Como Estou Reconstruindo Meu Hábito de Leitura

Eu sei que você lê menos do que gostaria. Relaxa, eu também. Estamos todos juntos. Mas estou melhorando! Eis o que tem funcionado para mim

Amanda de Vasconcellos
O Prontuário
12 min readMay 2, 2020

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Nesta última semana, terminei de incorporar a personagem que eu já vinha me tornando: ela mesma, a blogueirinha de Instagram (que você devia seguir, clique aqui). Nas interações que tive com meus fiéis seguidores, confirmei as suspeitas que me levaram à ideia deste texto: muita gente lê menos do que gostaria. A angústia parece universal: o hábito de leitura foi diminuindo com os anos, até que, um belo dia, você parou e pensou… Espera aí, por que eu ando lendo menos? O que aconteceu? Quando seu tempo ficou tão escasso? Por que você é tão superficial e fica no Instagram em vez de ler?

Calma, eu sou igualzinha. Eu também fico no Instagram em vez de ler, mesmo que tenha sido uma devoradora de livros na infância (meus pais me apelidaram de Maria Letrinha), e eu também fico frustrada em ler menos que eu costumava. Ainda estou para conhecer algum millennial ou zoomer que não tenha essa reclamação (ok, modo de dizer, alguns dos meus seguidores disseram que leem tanto quanto gostariam, e alguns desses eu conheço de fato).

Ah, mas eu sabia que isso é coisa da geração de vocês! Na minha época, era diferente! A gente lia muito mais, não tinha essa folga toda! Vocês ficam nesse celular aí o dia inteiro, só no WhatsApp. Ninguém conversa mais! Vai num bar e todos os jovens tão no celular. Ninguém mais pega em livros! Geração Nutella… Por isso que são idiotas! Só pensam em bobagem!

OK, BOOMER.

Sim, Tiozão Genérico, a frustração em ler menos do que o ideal é comum às gerações mais jovens, mas não quer dizer que seja porque somos um bando de folgados (embora alguns de nós sejam… E alguns de vocês também). Na realidade, o que eu vejo (e não me venha com “Mas isso é só a sua experiência! Cadê os dados?”, porque quem argumenta que o problema da pouca leitura é exclusivo à juventude o faz não com base em dados, mas em observação cotidiana) é que novos e velhos, ninguém lê muito. Está todo mundo no WhatsApp em vez de no livro. A diferença é que os jovens reclamam que leem pouco, os velhos reclamam… Bem, dos jovens. Conflito intergeracional: existe desde que o mundo é mundo.

Então a pouca leitura é culpa das mídias sociais? Olha… Não exatamente. Pode ser o motivo pelo qual você lê pouco, mas o fenômeno é, na realidade, uma ilusão. Sim, nós lemos menos do que gostaríamos, porém lemos mais do que na minha época (i.e.: na época do Tiozão Genérico Nostálgico).

Por que estou falando isso tudo? Por que criei o personagem do Tiozão Genérico para fazer uma participação especial neste texto? Porque não são só os tiozões que acreditam piamente que estamos vivendo tempos sombrios para a leitura. O hábito de leitura, em escala coletiva, vai muito bem, obrigado. É na escala individual que reside o problema — e, hey, não estou dizendo que ele não existe (sou individualista, lembra?), estou apenas mudando o ângulo pelo qual enxergaremos essa questão ao longo desse texto. Vamos tirar da nossa frente o mito de que o mundo está acabando, e que livros estão sendo queimados e mortos, porque isso causa um desespero desnecessário, que impede que tomemos ações corretas — isso se conseguirmos tomar ações, pânico pode ser paralisante também. Prólogo feito, vamos aos meus conselhos (um amigo fez o trocadilho Vasconselhos… Não vou mentir, eu adorei. Vamos aos Vasconselhos):

Por que você quer ler mais?

Eu fiz essa pergunta no Instagram, e as respostas foram quatro: uma relacionada ao prazer de leitura, e as outras três ao conhecimento que pode ser obtido pela leitura. Aí entra outro ponto interessante: a maior parte dos meus seguidores (sim, é uma amostra viciada, mas quem tem maiores chances de ler esse texto é justamente quem me segue) gosta de ler, de modo que a resposta ao “Por que você quer ler mais?” fica quase autoevidente: porque ler é bom, oras!

Certo, concordo que essa parece uma pergunta óbvia, mas tente pensar na resposta. Se você está aqui, é porque você quer ler mais, e não conseguiu fazê-lo espontaneamente. Você poderia fechar esta página agora e ler um livro (embora livros não sejam a única forma de leitura, ainda falarei disso). Se não o fez, te falta o pontapé inicial para tornar a leitura um hábito. Por que ela não se tornou ainda? Porque a recompensa não é instantânea. Abrir o celular e receber atenção alheia? Seu cérebro te dá dopamina (o neurotransmissor que faz você se sentir satisfeito, alegre) na hora. Assistir uma comédia? Dopamina. Ler um livro? Hum… Ok… Dopamina… Eventualmente.

Você está cercado de atividades que te trarão gratificação instantânea, a escolha de uma atividade mais complexa não virá automaticamente. Você precisa driblar a armadilha da dopamina fácil. Como fazê-lo? Bem, cada um tem sua estratégia, mas uma que parece especialmente comum é a de se concentrar no resultado, lembrar que, lá na frente, virá a gratificação. Então, vamos lá: qual gratificação você espera da leitura? É uma gratificação suficientemente importante para você? Caso contrário, você consegue fazê-la mais importante? Caso contrário, você consegue encontrar outras formas de gratificação pela leitura?

Cogite formas menos convencionais de leitura

Quando falamos em hábito de leitura, o primeiro instinto é pensar em um livro. Mas por que exatamente precisa ser assim? Se seu objetivo for o entretenimento, será que você não consegue obter o mesmo prazer com um audiolivro? Se seu objetivo for a obtenção de conhecimento, será que você não pode começar com artigos, documentários, ou podcasts?

Veja bem, não estou dizendo que ultrapassamos o formato livro, ou sequer a língua escrita. Concordo com um seguidor que afirmou que livros ainda (tudo sempre pode mudar) são a melhor maneira de obter conhecimento, mas não são a única. Sim, um livro pode ser mais completo, mas feito é melhor do que perfeito. Se você não estiver disposto a gastar energia criando disciplina para ler, é melhor assistir documentários que passar o dia discutindo no Twitter.

E aqui vai a minha dica: comece por formas simples de leitura. Quando estou entediada no celular, eu tento sempre abrir o Pocket em vez de abrir as redes sociais. O Pocket é um app/site/extensão para Chrome maravilhoso para preencher aqueles cinco minutinhos numa fila: ele permite que você salve artigos para ler depois, que você organize-os com tags, e ainda te dá estimativas do tempo de leitura. É um passo pequeno, mas pequenos passos são importantes para começar.

Aproveite os “buracos” no seu tempo

Ninguém consegue, mesmo nessa época de quarentena, ter um dia todo planejado e sem espaços livres improdutivos. Que espaços são esses? São aqueles que são curtos demais para colocar suas obrigações em dia, mas longos demais para ficar sem fazer nada. Fila do banco, transporte público, sala de espera do médico… Todo mundo tem esses espaços na rotina. Que tal aproveitá-los para ler? Esses momentos são tediosos por definição, então mesmo que você não obtenha gratificação instantânea pela leitura, não é como se você tivesse algo mais divertido para fazer.

Prefira livros de bolso, ou invista em um leitor de e-books

Claro, ler em pontos aleatórios do seu dia só é possível se você tiver um livro à mão, e ninguém gosta de carregar peso por aí. Então, sempre que tiver a opção, compre a edição mais compacta do livro. Escolha a versão de vários volumes em vez do volume único, a versão de capa mole em vez da de capa dura… Certo, isso não funciona se você for um colecionador, mas qual é sua prioridade no momento: ter uma coleção bonita ou chegar a ler de fato os livros que você tem?

É meu ponto também com os leitores de e-books. Não chego a passar por isso, entretanto muita gente sente que eles tiram um pouco o romantismo da leitura. Concordo que romantismo seja importante (pelo amor de Deus, vocês viram meu papel de parede), mas, novamente, é uma questão de prioridades. Um Kindle, que é o leitor que tenho, cabe até no bolso de algumas calças minhas, de modo que posso ler em praticamente qualquer lugar. Isso, ao menos para mim, é uma ferramenta melhor que o romantismo na hora de ler mais. E pode ser o contrário para você, e está tudo bem! Essa é uma reflexão que você tem que fazer consigo mesmo.

Na hora de “sentar para ler”, crie um ambiente favorável

Você provavelmente vai ler por muito mais tempo se não tiver súbitas dores lombares. Entender o que está lendo será mais fácil se você estiver em um lugar silencioso. Sua leitura vai render muito mais se você não for interrompido.

Eu, pessoalmente, gosto muito de ler numa poltrona confortável na sala de estar daqui de casa. É um lugar bem iluminado, tem uma mesa suficientemente perto, onde deixo minha caneca com água, ler deitada costuma me dar sono, e, por mais que a sala seja mais barulhenta, nada que colocar um headphone não resolva. Na pior das hipóteses, gosto de colocar música ambiente, do tipo que você acha aos montes na internet, de graça. Joga “binaural beats” no Google e você vai entender do que estou falando. Não é, como alguns alegam, música em uma frequência especial que vai mudar seu cérebro (isso sequer deve existir), mas é agradável, e não causa distração.

E as interrupções? Sim, isso pode ser complicado se você mora com outras pessoas. O melhor método é o diálogo, por mais que isso nem sempre seja suficiente para respeitarem seu momento. O trato que tenho com meus familiares é que eles evitem me interromper em atividades que requiram foco (quando estou no meu quarto, coloco na porta uma placa escrito “Estou focada”), e basta que me avisem que precisam falar comigo para que eu procure falar com eles assim que fizer uma pausa.

Largue o celular

Sim, ele é tentador, eu sei disso. O que eu tenho feito é usar os recursos do Digital Wellbeing, do Google. Normalmente, é suficiente deixar meu celular no modo não perturbe, de modo que as únicas notificações que receberei serão de ligações de contatos e mensagens de familiares. Assim, não fico com o medo de perder algo importante enquanto o celular estiver inacessível.

Crie uma meta

Eu sou muito ligada a metas, talvez mais do que deveria. Poucas coisas me satisfazem tanto quanto poder dizer “Missão cumprida”. Se você é assim, tente estabelecer uma meta para sua leitura, que não necessariamente precisa ser de livros lidos. Talvez tempo diário de leitura? A decisão é sua. A meta não precisa ser de dois livros por semana, até porque dificilmente você terá compreendido bem o que leu, se fizer isso. Um livro por mês? Um livro a cada dois meses? O importante é fazer progresso, mesmo que pequeno.

Separe o que você lê no seu lazer do que você lê por obrigação

Sejamos honestos: nem toda leitura é prazerosa. Alguns livros serão lidos para desenvolver uma habilidade enjoada, ou para a escola, para a faculdade, para o trabalho… Essas leituras devem ser tratadas como obrigação, não tem outro jeito. Se você negociar consigo mesmo para ler “quando estiver a fim”, dificilmente conseguirá fazê-lo. Por outro lado, aí pode residir uma armadilha: e se as leituras passarem a se tornar um martírio? E se chegar uma hora em que toda leitura carregará consigo uma sensação de obrigação?

Aí entra essa dica: alguns livros você deve restringir ao seu horário “útil”, ou seja, a parte do dia que você reserva ao trabalho, aos estudos, e a outros afazeres, e outros estarão restritos ao seu horário de lazer. Em outras palavras: haverá livros que você tem a obrigação de ler, e outros que você tem tudo, menos obrigação de ler. Esses últimos, evidentemente, farão parte do hábito de leitura que você está construindo, todavia devem ser vistos como um prazer. É claro, pensar “Esse é um livro divertido!” não o torna automaticamente divertido, mas esse é o primeiro passo. Você precisa começar de algum lugar, e o seu objetivo será…

Transformar a leitura num prazer

Falar é fácil, o desafio é fazer. Se você viu a leitura como algo prazeroso em algum ponto da sua vida, certamente isso será mais fácil. Mas e se você tiver que criar o prazer do zero? Como fazer isso? De novo, eu me sinto mal por dizer isso, porém a resposta é clássica: não existe fórmula mágica. Eu, pessoalmente, gosto de associar leitura a sensações boas: ler logo após um café, ler debaixo do meu cobertor, ler em um ambiente confortável… Outra estratégia é, simplesmente, tentar se convencer de que ler é um prazer: repita isso até que se torne verdade, liste mentalmente seus argumentos, faça como se estivesse realmente tentando convencer alguém. Você pode, também, começar um clube do livro, ou ao menos sincronizar as leituras com um amigo, para que vocês depois comentem sobre ele. Se isso não for possível, tente fazer anotações sobre o que lê, mas faça-as como se estivesse conversando com alguém. Ou, então, determine para si um horário do dia em que atividades de “dopamina fácil” estarão proibidas: desligue seu celular, seu computador, sua televisão, e aquele livro que poderia parecer tedioso parecerá surpreendentemente excitante.

Gerencie melhor o seu tempo

O que é um tópico que rende, e rende muito. Eu posso, é claro, eventualmente escrever sobre ele, mas, para isso, eu teria que, primeiro, descobrir como gerenciar o meu tempo. Mas, vamos lá, eu vou dar alguns spoilers do que eu mais ou menos faço para mais ou menos ser mais ou menos produtiva:

  • Método Pomodoro;
  • Programar, toda noite, as tarefas do dia seguinte;
  • Anotar todas as minhas pendências, e ordená-las segundo prioridade;
  • Naquela época longínqua em que ainda saíamos de casa, eu acordava cedo.

Quanto melhor você gerenciar seu tempo, mais tempo você terá. Sim, essa é uma dica podre. Sim, eu vou falar um pouco mais de gerenciamento de tempo um dia. Desculpa.

Pense em desenvolver um hábito

Um hábito é algo automático, algo que você não precisa pensar para fazer. Um exemplo bobo: escovar os dentes antes de dormir. A maioria das pessoas não vai precisar de motivação ou de planejamento para fazê-lo, pois seu cérebro já tem forte a ideia de que antes de deitar-se vem a escovação de dentes. Como, então, fazer da leitura algo tão automático? Consistência. Determine um “gatilho” para ler. Você vai ler logo após o almoço? Após escovar os dentes? Após colocar ração para o cachorro? Escolha algo que você já faz diariamente, e faça disso um sinal de que está na hora da leitura diária. Comece aos poucos: cinco minutos, dez minutos… O progresso pode ser lento, lembre-se disso. É melhor conseguir ler cinco minutos por dia todos os dias do que ler por duas horas consecutivas e depois nunca mais tocar no livro.

Dê preferência às leituras simples

Se você raramente lê, por que você vai começar seu super novo hábito lendo, não sei, Camões? Por que não começar por um livro bobo, água com açúcar, puramente para passar o tempo? Como eu disse: não há pressa. Vá avançando para leituras mais complexas apenas quando as simples já forem algo costumeiro, que não exige de você muito esforço.

E, finalmente: comece

Eu sei que leitura não é a coisa mais fácil do mundo, e digo isso como uma pessoa que gosta, genuinamente, de ler. Tenha paciência consigo mesmo, a gente vive em um mundo extremamente conectado, no qual é ridiculamente fácil conseguir prazer, fica difícil se afeiçoar à ideia de que o prazer, às vezes, não virá instantaneamente. Você provavelmente não escolheu viver nesse mundo, e certamente você aprecia as benesses dele, mas, como tudo nessa vida, elas têm um preço. Você está mal acostumado com o atraso na gratificação, e isso não é culpa sua. Porém a mudança depende apenas de uma pessoa: você. E, certo, isso é pesado. Conseguir motivação é difícil, de onde sai a força para dar aquele primeiro passo?

Pois é, se você descobrir, me avisa, porque eu estou há anos desesperada para conseguir forças para uma porção de coisas.

A gente nem sempre tem força, acontece. O meu conselho, então, é o seguinte: comece. Negocie consigo mesmo: certo, você não tem força para ler um livro, você não tem motivação, certo, não vou questionar. Mas você consegue ler uma página? Só uma, e, uma vez lida, acabou a sua obrigação. Daqui para frente é lucro. Certo… Amanhã você pode ler duas, talvez? Depois três? Perceba: você precisa de muito menos força se você determina um objetivo claro e simples, e acho que boa parte da nossa força vem desse começo. Tudo parece mais difícil no plano das ideias. Você pensa em ler, e isso parece impossível, contudo, ao vencer a resistência inicial, tudo parece mais fácil. Então determine uma barreira menor: você não precisa ler um capítulo, somente uma página. A resistência será menor. E… Comece. Uma vez que você começar, tudo fica mais fácil.

Obrigada por ler este texto! Se gostou, deixe seus aplausos (de 1 a 50) e mande para alguém que você acha que pode gostar dele. Para ficar por dentro dos próximos textos, você pode me acompanhar nas redes sociais clicando aqui.

E você? Quais são suas estratégias para ler mais? Você está pensando em usar alguma das que mencionei? Você sente que está lendo menos do que gostaria?

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