Universidades públicas adotando o Ensino a Distância: estaríamos diante de uma oportunidade?

Apesar de desafiadora, a adoção emergencial do ensino remoto possibilita reflexão sobre as falhas de nosso rígido sistema educacional

Amanda de Vasconcellos
O Prontuário
5 min readAug 2, 2020

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Quando um amigo sugeriu que eu falasse sobre a volta às aulas na UFMG, eu duvidei da minha capacidade de fazê-lo sem apelar para o cinismo. Com efeito, não são poucas as críticas que tenho a fazer sobre o modo como minha universidade lidou com a suspensão das aulas em meio à pandemia, mas há quem tenha falado disso com mais eloquência. Todavia, o resultado final de todos os meses de discussão me pareceu até bem positivo, e gostaria de convidar o leitor a refletir comigo sob uma ótica mais otimista.

Vamos ao contexto: a Universidade Federal de Minas Gerais retomará amanhã, dia 3 de agosto, suas atividades, na modalidade de Ensino Remoto Emergencial (ERE) — o nome que foi dado ao Ensino a Distância (EaD) neste contexto de pandemia. Pelo que fiquei sabendo de conhecidos, outras universidades públicas adotaram práticas semelhantes, e também devem voltar à ativa muito em breve.

Já de início, considero acertada a decisão de chamar o novo modo de operação de ERE, em vez de utilizar o conhecido nome de EaD. Claro, esta é uma mera questão semântica, mas creio que empregar nomes distintos será algo interessante quando vierem, no futuro, as análises dos resultados desse período. Sem essa diferenciação, seria muito fácil empregar tais análises para concluir que “EaD funciona” ou que “EaD não funciona”. Evidentemente, as condições que vivenciaremos no ERE serão bem distintas daquelas que vivenciaríamos em cursos já previamente concebidos e planejados para funcionamento remoto.

E seria ingênuo — ou até mesmo desonesto — da minha parte negar os vários problemas que podem ocorrer dentro da nova modalidade. Não que o ensino presencial e clássico não tenha seus problemas, e não que seja possível criar um modo perfeito de ensinar, porém algumas situações serão particulares ao ERE, e certamente alguns erros poderiam ter sido evitados, mesmo considerando todo o contexto de caos e pandemia. Desde o início da quarentena, até as previsões mais otimistas sugeriam que as aulas presenciais não retornariam tão cedo. Pensando nisso, considero que muito tempo foi desperdiçado em discussões. Caso decisões houvessem sido tomadas mais cedo, poderia ter havido maior planejamento da logística do ERE, o que teria permitido até mesmo uma melhor implementação de medidas de inclusão digital — a maior preocupação durante todo esse tempo.

Isso tudo posto, acredito que esta será uma chance única de visualizarmos na prática a implementação em larga escala da educação remota, e as próprias diretrizes adotadas pela UFMG já me fizeram refletir sobre como podemos modernizar o ensino superior. Logo de início, chama a atenção que a carga horária total dos próximos dois semestres poderá ser reduzida a até 80% da original, o que incentiva a pergunta: será que precisávamos mesmo da carga original para começo de conversa? Ademais, serão consideradas como parte da carga horária diária as 2 horas que foram reservadas para que os alunos façam leitura de bibliografia. Quase como se nós fôssemos capazes de aprender quando lemos livros… Quase como se as horas diárias que passamos estudando o conteúdo dado em aulas fizessem parte do tempo que dedicamos à universidade… Isso tudo me leva a pensar no quanto a educação é, atualmente, engessada, muito mais voltada a garantir uniformidade que a permitir que cada estudante busque, dentro de sua individualidade, a melhor forma de aprender.

Não serei aqui arauta da “educação moderninha”: aquela educação em que toda criança tem um tablet e que vive procurando maneiras supostamente inovadoras de tornar o aprendizado algo mais divertido. Nada contra esse tipo de iniciativa, pois certamente há quem goste de aprender dessa forma, mas boa parte das propostas educacionais que se dizem inovadoras trazem apenas “mais do mesmo”, e acabam se mostrando nada além de modismo. Todavia, é certo que, hoje em dia, a educação é fortemente baseada em autonomia.

Atire a primeira pedra o estudante que nunca contou com o resumo de um colega para estudar para uma prova. Ou que nunca sanou no WhatsApp da turma uma dúvida que o professor não parecia tão disposto a sanar. Que nunca assistiu no YouTube a uma explicação que não foi tão bem fornecida em sala de aula. De fato, por mais importante que seja a figura do professor, ela não é mais a figura de um líder supremo que transmite todo o seu conhecimento ao aluno.

Sabemos também que, ao menos no Brasil, as universidades públicas são o padrão ao qual as instituições buscam se equiparar. A adoção do ensino remoto por elas, ainda que num contexto de calamidade, é a ruptura da “fronteira final”, visto que era delas que vinha a maior parte da resistência à educação a distância.

Não creio que a EaD seja o futuro, mas também não creio que ela seja o fim dos tempos para a educação. Ela é, sobretudo, um convite à reflexão acerca dos papeis do professor e do aluno na sala de aula do século XXI. A meu ver, já passou da hora de vermos o lado positivo dessa modalidade, especialmente no Ensino Superior, cujo aluno já tem idade suficiente para ser responsabilizado por suas decisões no que concerne o gerenciamento de seus estudos.

Num mundo em que a EaD seja mais normalizada, será possível que os estudantes tenham mais flexibilidade para trabalhar ou desenvolver projetos pessoais nas horas vagas. Os professores passarão menos tempo em sala de aula, e poderão se dedicar mais à pesquisa científica — que, sejamos honestos, é a prioridade da maior parte daqueles que dão aulas em grandes universidades. A interação professor-aluno será mais individualizada, e aquele aluno tímido, que não quer expor para todos os colegas suas dúvidas, poderia saná-las com um simples email. Diminui também o trânsito e a poluição, pois é menor a necessidade de deslocamento para o campus — uma bênção também aos alunos que moram distantes de suas universidades. Conhecimento poderá ser oferecido em maior escala, e será facultado ao aluno procurar a aula que mais lhe convém: prefere essa matéria explicada devagar ou rápido? Com muitos exemplos ou de forma mais pura e abstrata?

É claro, são várias as falhas nesse modelo, mas é interessante pensar que, com menor resistência das universidades públicas, é mais provável que aumente a oferta de cursos de modalidade remota após o fim da pandemia. Também por conta da adoção quase universal durante esse período, a maior parte dos conselhos de classe deve perceber que não há motivo para impedir que seu ofício seja ensinado também virtualmente.

Meu ponto principal é que podemos estar diante de um futuro com mais opções. É possível que tenhamos mais liberdade, no futuro, para escolher como preferimos ser educados. Haverá quem prefere as salas de aula presenciais, e haverá quem prefere aprender da escrivaninha de casa. E eu espero que, muito em breve, nós possamos ter um sistema educacional que nos dê autonomia para fazer esse tipo de escolha.

Obrigada por ler esse texto! Me conta: como você está se sentindo com a retomada das aulas? Quais você acha que serão os efeitos disso no longo prazo?

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