposta arte da escrita passa, portanto, pela análise do que é ou não um tema merecedor de reflexões mais profundas.

Entretanto, nesse ano de pandemia, eu forcei a barra com o papel de cronista em alguns momentos. Eu me esforcei para extrair das minhas experiências alguma reflexão preciosa, eu tentei transformar meu dia a dia em algo interessante. Modéstia à parte, houve momentos em que acho que consegui fazê-lo com sucesso. Mas, na maior parte do tempo, eu não sei de onde surgiram os pensamentos que coloquei em texto. Fluíram, talvez, do meu senso de obrigação para com a escrita. Porém eu juro: inspiração é algo que não experimentava havia semanas, quiçá meses.

Até a madrugada de ontem, em que permaneci acordada por uma quantidade de tempo suficiente para afetar negativamente minha capacidade de escrever com concisão. Acordada fazendo o que, vocês me perguntam? Apagando fotos antigas, uns 4 gigabytes delas. A memória do meu celular está agradecida, e, por mais monótona que tenha sido a tarefa, o tédio em si acabou me dando um lapso de clareza: 2020 foi um ano arrastado.

Vendo as fotos que eu tinha no rolo da minha câmera, pareceu que tempo nenhum havia se passado desde o início da pandemia. Uma ou outra foto na frente do espelho da academia. Aos domingos, várias tentativas de fotos para criar uma arte para o post da semana. Às vezes, aparecia uma selfie ou foto de comida no meio.

E onde estavam as fotos com os amigos? Os vídeos meio nostálgicos de festas com histórias divertidas? A ocasional selfie na faculdade, com a cara de cansaço estampada? Os eventos? As viagens?

Todos esses pequenos lazeres, triviais, estão claramente visíveis na linha do tempo de fotografias de todos os outros anos. Eu sou fanática por manter esses registros organizados, eu consigo reconstruir meus anos olhando para a cronologia fotográfica. Quando, em alguns anos, eu quiser reconstruir meu 2020, o que eu terei para reavivar as memórias?

As fotos fazem com que pareça que o tempo congelou. Mas eu sei que vivi este ano, e sei o que vivi. Consigo pensar nas relações que construí, e consigo até mesmo ler conversas antigas para avivar uma certa nostalgia. Às vezes escrevo em meu diário (faz exatamente 1 mês, na realidade, que estou escrevendo todos os dias).

Não é como se o ano tivesse sido parado. Eu lembro das coisas que aconteceram, e aconteceu muita coisa. Porém ele parece ter acontecido virtualmente. Mesmo as rotinas, que usualmente gosto de manter, parecem ter se tornado repetitivas demais.

Com o ano acabando, às vezes ainda olho para os meses anteriores como se eles fossem pedaços de um sonho bizarro. A cada mês houve uma notícia ruim diferente, e a cada notícia alguém dizia que o ano não podia ficar pior. A essa altura, já sabemos que sempre dá para piorar.

Calma, não estou dizendo que vai piorar, eu só estou dizendo que não dá para saber se vai melhorar. 2020 tem, até o momento, insistido conosco a todo momento que não somos bons em fazer esse tipo de previsão. O ano virou uma paródia de si mesmo, virou um show de absurdos que fazem com que questionemos até que ponto somos capazes de piorar nossa própria situação, ou que tipo de imprevistos podem surgir.

Mesmo assim, tenho tido bons momentos, e sei que todos tiveram. Foi um ano difícil para todos, mas já está acabando. Certo, ainda faltam 18 dias, quase 3 semanas, para sairmos desta montanha russa, sem nenhuma garantia de que não entraremos em outra. Por outro lado, sempre há tempo de criar boas lembranças, por mais que as deste ano não sejam tão glamorosas quanto as de anos anteriores.

Obrigada por ler este texto! Como tem sido seu 2020 até agora? Me conte aqui nos comentários.

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