Metacrônica #4

Ou “a (re)volta dos que não foram”

Mariana Prates
QUARANTENADA
7 min readDec 22, 2020

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O cenário dos últimos meses. Foto: arquivo pessoal.

O despertador toca às sete e meia em ponto, indicando que mais um dia está aí para começar.

Acordo com o som, mas não saio do lugar. Faço uma pergunta a mim mesma; por que hei de levantar? Não pretendo sair de casa. Não pretendo fazer nada que demande minha pontualidade, nada urgente o bastante para que eu resista à tentação diabólica de dormir mais cinco minutinhos. Tenho um bocado de afazeres, é verdade, mas posso muito bem cochilar até a hora do almoço e adiá-los para mais tarde. Ninguém achará ruim que eu procrastine mais essa manhã, ninguém além de mim mesma, ao menos.

Suspiro.

Em algum momento do semestre passado, um professor — em meio às aulas online, das quais falaremos em breve — disse que a pandemia nos obriga a viver como vampiros desmotivados. A comparação na hora rendeu risadas, mas percebo que ele tinha razão: sem prazo para nos deixar, o Corona acaba nos condenando a uma vida de angústias que parecem eternamente presentes no dia a dia, modificando toda e qualquer rotina entusiasmada que tenhamos tido antes de tudo isso começar.

Edward Cullen que me perdoe por me apropriar de sua existência, mas eu me sinto uma vampira desmotivada. Não sei qual a sensação de viver a eternidade, mas aposto que é algo bastante parecido com o que venho experienciando nos últimos meses: acordar já pensando que o dia que se inicia será exatamente igual ao anterior, que por sua vez foi idêntico ao que veio antes dele, e também ao que virá depois, e seguiremos assim sucessivamente até o fim dos tempos.

Neste mês de dezembro, completamos nove meses desde a suspensão das atividades presenciais na UFMG. Muita coisa ocorreu desde então: a adoção do Ensino Remoto Emergencial, carinhosamente apelidado de ERE; o corre-corre da comunidade acadêmica para se adaptar à nova realidade. Apesar dos perrengues (quem diria que seria tão complicado abrir o Microsoft Teams), o semestre online entre agosto e outubro ocorreu melhor do que eu esperava, e sobrevivi ilesa até as férias “de inverno” ( que, pelas mudanças de calendário, duraram menos de um mês).

Por estar ao final da graduação, tive apenas duas matérias — Plataformas e Algoritmos, uma abordagem teórico-social-comunicacional das mídias sociais e implicações que elas trazem na sociedade, e o projeto de conclusão de curso, também conhecido como este querido blog. Os primeiros dias foram difíceis: demorei para entender o funcionamento da plataforma de aulas online, e cometi alguns deslizes ao ajustar minha rotina de home-office, no entanto, chegamos na reta final com quase 100% de aproveitamento em ambas as matérias. Nada mal para uma estudante enclausur(t)ada, não é mesmo?

Apesar da pandemia, pode-se dizer que obtive resultados razoáveis. Foto: reprodução/MoodleUFMG

Decidi fazer uma enquete com amigos de diferentes cursos para saber se suas experiências foram compatíveis às minhas, e me surpreendi com a diversidade das reações. Enquanto alguns estão passando por sufocos ao lidar com o novo sistema, outros seguem tão acomodados que não sentem grandes saudades das aulas presenciais.

Dentre os relatos, temos:

Uma estudante de Arquitetura e Urbanismo frustrada, que não está conseguindo se comunicar com os docentes;

Fonte: Reprodução/Whatsapp

Uma estudante de Medicina que está aproveitando o novo modelo para dar uma relaxada na correria que ouvimos dizer nos cursos da Saúde;

Fonte: Reprodução/Whatsapp

Outra vampira da Avenida Alfredo Balena, desmotivada porém acomodada na nova realidade:

Fonte: Reprodução/Whatsapp

Um colega recém-formado em Publicidade e Propaganda, que se viu representado pelo testemunho anterior:

Fonte: Reprodução/Whatsapp

E uma mestranda em Ciências da Comunicação que acabou de se juntar, agora em janeiro, à comunidade acadêmica da UFMG, mas já está se adaptando ao nosso ERE.

Fonte: Reprodução/Whatsapp

No balanço geral, acredito que meu círculo social esteja indo muito bem.

Outra pessoa que aproveitou a maior flexibilidade para pegar firme nos estudos foi meu irmão, Felipe. Após quatro meses em São Paulo, ele retornou para Belo Horizonte em julho, bem a tempo de pegar o (re)início das aulas da UFMG. Nas devidas circunstâncias, o colegiado de Engenharia Elétrica permitiu o destrancamento das duas matérias que faltavam para sua formatura: Fundamentos de Conversão Eletro-Eletrônica e Laboratório de Eletrônica II — que segundo ele são as mais complexas do curso, e eu, das humanas, nem sonho em discordar. E adivinhem: ele passou!

(Raspando no 60%, mas passou).

E foi assim que, após nove fatídicos anos, Felipe finalmente se graduou na Escola de Engenharia da UFMG. Houve transmissão ao vivo da colação de grau para amigos e familiares, e por aqui nos amontoamos na sala de estar para ver meu irmãozinho, do quarto ao lado, realizar o juramento que finalmente o tornou engenheiro eletricista. A brincadeira rendeu até bolo, acredita?

Felipe durante sua colação de grau: "Juro honrar o grau que solenemente recebo, exercendo a profissão de engenheiro com ética, dignidade e respeito à vida e ao meio ambiente. Com meu conhecimento científico e tecnológico, buscarei contribuir para o desenvolvimento socialmente justo do Brasil e a prosperidade do homem". Foto: reprodução/YouTube.

Já para nós, os “MM 2020/2”, o ERE não foi a única batalha do semestre. Após o anúncio por parte da Diretoria de Relações Internacionais quanto à suspensão das mobilidades, a universidade não anunciou se haveria adiamento para 2021 ou cancelamento definitivo das vagas. Para alunos em final de curso (como eu), a incerteza significou um dilema: postergar a formatura, ou se formar logo de uma vez e buscar novos projetos, empregos, pós-graduações? Sem uma certeza, fosse ela positiva ou negativa, muitos veteranos se sentiram em um limbo educacional, sem conseguir planejar a própria vida acadêmica e profissional.

Sem receber respostas, uma colega da Publicidade e Propaganda que iria para Portugal desabafou comigo as suas frustrações:

Fonte: reprodução/Whatsapp.

Frente ao silêncio da universidade, um grupo de formandos “MM 2020/2” se mobilizou para reivindicar o adiamento da oportunidade para o segundo semestre de 2021, pela impossibilidade tanto de viajarem na pandemia, quanto de participarem de um novo processo para 2022. Sendo assim, estudantes de diversas áreas se uniram para fazer uma abaixo-assinado (com 352 apoiadores) solicitando o adiamento, uma carta aberta à comunidade acadêmica para explicar a situação e até uma página do Facebook para divulgar os manifestos:

Página inicial dos “MM 2020/2”, no Facebook. Foto: reprodução/Facebook.

A partir da mobilização, em setembro de 2020 a DRI divulgou um comunicado oficial em seu site, afirmando que estudam a retomada dos fluxos de intercâmbio:

Em consulta realizada a 121 instituições de ensino superior (IES) de 31 países distintos, em junho de 2020, 56% delas ainda não haviam definido como transcorreria o segundo período acadêmico do ano de 2020. Esse contínuo monitoramento do cenário internacional, com a gradual normalização dos fluxos internacionais e das ações de cooperação acadêmica, sugere que iniciemos agora os preparativos para a retomada das mobilidades internacionais na UFMG. A expectativa da Diretoria de Relações Internacionais, ouvido o Comitê Permanente para Ações de Acompanhamento e Enfrentamento do Novo Coronavírus da UFMG, é poder restabelecer os trâmites usuais no segundo semestre letivo de 2021. Essa normalização do fluxo, porém, é uma expectativa, baseada em evidências e projeções científicas, sujeita a revisões de curso, dado o quadro de extrema instabilidade acarretado pela pandemia.

O comunicado foi reforçado pelo Diretor de Relações Internacionais da UFMG, Aziz Saliba, na 3a edição online do Encontro de Mobilidade Internacional, transmitido via YouTube em 24 de outubro de 2020. Na ocasião, o professor afirmou que os intercâmbios seguem com planos de retomada em 2021, porém, tudo depende de como estará a situação por lá. Ou seja: como tudo nesta pandemia, o futuro das mobilidades segue incerto em meio à alta nos casos de Covid no Brasil e as novas mutações do vírus ao redor do mundo.

Postagem da DRI quanto ao comunicado de adiamento. Foto: reprodução/Instagram

Apesar das críticas à falta de respostas, a DRI vêm tirando as dúvidas dos alunos ansiosos. Não fui atendida ao buscar uma réplica do órgão por telefone, mas sei que um de nossos colegas recebeu a seguinte resposta em meados de janeiro (2021), ao indagar sobre o futuro das mobilidades:

Email enviado pela Diretoria de Relações Internacionais, em janeiro de 2021. Fonte: reprodução/Gmail.

Não sabemos exatamente onde dará, mas preciso dizer que estou otimista quanto aos próximos passos. No último domingo (17/01/2020), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária aprovou por unanimidade o uso emergencial das vacinas CoronaVac e Covishield, dando início à imunização contra o Covid-19 no Brasil. A UFMG segue sem previsão para retornar às aulas presenciais, mas com a chegada da vacina, espera-se que os planos sejam revistos em breve para possibilitar um retorno seguro e consciente, assim que possível.

Continuamos vampiros desmotivados, seguindo um dia após o outro na imensidão de uma eternidade morosa, no aguardo do fatídico instante em que teremos a honra e a glória de sairmos no Sol novamente. No entanto, admito que o novo ano de 2021 começa nos trazendo um pouco mais de animação para nos juntar à rotina quando toca o despertador às sete da manhã.

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Mariana Prates
QUARANTENADA

devaneios de uma escritora em crise de (pouca) idade