Pesquisa contínua: o que aprendemos ao estabelecer conversas recorrentes

E as vivências do laboratório da vida real em um contexto remoto

Karen Santos
QuintoAndar Design
Published in
8 min readJun 15, 2021

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No primeiro trimestre de 2021 Bia Figueiredo, minha Design Manager, havia começado um movimento de pesquisas recorrentes com inquilinos e proprietários, porque sentíamos falta de explorar temas mais abertos e analisar a experiência como um todo além do que já víamos nos times. Queríamos criar uma rotina e fazer com que outras disciplinas entrassem em contato com as dores do cliente e, consequentemente, pudessem encontrar oportunidades fora do nosso radar.

Mas, como poderíamos fazer isso no contexto pandêmico em que tudo passou a ser remoto?

Se, por um lado, o cenário remoto facilita esse contato mais frequente com o usuário, por outro, aprendemos que na vida real não dá pra ter controle de tudo e que é preciso muito jogo de cintura para determinadas situações. Além disso, as pessoas desejam contato humano, sobretudo nesse momento de isolamento social, e conversar é um respiro para muitas delas.

Mas, antes de aprofundar, o que é a pesquisa contínua?

A pesquisa contínua do usuário é uma pesquisa de ritmo rápido que é de natureza aberta. Não é dedicado a nenhum tópico específico e não é uma pesquisa que alguém peça. — Thomer Sharon

Esse modelo de pesquisa exige etapas que envolvem iniciação, planejamento, recrutamento, coleta de dados, síntese e análise, relatório e acompanhamento.

Nosso cronograma foi:

  1. Definir objetivo, frequência e coleta da base de usuários
  2. Estabelecer os responsáveis
  3. Criar o roteiro
  4. Envolver o time todo para observar
  5. Moderar, e preparar-se para o inesperado
  6. Compartilhar os resultados

1. Definir objetivo, frequência e coleta da base de usuários

Primeiro, levantamos quais os objetivos dessa pesquisa e quais etapas da jornada gostaríamos de mapear. Após definir o objetivo, precisávamos entender quantas vezes na semana iríamos nos dedicar a esses papos e quais os tipos e perfis de usuário que gostaríamos de falar.

Começamos aplicando 2 vezes com 2 entrevistas por dia — no total, tivemos um número significativo de pessoas mas percebemos que poderíamos reduzir.

2. Estabelecer os responsáveis

É importante definir quem serão as pessoas que puxarão a pesquisa contínua, que serão responsáveis por:

  • Conversar com os usuários;
  • Organizar as pesquisas;
  • Criar o roteiro;
  • Organizar agenda;
  • Chamar as pessoas para observar no dia do papo;
  • Realizar a tabulação mais detalhada das conversas;
  • Levantar insights e oportunidades de melhoria;
  • Levantando a discussão com diferentes pessoas da tribo.

Decidimos que essas pessoas seriam designers, por já terem a convivência mais próxima com os usuários e pela prática de realizar entrevistas de profundidade. Porém, nada disso foi construído apenas com os designers da tribo, aqui no 5A temos o time de Research Ops, e a Daniela Matos, que nos ajudou de ponta a ponta nessa construção, entrando em contato com os usuários para relembrar o dia da entrevista, montando templates de documentação, nos auxiliando na observação e tabulação e contribuindo no levantamento de oportunidades e melhorias no processo de pesquisa.

3 . Criação do roteiro

Tão importante quanto a estrutura da pesquisa, é a elaboração do roteiro. Ele vai te guiar na conversa, que não precisa ser engessada e nitidamente lida, e que pode ser um norteador para que esse papo não surja apenas das nossas ideias nem permita que esqueçamos de detalhes importantes. Dito isso, a nossa construção e roteiro foi também colaborativa, onde diversos designers opinaram nos dois modelos, um para pessoas proprietárias e outro para pessoas inquilinas, contribuindo para diferentes pontos de vista e para acelerarmos nosso processo de criação.

4. Envolver o time todo para observar

Lembra que uma das nossas premissas era engajar outras pessoas e diferentes disciplinas com a pesquisa?

Então, para isso convidamos Product Owners, Product Managers, Engenheiros, Analistas, e diferentes pessoas e perfis que atuam no dia a dia da tribo de Rental Management para contribuir e observar. Nesse papel de observação, a pessoa responsável deveria entrar na chamada com a pessoa que realiza a pesquisa e anotar o máximo de detalhes.

Para que o usuário não ficasse confuso e assustado, tínhamos alguns combinados como: deixar a câmera ligada para trazer aproximação, manter o microfone desligado para evitar ruídos, anotar as dúvidas que pudessem surgir e, quando o pesquisador finalizasse a entrevista, as perguntas que poderiam ser feitas como complemento.

5. Moderar, mas preparar-se para o inesperado

Filtro aplicado para preservar a identidade do usuário

Nesse processo, as coisas mais inusitadas podem acontecer. No meu caso, dentre tantas entrevistas, trago essa como um exemplo: um usuário aceitou conversar comigo ao longo do seu trajeto entre o escritório e a casa. A nossa conversa começou com ele colocando a sua máscara de proteção e se despedindo dos colegas de trabalho. Entre uma interrupção e outra, na descida do elevador até a entrada no carro reservado por aplicativo, eu tentava seguir com meu roteiro e manter uma conversa fluida. Isso, mesmo com o barulho do trânsito, repetindo algumas perguntas, lidando com o fone dele que chacoalhada e a voz abafada na máscara, e a respiração dele ofegante que dificultavam um pouco o meu entendimento.

Ainda assim, nos mantemos firmes, ele empolgado em contar sua experiência e eu em ouví-lo. Na descida do carro, ele pegou um ônibus que tornou o processo ainda mais difícil, mas não impossível. A conversa continuou eu estava conseguindo responder às dúvidas levantadas e, nessa altura da etapa, já havíamos criado uma conexão, a ponto dele trazer sugestões de sugerir melhorias no produto e dar ideias muito relevantes.

Após descer do ônibus, agora tinha uma jornada de caminhada. Visivelmente cansado, ele se esforçava para compartilhar sua história e, chegando nas últimas perguntas, ele subia o elevador do seu lar, o que deixou a conexão um pouco ruim, estávamos próximos de exatamente 48 minutos de conversa e quando ele abriu a porta de casa, finalizamos a nosso papo com um tom leve e de agradecimento e descontração.

-“Ô Karen, deixa eu te falar, estou entrando no elevador, e vai cair o sinal, mais ai eu já chego e volta o sinal…”

No meu quarto, feliz pela conversa tão instigante.

Ter acompanhado esse usuário ao vivo, no seu trajeto diário, foi uma das experiências mais inusitadas que tive em pesquisa, e me exigiu um enorme jogo de cintura. Não só para levantar todos os pontos, como para fazer com que ele se sentisse confortável em conversar comigo naquelas condição de cenário.

E fazer pesquisa é exatamente isso, principalmente remotamente. As circunstâncias nem sempre serão perfeitas, com o melhor local, áudio, câmera, silêncio. Muito pelo contrário, tudo pode acontecer, e estar preparada para lidar com essas diferentes intervenções também é papel de pesquisadora.

6. Compartilhar os resultados

Após a realização da pesquisa, reunimos os designers envolvidos na organização para discutirmos quais foram os principais pontos de melhorias, oportunidades e achados. Inicialmente, na estrutura de pesquisa, testamos fazer através de uma matriz no Notion, com as colunas, não funcionou, pode melhorar, funcionou, vale testar.

Essa dinâmica permitiu que pontos imprescindíveis fossem levantados a partir dos diferentes olhares dos designers presentes. A partir disso, documentamos para que no ciclo 2 de pesquisa contínua esses aprendizados já pudessem ser aproveitados.

Tabulação

Como as pessoas observadoras já haviam anotado as percepções, agora tínhamos o desafio de revisar esse conteúdo e separar em uma nova documentação.

Para tornar o processo mais visual, de fácil e rápido entendimento, decidimos utilizar a tabulação para extração de insights no FigJam (novo software de dinâmicas do Figma). Ele não só permitiu que tivéssemos uma visão mais macro da experiência dos nossos dois perfis, como também trouxe a colaboratividade para o processo e construção, somado a uma melhor percepção sobre qual etapa da jornada poderíamos ter um foco maior no ciclo 2 de pesquisa.

Clique aqui para baixar o modelo de template

Após a tabulação e levantamento de insights, todo o conteúdo foi disponibilizado em um codebook — uma forma de organizar dados das pesquisas, podendo ser criado no formato de uma planilha. Para ser fácil e ajudar na análise e consumo do conteúdo, a partir desse codebook, permitimos que todas as tribos pudessem encontrar quais foram as oportunidades levantadas e experiências vividas, conforme a etapa da jornada ou conforme o perfil do usuário.

Além disso, agradecemos abertamente aos envolvidos, através de um boletim no slack e um resumo dos achados com o link do material completo. Aproveitamos também a reunião semanal de design para abordar, com aqueles que não puderam participar, como foi o processo de construção e o que esperávamos para a próxima etapa, agora mais aprofundada.

Meus aprendizados finais:

  • É de extrema importância manter uma rotina de pesquisa com as pessoas que utilizam o seu produto/serviço. São elas quem vão trazer as oportunidades, melhorias, erros, satisfações e insatisfações, baseados em diferentes perspectivas, vivências e maneiras de uso.
  • As pessoas desejam contato humano, sobretudo nesse momento de isolamento social. Conversar é um respiro para muitas pessoas. Ao recrutar, principalmente proprietários do QuintoAndar, pessoas com 50+ de idade, notou-se que, em 45 minutos de conversa, a chamada por vídeo nitidamente havia contemplado, de alguma forma, a comunicação próxima e visual.
  • Envolver as pessoas da empresa em pesquisa te trará muitos benefícios. Seja com o entendimento mais próximo de diferentes pessoas sobre como os usuários lidam com o seu serviço ou sobre a sua atuação e como melhorar o produto com as suas skills. Isso tudo diminui o distanciamento e o trabalho de ir atrás de grandes documentos, ou revisar longos vídeos, tornando o processo ao vivo mais colaborativo e instigante. Por isso, convide POs, PMs, Devs, Analistas e outros profissionais do seu time para participarem não só das pesquisas em si mas da construção das estruturas delas.
  • Testar e compartilhar os aprendizados te ajuda a melhorar nas etapas seguintes. Isso contribui para que os próximos pesquisadores testem modelos com consideráveis reduções de erros, e gera oportunidade de ajustes em tempo real.

Comenta aqui com a gente se curtiu o artigo e como tem sido a dinâmica de pesquisas com você e sua equipe. 😁

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