Metacrônica #5

Ou “só sei que ainda não sabemos de muita coisa além do óbvio”

Mariana Prates
QUARANTENADA
5 min readFeb 17, 2021

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Foto: arquivo pessoal.

Estive batutando sobre o que escrevi na Primeira Metacrônica, sobre as poesias e maldades de um moço chamado Cronos. Naquela época, eu disse:

O Tempo, diziam os gregos, é cruel e incansável. Ele carrega consigo o destino de todas as pessoas, e pode num estalar de dedos mudar o que estivera certo até então. Ele não sente pena ou compaixão — apesar de todos os nossos esforços, o Tempo segue devorando existências dia após dia, sem se importar que vidas são essas das quais está se tratando. É, como já disse, cruel. Mas também é um processo bastante democrático. Ao meu ver, ao menos.

Talvez seja por isso que nós, humanos, tenhamos tanta ânsia em registrar o tempo em que passamos no Tempo. Porque se Ele é infinito, e nós, passageiros, a gente precisa deixar algum tipo de marca. Algum sinal: ei, eu tô aqui! Se Ele vai nos devorar, o mínimo que espero é que alguém lembre que estive aqui, viva e forte, antes de ser servida para o jantar.

Engraçado dizer, mas acho que essas palavras foram algum tipo de epifania. A impressão inicial ao pensar nos últimos meses, é a de que todos os dias se juntaram em um só, de forma a parecer estranhamente fluidos na minha mente. No entanto, tirei um tempo para reler os relatos quarantenados que escrevi até aqui, e eles foram como a um farol perdido em meio ao nevoeiro, me apontando aquilo que estava complicado de enxergar: Eu fiz muitas coisas!

Já sabíamos disso, é claro. Teve até uma crônica específica sobre Mariana Fazendo Coisas Demais, o que na época acabou gerando algumas crises existenciais, mas assim como previ no meu primeiro relato, o registro escrito foi uma forma de burlar as leis do Tempo, eternizando os altos e baixos hercúleos de minha jornada enclausur(t)ada: conheci Paris, não exatamente do jeito como pretendia. Fiz vários amigos no meio do caminho, mesmo que virtualmente. Aprendi a me entender melhor em momentos de crise e consegui desenvolver um blog durante um ano inteiro, o que é um feito e tanto, considerando meus tropeços na procrastinação.

E o melhor: está apenas começando.

No dia 8 de fevereiro de 2021, a Diretoria de Relações Internacionais da UFMG entrou em contato com os estudantes que haviam sido aprovados para o Minas Mundi, solicitando a confirmação do interesse para um possível intercâmbio em meados de 2021:

Mensagem enviada pela DRI. Fonte: reprodução/MoodleUFMG.

Nós ficamos, para dizer o mínimo, surpresos. Da primeira vez que recebemos o pedido de confirmação da mobilidade, quando a vida ainda corria aos moldes da normalidade em outubro de 2019, nós fizemos até festa aqui em casa. Eu e minha amiga Giulliana, que havia sido aprovada no mesmo edital, trocamos mensagens entusiasmadas e fizemos um milhão de planos sobre o que estaria por vir, fantasiando sobre como seria o tal sonhado intercâmbio.

Da mesma forma, assim que recebi a mensagem da DRI na semana passada, encaminhei a mensagem à Giu. Dessa vez, a interação foi um pouco mais discreta:

Interações menos acaloradas do que no ano passado. Fonte: reprodução/Whatsapp.

Não significa que não estejamos entusiasmadas com a notícia de que nossa oportunidade pode voltar a acontecer. Porém, em meio à instabilidade que permeia esse tempo, nós andamos receosas. A própria DRI fez questão de reforçar que não há nada confirmado, e o formulário em si foi apenas para averiguar a situação e planejar os próximos passos.

Formulário enviado pela DRI. Fonte: reprodução/Google.

Entrei em contato com a Mathilde, minha madrinha parisiense que serviu de fonte na crônica dos estereótipos franceses, para perguntar como anda a situação lá no seu país europeu. Ela disse que a Sorbonne está atuando no formato semi-presencial, com as turmas divididas em dois grupos que intercalam aulas online e no campus. Ainda não há informações de como será a partir de setembro, mas ela espera que possamos nos conhecer pessoalmente em breve, caso a UFMG continue com os planos de retomar as mobilidades. Contei para ela sobre meu ceticismo, mas que compartilho das mesmas esperanças, e vou mantê-la a par das atualizações.

“Oi Mathilde! A Paris 3 já informou se as aulas vão continuar on-line no próximo semestre? Porque minha universidade acabou de retomar os processos de mobilidade para o segundo semestre de 2021! Mas ainda estou um pouco cética”. Fonte: reprodução/Whatsapp.

A pandemia ainda não acabou. Aqui no Brasil, seguimos com uma média de 40 mil novos casos a cada dia. A vacinação segue para grupos prioritários, mas ainda não fazemos ideia de quando chegará até toda a população. Todos os dias nos deparamos com notícias sobre festas ilegais e aglomerações inconsequentes sendo barradas pela polícia, o que impacta o números de casos e agrava a situação.

Da mesma forma, a França, país de território similar ao estado da Bahia com um terço da população brasileira, tem média de 18 mil novos casos por dia. O país segue com toque de recolher desde 15 de janeiro, sem previsão para término, sem circulação livre de pessoas após as seis horas da tarde.

Gráfico de novos casos da França e do Brasil desde 13 de março de 2020 até 16 de fevereiro de 2021. Fonte: reprodução/Google.

Diante dos fatos, Giulliana e eu debatemos sobre o que faremos a seguir, e chegamos à conclusão socrática: só sei que nada sei. Sigo no aguardo das peripécias incontroláveis de um Tempo imprevisível, sem negar quaisquer possibilidades positivas. Quem sabe um dia, mesmo que não tão em breve, iremos realizar novos experimentos narrativos lá da terra dos franceses?

Até lá, sigo realizando-os por aqui. Acredito que não pelo Quarantenada, pois este ciclo me parece ter chegado ao fim: quase 12 meses, 21 crônicas e 36 mil palavras, um blog criado como meu projeto de conclusão de curso, mas que acabou se tornando meu companheiro de pitacos e desabafos durante a quarentena. E o mais engraçado é que, apesar de seu propósito principal, eu ainda nem vou me formar, já que o anúncio da DRI acabou me deixando novamente em dúvida com relação a meu futuro acadêmico e profissional.

É um pouco irônico, mas nessa altura do campeonato, já sabemos estar longe de controlar alguma mudança do destino. No momento, espero continuar correspondendo estaticamente até que a gente possa desbravar o mundo outra vez, esperando que o deus Cronos se apiede de nossa jornada antes de bolar os próximos capítulos de um tempo que virá.

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Mariana Prates
QUARANTENADA

devaneios de uma escritora em crise de (pouca) idade