Saúde Mental em Tempos de Coronavírus

É hora de nos ajudarmos: passar por essa crise não está sendo fácil para ninguém. Compartilho, então, o que eu tenho feito para enfrentá-la

Amanda de Vasconcellos
O Prontuário
11 min readMay 9, 2020

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Embora eu fale de saúde mental às vezes, eu o faço em reflexões breves, baseadas em vivências bem específicas pelas quais eu tenha passado. Nunca pensei que faria um texto falando de saúde mental em termos mais gerais, mas a vida é uma caixinha de surpresas. Esse texto surgiu do meu pedido por sugestões de temas (postei no Instagram, me siga e vote nos próximos, gostei desse esquema), e a disputa entre os meus seguidores ficou acirrada entre produtividade e saúde mental. O tema vencedor foi saúde mental… Deixo semana que vem para a produtividade (nota da Amanda do futuro: clique aqui para ler sobre produtividade).

Vamos começar introduzindo o seguinte: saúde mental é algo amplo, então eu vou fazer um recorte, vou falar apenas da saúde mental nesse contexto de coronavírus, de quarentena/distanciamento social (ou, em bom português, tempos de “Fica em casa, c**alho”). E então vamos à segunda parte da introdução: eu não sei quem teve a genial ideia de pedir para eu falar de saúde mental na quarentena, porque, meus amigos, eu estou surtando desde o primeiro dia (que, para mim, foi 17 de março).

Como assim surtando, Amanda? Tá tudo bem com você? Posso ajudar em alguma coisa? Quer conversar?

Uma parte de mim tem certeza que falar que minha saúde mental não anda lá essas coisas vai ser um tiro no pé. Mas, como autossabotagem é meu nome do meio, vamos lá: seria desonesto eu chegar aqui e falar um monte de conselhos como se fosse a coisa mais fácil do mundo. Eu sei que não é, estamos todos no mesmo barco. Com “surtar” não quer dizer que enlouqueci, quer dizer que minha ansiedade atingiu níveis astronômicos, que não atingia há muito tempo. Se alguém se preocupou comigo, advirto: está tudo bem, eu já estou fazendo terapia e chorando no ombro virtual dos meus amigos sempre que preciso. Eu consegui criar uma rotina mais ou menos robusta às minhas oscilações emocionais, o que tem me ajudado. E isso me leva ao primeiro conselho:

Pense maneiras de blindar sua vida às suas crises

Acredito que todos já tenham passado por momentos em que as emoções se tornaram fortes demais para serem ignoradas. Talvez a perda de um ente querido, uma crise pessoal ou profissional… Fato é: acontece a todos nós. Eu não tenho uma ideia formada sobre como lidar com essas crises. Passar por elas e se entregar aos sentimentos? Fingir que eles não estão lá? Meio termo (que eu, por acaso, não faço ideia de qual seria)? Sinceramente, não sei. Considero crises pontuais, ocasionadas por alguma “tragédia” pessoal, um caso à parte.

As crises das quais falo aqui são aquelas que surgem sem gatilho aparente, normalmente em um indivíduo que já possuía a saúde mental instável. Não quero dizer que elas sejam menos válidas, ou menos reais, mas sim que elas são, normalmente, desproporcionais ao evento externo causador delas (embora sejam proporcionais ao sofrimento interno, o que é óbvio: ninguém começa a hiperventilar e sentir dores no peito por estar um pouco inseguro, isso ocorre aos cronicamente desesperados). E essas, com toda honestidade, são as piores.

Em uma crise pontual, há solução, ou, se não há, há ao menos uma clareza interna que permite a percepção de que a situação é passageira. Numa crise oriunda de problemas de saúde mental pré-existentes, essa clareza tende a estar ausente. Parece não haver saída, e, no curto prazo, realmente não há. No curto prazo, o sofrimento vai aparecer, e vai parecer uma sentença inescapável. Aí entra um problema: as pessoas costumam ter compaixão por aqueles que sofrem, mas a compaixão é raramente suficiente. O mundo não para quando você passa a tarde se recuperando de um ataque de pânico. E, quando você se recupera de um ataque de pânico e percebe que passou as últimas 3 horas abraçando um travesseiro e chorando, vai vir aquela sensação de “O que eu estou fazendo da minha vida?”, que só torna tudo muito mais difícil.

O ideal seria não ter um ataque de pânico, porém isso é um processo longo. Requer, no mínimo, alguns meses de terapia. Se você tiver condições de passar esses meses em um retiro espiritual, ou em licença do trabalho ou escola, que ótimo! Faça o que funcionar melhor para você. Mas, se você não tiver essas condições, não quer dizer que esteja tudo perdido. Tenho um amigo que brincou, uma vez, falando que sua estratégia para liderar uma equipe mesmo tendo problemas de saúde mental é agendar os surtos para os fins de semana. Se você tiver esse talento, ensine para a gente aqui nos comentários! Se não tiver, vão aqui minhas sugestões.

Planeje seu dia pensando que, em algum ponto, você vai ter que parar e se acalmar. Vamos lá, que tipo de crise você tem? Um estresse crônico, suportável, que não te impede de prosseguir com seu dia? Se sim, você pode deixar o fim do seu dia para alguma atividade que te acalme. Um ataque de pânico, extremamente debilitante? Se o ataque vier, você não consegue lutar contra ele, e lá se vão 3 horas do seu dia. O ponto é: se você já previa que das 16 horas que você passa desperto, 3 seriam gastas com crises que você não controla, elas deixam de ser um imprevisto destrutivo, e viram apenas… Uma parte do plano do dia. Você não sabe quando essa parte do plano será concretizada, somente que ela será. E as 13 horas restantes serão distribuídas entre seu lazer e seus afazeres, sem estresse. E, é claro, se a crise não vier, considere isso como uma vitória. Comemore. Estou falando sério.

Aceite aquilo que você não controla

Não que seja fácil, mas é um exercício importante, especialmente em um momento como esse. Uma das perguntas que fiz no Instagram foi o que estava sendo maior causador de aflição neste período, e muita gente está preocupada com as incertezas, com as mortes, com a saúde alheia, com os planos cancelados… Ninguém está imune a essa angústia. Está mentindo aquele que disser que não passou um instante sequer pensando no que será do nosso futuro. Em algum ponto, todos refletimos sobre o que será de nós. Mas vou aqui ressaltar o óbvio: você não sabe, eu não sei, ninguém sabe. E nenhum de nós pode mudar isso. Resta, então, aceitar.

Veja: não te peço que abra mão da compaixão — quase instintiva ao ser humano —, ou de tomar responsabilidade: fique em casa, use máscara, lave as mãos, não apoie discurso de resfriadinho, faça as compras essenciais no lugar dos seus conhecidos em grupo de risco… Fazer a sua parte é importante, e eu ousaria dizer que é a atitude moralmente correta a se tomar. Contudo, perceba: vencer essa situação depende de um esforço coordenado, da maioria esmagadora dos indivíduos tomando as mesmas preocupações. E você não pode, de maneira alguma, garantir que isso acontecerá. Nem se você determinasse transformar o Brasil em um estado totalitário sob o seu comando você conseguiria ter essa garantia. O seu comportamento é responsabilidade sua, o comportamento alheio foge do escopo da sua responsabilidade.

Então, sim, estamos provavelmente diante de uma tragédia, só que todo mundo tem um limite de preocupação. Vai chegar uma hora que pensar e lamentar a dor do mundo vai te exaurir, e você não precisa sentir culpa quando chegar o momento em que você fizer as pazes com a ideia de tragédia. Sentir tristeza diante do sofrimento humano não é necessariamente uma virtude, e, certo, sentir alegria seria certamente um vício, mas estar neutro é… Moralmente neutro. E, no âmbito da saúde mental, é provável que seja o melhor que você faz por você.

Certo, falar é fácil, fazer é difícil. Como olhar para uma situação trágica e não se afetar por ela? Tem gente que medita, tem gente que apela para cinismo, tem gente que vai para o humor negro, tem gente que só reprime as preocupações… Na sinceridade? Faz o que funcionar para você. Meu ponto é que é contraintuitivamente libertador aceitar que certas coisas fogem ao nosso controle. É pesado demais agir como se o mundo pudesse ser carregado em nossos ombros. Ele não pode. Às vezes, dar de ombros é a única coisa a ser feita.

Você está a um block de distância de quem não te agrega

Se tem uma vantagem de estarmos isolados das outras pessoas, ela é certamente o fato de que você não é mais obrigado a conviver com gente francamente insuportável. Certo, você não pode ignorar absolutamente todas as pessoas de quem desgosta. Às vezes o seu colega de trabalho só posta lixo em todas as redes sociais, mas comentar no lixo dele pode ser absolutamente necessário para manter a convivência suportável — o mundo está cheio de narcisistas, afinal de contas. Mas assim… Convenhamos: silenciar os stories de gente irritante é mais fácil (e bem-educado) que fingir que não está escutando enquanto conversam contigo no bebedouro.

A comunicação pelas redes sociais é assíncrona, e a interação é facultativa. O que quer dizer que você não precisa dar atenção para quem te faz mal: gente que te irrita, gente que fala porcaria, gente que faz você se sentir triste, gente que te causa rancor… A menos que você seja masoquista (o que, hey, sem preconceitos, mas acho que tem maneiras mais saudáveis de se expor voluntariamente a sofrimento), por que você não corta da sua vida virtual as pessoas que pioram sua situação (que, certamente, já não está fácil)?

Lembre-se: não está fácil para ninguém

Uma coisa que eu estava desabafando com um amigo esta semana: eu genuinamente esqueço que as outras pessoas têm sentimentos. No meu caso, tenho razões peculiares para essa dificuldade, mas também tem o lado mais típico: ninguém fala que está sofrendo. Ninguém chega para você e fala:

Então, ultimamente tudo tem estado bem difícil para mim. Eu tenho postado normalmente nas redes sociais, mas é fachada. Eu na realidade tive uma recaída na depressão, e a ansiedade está me consumindo. Tem dias que eu não consigo largar meu celular. Minha produtividade está sub-ótima. Estava precisando abraçar meus amigos, mas eu não posso, por causa dessa porcaria de coronavírus. Estou morrendo de medo de não conseguir voltar ao estado de antes quando isso tudo passar. E não consigo expressar para as pessoas que estou me sentindo mal, porque confessar sofrimento é frequentemente visto como fraqueza, e sei lá se as pessoas vão continuar depositando a confiança que têm depositado em mim se acharem que sou fraco.

Mas isso é o que muitas pessoas sentem. Não exatamente isso, porém produtividade sub-ótima, vício em redes sociais, recaídas em problemas prévios de saúde mental, medo, saudade dos amigos… Ninguém, repita comigo, ninguém está imune a nada disso. Sim, tem gente lidando melhor, e tem gente lidando pior. Tem gente mais ou menos afetada. Todavia, o cotidiano mudou para todos, e a adaptação é difícil para todos.

Com isso, não quero dizer que você deva simplesmente aceitar o sofrimento e terminar de afundar na fossa, ou que você deva aceitar que só vai voltar a se esforçar por seus planos quando a crise passar. Continue lutando, mas lembre-se de que não está sozinho. Não se pergunte “Por que só eu me sinto assim?”, porque não é verdade que só você se sente. Está todo mundo ferrado, uns mais e outros menos. É pra ser hippie mesmo: o mundo todo unido pela angústia, nós somos um nesse momento. Lembrar que a pessoa que você acompanha, ou a pessoa com quem conversa, também está passando por momentos difíceis ajuda a passar por essa mais forte. Ajuda a lembrar que somos todos humanos, o que facilita que criemos laços, sem os quais dificilmente conseguiremos enfrentar essa situação.

Escreva um diário

Essa é provavelmente a dica mais pessoal que darei ao longo desse texto. Enquanto as outras têm chances de funcionar para todos, essa é bem baseada nas minhas experiências. Mas veja: não precisa ser uma atividade constante, algo que você fará diariamente no mesmo horário, não precisa seguir um modelo perfeito, não precisa ser feito no papel… A única coisa que precisa é funcionar para você.

Acho que um dos maiores benefícios de um diário é o registro. A memória humana é notável por sua baixa confiabilidade, e, de modo geral, temos dificuldade de colocar nossos problemas em perspectiva quando estamos passando por eles. Cada crise parece interminável e pior que a anterior, mas… Será mesmo? Sim, ao longo de nossas vidas passaremos por várias situações inéditas, porém os sentimentos que experimentamos são bem semelhantes entre si, e tendem a ser passageiros. Se eu te disser “Isso vai passar” quando você estiver no olho do furacão, dificilmente você vai acreditar em mim. Mas e se fosse seu “Eu” do passado? Se fosse ele dizendo que achava que não ia passar por aquela crise quando… Veja só, você está aqui, não está?

Outro benefício que eu sinto é que o tempo que eu gasto escrevendo/digitando/falando é maior que o tempo que eu gasto pensando. Minha mente é veloz em pular de “Estou triste” para “Eu sou um ser humano terrível fadado à tristeza eterna”, mas meus dedos fazem esse percurso num tempo muito maior. Se começo a escrever o que estou pensando, minha tendência é de me cansar, e sentir que o raciocínio está concluído, bem antes do estágio de auto-ódio. Se, por outro lado, eu deixar os pensamentos soltos… Bem, o céu é o limite.

Então, fica aí o meu conselho para quem tende às interpretações extremas de emoções. Coloque no papel, ou grave um vídeo falando. Escreva em tópicos, ou em parágrafos imensos. Faça o que for melhor para você. O ponto é que, ao menos para mim, escrever um diário é uma das maneiras mais eficazes que eu tenho para desacelerar pensamentos intrusivos, e se você, como eu, for uma pessoa ansiosa, você precisa achar um método funcional de controlar esses pensamentos, ou eventualmente eles acabam controlando você.

Tenha um mínimo de autocuidado

Autocuidado é algo que já virou um clichê, mas é um daqueles termos que cada um define da maneira que prefere. Eu gosto de pensar em autocuidado como cuidar de mim mesma da mesma maneira que eu cuidaria de um filho. O objetivo aqui, é claro, não é ser um pai tirano (lembrete amigo: palmada não funciona, não bata nos seus filhos), ou superprotetor, ou permissivo, mas sim um pai equilibrado: que repreende quando necessário, comemora quando merecido, e exige bons hábitos.

Isso, claro, é extremamente difícil. Ser pai de outro ser humano é difícil, ser pai de si mesmo talvez seja ainda pior. Você precisa exigir de si mesmo, mas não pode fazer você se sentir um lixo a cada erro (outro lembrete amigo: você vai errar várias vezes). Porém, vamos lembrar aqui porque um pai exige o melhor de seu filho: porque um pai ama seu filho, e quer o melhor para ele, quer que ele construa para si uma vida de felicidade. Você também quer o melhor para si, você também quer ser feliz, e, para isso, você precisa exigir de si o melhor.

Então, se cuide. Se alimente bem, durma bem, faça exercícios, se dê tempo de lazer, descanse depois de um longo período de trabalho ou estudo… Mas também sonhe, e lute pelos seus sonhos. Não é por estar preso em casa que você pode ignorar sua aparência: é importante que você goste do que vê quando olha no espelho, mais importante do que a admiração alheia é a admiração própria. Não é por poder trabalhar em qualquer horário que você deve fazê-lo de meia noite às seis. E não é por estar tendo dificuldade em se adaptar à situação que você deve se penalizar. Pelo contrário: se você está tendo dificuldades, é de amor próprio que você vai precisar para descobrir como dar a volta por cima. E, fique tranquilo: você vai dar a volta por cima.

Obrigada por ler esse texto! Eu espero muito que tenha sido útil para você. O que você tem feito pela sua saúde mental nesse período? Gostou das dicas? Qual tem sido sua maior dificuldade nessa quarentena? Comente aqui! E não se esqueça de me acompanhar nas redes sociais se estiver curtindo meu conteúdo :)

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