Duelo de bases gigantes
Em série de crônicas do Puntero Izquierdo, torcedores escrevem sobre a alma de seus rivais. Diante da final da Libertadores da América, uma santista fala sobre os garotos do Palmeiras (neste link, um alviverde trata do adversário alvinegro).
POR ANITA EFRAIM
Nos últimos anos, o Palmeiras ganhou a pecha de time de novos ricos. Uma arena ultramoderna (de dar inveja a qualquer um que não consiga ficar um jogo inteiro sem usar o banheiro), investimento em contratações de jogadores compreendidos como de alta qualidade e outras alegrias momentâneas que o dinheiro é capaz de comprar.
Por outro lado, veio a elitização do futebol, os ingressos caros, o impedimento de que o torcedor “raiz” estivesse dentro do estádio e até mesmo ao redor da grandiosa arena na zona oeste de São Paulo.
É verdade que todo investimento financeiro trouxe retorno ao clube, que conquistou a fatídica (pelo menos pra mim) Copa do Brasil em 2015, o Brasileirão em 2016 e 2018 e conseguiu ir longe em algumas edições de Libertadores. Mesmo assim, no início de 2020, com Vanderlei Luxemburgo no comando da equipe, qualquer rival notava que ainda havia uma irritação no palmeirense, uma insatisfação relevante. Tinha, talvez, algo de orgulho faltando ali. Um brilho que dava pra ver no olho do torcedor do Palmeiras que viu o sucesso de Gabriel Jesus em 2016.
Por trás dos processos mais óbvios, que qualquer um que assista canais esportivos consegue notar, o Palmeiras fez um trabalho de dar inveja com a base. Sim, aquela mesma base da qual o torcedor santista sente tanto orgulho, quando se trata da formação de meninos no CT Meninos da Vila (infelizmente, largado e ultrapassado graças a péssimas administrações anteriores).
Só em 2019, a base do Palmeiras conquistou 16 títulos. Além de um trabalho de amplo investimento e gastos exorbitantes do mercado nacional pra levar jogadores para o CT da Barra Funda, o Palmeiras voltava a fomentar aquilo que há de mais importante no futebol, a formação de jogadores próprios, a tal “Academia” voltava a mostrar suas caras depois de ter feito esforços enormes para trazer atletas que, muitas vezes, não compensavam.
Ser um time de futebol formador, como o santista bem sabe, é um orgulho que nem todos podem ter. Formar um jogador de futebol desde moleque é um processo complexo, cheio de nuances. É preciso ensina-lo não apenas a ser um jogador de futebol, mas uma pessoa melhor pro mundo.
Um jogador sem os vícios das antigas gerações, que consiga passar por cima das dificuldades de uma adaptação ao profissional, que não reproduza os terríveis estereótipos de virilidade relacionados do mundo do futebol. E quando dá certo, o orgulho é grande.
No próximo sábado, haverá, sim, um encontro de gigantes no Maracanã. É uma final imensa, a primeira final paulista da história da Libertadores da América, mas é, também, um encontro dos garotos. Os garotos do Palmeiras, Gabriel Menino, Patrick de Paula, Gabriel Veron e outros, encontram os Meninos da Vila Sandry e Kaio Jorge, para decidirem qual deles, todos com no máximo 21 anos, poderá chegar à Glória Eterna.
Há, claro, grandes nomes nos dois elencos que não são mais garotos, como Weverton, Marinho, Soteldo, Luiz Adriano e outros. Mas acredito que o brilho dessa final esteja justamente no acerto de criar jogadores na base, investir no futuro deles para que, na hora certa, eles se provem grandes homens, a partir da experiência proporcionada pelo clube.
É importante dizer que, de um dos lados, há mais juízo do que sorte e, do outro, mais sorte do que juízo. O Santos é conhecido pela formação de jogadores hás décadas, mas quase perdeu Kaio Jorge por um contrato mal feito, não tem uma estrutura excelente para as categorias de base e pouco respeita os processos necessários para o pleno desenvolvimento de um atleta para que ele deixe de ser uma aposta e vire uma realidade no cenário do futebol brasileiro.
Nesse sentido, há muito que se aprender com o Palmeiras, que há anos trabalha com uma estrutura melhor para os jogadores, prospectando talentos de forma mais apurada e, consequentemente, ganhando inúmeros campeonatos nas categorias de base. Mais importante que isso, chega a uma final de Libertadores e, no mesmo ano, a uma final de Copa do Brasil, com alguns desses jogadores como sendo os principais responsáveis pelos seus feitos.
Quem levar pra casa da taça da Libertadores da América o terá feito por jogar muita bola de forma coletiva, mas há, sim, uma emoção a mais em ver que os feitos mais importantes são de jogadores nascidos e criados no próprio clube.
Que palmeirense não ficou encantado com o jogo de Gabriel Menino contra o River Plate? E haja maturidade para, em Buenos Aires, no auge dos 20 anos, ser senhor de Avellaneda contra o River de Gallardo, pelo amor de Deus…
Da mesma maneira como o mundo viu o gol mais rápido marcado por um brasileiro em uma Libertadores, quando Kaio Jorge teve certeza que seria mais rápido que David Braz e abriu o placar contra o Grêmio com 10 segundos de jogo na Vila Belmiro.
Todo gol em uma Libertadores desperta no torcedor um sentimento inimaginável. Mas quando um menino que passou a vida entendendo o que é Palmeiras, o que é Santos, balança as redes, uma emoção diferente explode no peito. Se hoje o Palmeiras colhe os frutos, é porque soube plantar e regar com cuidado e carinho as sementes de grandes jogadores. O Palmeiras, aquele que forma, aquele da Academia, do jogador formado em casa, sem depender de investimentos altíssimos, vê no processo da temporada de 2020/2021 o florescer de suas raízes.