Quem tem medo da vacina contra Covid?

Spoiler: são pessoas comuns, como eu e você, e não uma horda de militantes anti-vacina.

Amanda de Vasconcellos
O Prontuário
6 min readOct 25, 2020

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Eu detesto o movimento anti-vacina. Acho uma boa já começar o texto deixando isso bem claro. Inclusive, ano passado, cheguei a traduzir um texto que tratou dos principais mitos que circundam vacinas no senso comum. Vacinas salvam vidas, e são uma das maiores maravilhas da medicina moderna. Estamos claros nesse ponto? Ótimo.

O segundo ponto que eu gostaria de fazer antes de começar oficialmente minha argumentação é que, por puras razões estilísticas, vou importar da gringa os termos antivaxx e antivaxxer(s) para me referir, respectivamente, ao movimento anti-vacina e a seus militantes.

Preâmbulo feito, vamos cutucar o vespeiro: eu não acredito que os opositores brasileiros à vacina contra a Covid sejam antivaxxers.

Eu não teria tanta segurança em falar isso sobre outros países, como EUA e Reino Unido, onde há um movimento anti-vacina bem consolidado. Contudo, aqui no Brasil, onde a cobertura vacinal da população é alta, e as pessoas confiam na capacidade de vacinas de prevenirem várias doenças com segurança, acredito que atacar “os antivaxxers que não querem receber a vacina contra a Covid” é atacar o inimigo errado. Aliás, eu nem ousaria chamar os relutantes de inimigos… Afinal, nós queremos garantir o sucesso da imunização da comunidade ou ganhar debates?

Ainda assim, com os anúncios de que uma vacina contra a Covid-19 poderia ficar pronta até novembro ou dezembro, começou, inclusive no Brasil, um alvoroço sobre sua segurança. As reclamações estão por aí: “vachina” para cá, “feita a toque de caixa” para lá, e surgem nas redes sociais várias pessoas rebatendo com reclamações sobre esses antivaxxers.

Não quero argumentar aqui que a oposição a uma potencial vacina contra o coronavírus é benigna. Acredito que a maioria do meu público alvo esteja ansiosa para ser finalmente imunizada contra essa doença, e preocupada com a possibilidade de a relutância de parte da população impedir que atinjamos imunidade de rebanho. Essas são preocupações que compartilho: meu desejo é que uma vacina eficaz e segura seja encontrada rapidamente, e que toda a população se imunize. Nesse contexto, então, eu quero que haja menos oposição à vacina. O que fazer?

O primeiro passo, a meu ver, é descobrir com quem estamos lidando quando pensamos em quem está com um pé atrás quanto à vacina. Não é tão difícil ter uma compreensão minimamente intuitiva da situação: basta olhar ao redor. Das pessoas com quem você conversa, quem está se questionando se vai mesmo tomar a vacina? O que essas pessoas estão dizendo? Quais são seus medos?

Quem tiver o mínimo cuidado de perceber quais são os medos dos relutantes perceberá que são medos um tanto quanto… Humanos. Nessa mesma época, um ano atrás, ninguém imaginava que estaríamos vivendo uma pandemia, e as novas vacinas que surgiam no mercado carregavam históricos de pesquisa de, às vezes, até 10 anos. Então surge um vírus na China, que se espalha pelo mundo, e uma vacina é produzida às pressas.

Várias das companhias que estão com testes avançados em curso são farmacêuticas bilionárias, e não é novidade que parte do público vê com maus olhos empresas desse setor. Outras companhias são justamente chinesas. Ora, se o vírus surgiu na China, é evidente que a confiança do público nesse país não vai estar em seu ápice. Xenofóbico? Talvez. Fato é que não é racional esperar que a confiança num país fechado e numa indústria controversa cresçam logo em um momento de crise.

Não bastando a desconfiança já meio natural do público, algumas das vacinas que haviam sido inicialmente divulgadas ao público como “salvadoras” estão mostrando dados controversos — sim, eu estou falando da vacina russa.

Para completar, mesmo as vacinas que estão tendo seus testes feitos com toda a seriedade possível estão passando por alguns percalços. A vacina que vem sendo testada pela Universidade de Oxford, por exemplo, passou por um período de pausa após um dos voluntários relatar um efeito colateral grave — que, descobriu-se, não estava associado à vacina.

Com tudo isso acontecendo, não é de se admirar que até aquele seu conhecido que sempre se vacinou esteja com medo! Isso não quer dizer que ele subitamente tenha se tornado um antivaxxer: é provável que ele continue tomando suas vacinas em dia. Só que a vacina contra a Covid… Ah, essa é perigosa, né?

Queria deixar bem claro aqui: não, até onde sabemos, ela não é perigosa. Com exceção de China, Rússia, e EAU, nenhum país do mundo está planejando lançar ao público vacinas que não tenham passado por ensaios clínicos de fase III. Esses são ensaios que envolvem milhares de pessoas, justamente para que efeitos colaterais raros possam ser descobertos. Dessa forma, caso seja descoberto algum risco, a vacina nem chegará ao mercado.

Só que explicar isso a um leigo é difícil — ou, pelo menos, é mais difícil que chamá-lo de antivaxxer. Dá trabalho explicar que, sim, produzir uma vacina em tempo recorde não é o ideal, mas que é possível fazê-la segura e efetiva, dado o background que já possuíamos.

As preocupações que muitas pessoas estão manifestando são legítimas, e não um fruto do espalhamento do movimento antivaxx — ainda bem! É preciso falar com seriedade dessas preocupações. É preciso ter paciência e empatia: não se pode esperar que a população leiga compreenda qual o processo de desenvolvimento de uma vacina. Para essa população, tudo o que há são várias notícias sendo divulgadas a cada dia, e é difícil contextualizá-las ou compreendê-las.

Essa dificuldade não é oriunda da mentalidade antivaxx, e nem de “burrice” ou “desinformação”. Eu sei das etapas de testes pelos quais um medicamento passa antes de sua distribuição, porque sou estudante de medicina. Eu não sei, por exemplo, como se desenvolve um carro, e com certeza estaria assustada se a mídia (exercendo sua função legítima, quero enfatizar) falasse a todo momento dos obstáculos pelos quais um novo tipo de freio está passando. Eu não saberia distinguir os obstáculos esperados dos inesperados, e relutaria um pouco em usar o novo freio.

No entanto, leigos podem sim ser informados, e podem sim ter suas preocupações levadas a sério. Hostilidade e complacência por parte de amantes da ciência não farão com que ninguém confie mais na vacina, pelo contrário! Quem for xingado de antivaxxer tem uma chance muito maior de se fechar à comunicação científica, e, como qualquer um que goste de participar dessa comunicação bem sabe, quando uma porta se fecha, outra se abre. Nosso pacato cidadão, tachado injustamente de antivaxxer, agora estará hostil à ciência, e neutro aos charlatães. Para que esses farsantes conquistem sua simpatia, pouco falta.

É desafiador sim, mas quem quer ser paladino da vacina precisa estar disposto a dialogar com cordialidade, clareza, e concisão. Minhas sugestões pessoais: por que não explicar, por exemplo, o quanto a pausa nos experimentos da vacina de Oxford foi um bom sinal? Se a vacina estivesse verdadeiramente sendo feita “a toque de caixa”, não haveria a preocupação em suspender testes para investigar a origem da enfermidade de um dos voluntarios. E que tal enfatizar que os efeitos colaterais têm esmagadora chance de surgirem já nos ensaios clínicos, permitindo que apenas vacinas seguras cheguem ao mercado?

Pode ser ingrato tentar se fazer ouvido em meio ao turbilhão de informações às quais se tem acesso hoje em dia, porém cada sucesso nessa empreitada é gratificante, eu juro. E, se isso não for incentivo o suficiente, vamos nos lembrar de que o fracasso pode representar, na pior das hipóteses, até mesmo alguns brasileiros virando antivaxxers de verdade.

Obrigada por ler esse texto! Como o tema é mais polêmico, eu estou especialmente interessada em saber sua opinião. Deixe um comentário, vamos bater um papo!

Se tiver gostado, não se esqueça de deixar seu aplauso (de 1 a 50) e de enviar para aquele seu amigo que está chamando todo mundo de antivaxxer. E, se quiser acompanhar os próximos textos, não deixe de me seguir nas redes sociais.

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