“Carta Aberta sobre Pornografia” — dos dois Renomados Terapeutas de Relacionamento, Julie & John Gottman

Ninka
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5 min readMar 28, 2019

“A pornografia nas relações interpessoais já é um assunto em pauta há um bom tempo. Mesmo hoje, recomendações profissionais sobre como manejar o consumo e o uso da pornografia ainda variam imensamente. Nós participamos de um workshop em uma conferência de terapia de casais em que se recomendava aos profissionais que ‘meramente aceitassem’ o uso da pornografia, especialmente pelos homens, como algo natural e inofensivo. Enquanto essa pode ser uma visão extremista, muitos clínicos já sugeriram que, se um casal usa pornografia como um estímulo para sua intimidade, ou se os dois envolvidos concordarem em ler ou assistir material pornográfico juntos, então o uso de pornografia é aceitável. De fato, alguns profissionais até mesmo pensaram que ela poderia aumentar a conexão e intimidade em um relacionamento. No “Bringing Baby Home” (ou “Trazendo o Bebê para Casa”), um workshop para pais de primeira viagem, nós inicialmente utilizamos dessa visão, já que alguns estudos demonstraram que, depois do nascimento de um bebê, a intimidade na relação amorosa diminui e algumas medidas precisam ser tomadas para fortalecer a conexão sexual e íntima do casal.

Recentemente, no entanto, pesquisas sobre o efeito do uso de pornografia, especialmente nos casos onde uma pessoa frequentemente assiste a imagens pornográficas online, mostram que a pornografia pode ferir e muito o relacionamento de um casal. Esse efeito é real, em parte, porque a pornografia pode se apresentar como um “estímulo supernormal” (Ver Supernormal Stimuli de Deirdre Barrett). Nikko Tinbergen, um etologista ganhador do prêmio Nobel, descreveu esse estímulo supernormal como ‘um tipo de estímulo que evoca uma resposta muito maior do que aquela que tem sentido evolucionário’. Um efeito desse estímulo exagerado é que o interesse do indivíduo por estímulos normais é diminuído. Tinbergen estudou os machos dos peixes Gasterosteidae, que naturalmente atacavam os machos rivais que adentravam seu território durante a época de acasalamento da espécie. Em seu estudo, Tinbergen criou um objeto redondo com uma barriga bem vermelha, um vermelho mais intenso do que o vermelho natural dos peixes da espécie. Os machos ferozmente atacaram esse objeto falsificado e, subsequentemente, perderam o interesse de atacar os seus verdadeiros machos rivais. Agora, o estímulo supernormal evocava uma reação, mas não o estímulo natural. (Um efeito análogo foi mencionado no texto “O Mestre da Escravidão”, em que se discute os efeitos da pornografia no cérebro humano e como eles se assemelham a de uma droga. NdT)

A pornografia pode ser considerada exatamente como esse estímulo anormal e exagerado. Com o uso da pornografia, muito mais do que um estímulo natural pode eventualmente ser necessário para alcançar a resposta que o estímulo supernormal passa a evocar. Em contraste, os leveis normais do estímulo não são mais vistos como interessantes. Esse deve ser o motivo pelo qual o sexo se torna muito menos interessante com o tempo para os usuários assíduos de pornografia. Os dados suportam essa conclusão. De fato, o uso de pornografia por um ou dois dos parceiros frequentemente leva ao casal a fazer significativamente menos sexo e no final reduz significativamente a satisfação em respeito ao relacionamento.

Existem muitos outros fatores a serem levados em consideração sobre a pornografia e como ela pode ameaçar a intimidade de uma relação. Primeiramente, a intimidade para os casais é uma fonte de conexão e comunicação entre duas pessoas. Mas, quando as pessoas se tornam acostumadas a se masturbar para a pornografia, elas na realidade estão dando às costas para conexão íntima. Em segundo, quando assiste pornografia, o usuário está em pleno controle de sua experiência sexual, em contraste com o sexo real, onde as pessoas compartilham do controle com seus parceiros. Dessa forma, um usuário de pornografia pode formar uma expectativa irreal de que o sexo será da perspectiva e no controle de uma só pessoa — ela mesma. Em terceiro, o usuário de pornografia pode passar a esperar que seu parceiro ou parceira esteja sempre imediatamente pronto para a relação sexual (veja Come as You Are, Emily Nagoski). Isso também é irrealístico. Pesquisas revelaram que o ingurgitamento (dilatação dos vasos do sistema circulatório) na região genital leva à um desejo por sexo em apenas 10% dos casos nas mulheres, e em 59% dos casos em homens. E quarto, alguns usuários de pornografia racionalizam que o uso da pornografia é aceitável se ela não envolve atos sexuais entre parceiros e ao invés depende apenas da masturbação. Enquanto isso pode fazê-lo alcançar um orgasmo, o objetivo de um relacionamento e conexão íntima ainda é confundido e finalmente perdido.

Ainda pior, muitos dos vídeos e sites de pornografia incluem imagens de violência contra a mulher, que é uma antítese de conexão íntima. O uso de pornografia pode se tornar um vício real com o mesmo mecanismo cerebral que é ativado em outros comportamentos ligados a um vício, como jogos de apostas (veja Your Brain on Porn, de Gary Wilson). A pornografia também pode levar à diminuição da confiança em um relacionamento e a uma maior probabilidade de traição. Muitos sites de pornografia hoje em dia oferecem uma escalada de atividade sexual além de apenas assistir vídeos, o que inclui fazer sexo com outros indivíduos. Finalmente, o acesso à material pornográfico está dando suporte e reforçando uma indústria que abusa dos funcionários e funcionárias para a criação de pornografia (ver The Empire of Illusion, de Chris Hedges).

Nós aplaudimos alguns dos principais veículos de mídia, como a revista Time, que se juntaram ao movimento anti-pornografia. A sua história de capa de abril, que tinha o título “A Pornografia e Sua Ameaça à Virilidade”, se aprofunda em como homens modernos que cresceram assistindo material pornográfico desde crianças e adolescentes estão começando movimentos contra esse tipo de material, na esperança de iluminar a sociedade sobre o enorme poder que ele tem de ferir os Americanos (veja o movimento Fight The New Drug).

Em resumo, nós somos levados a concluir incondicionalmente que, por diversas razões, a pornografia é uma séria ameaça à intimidade relacional e harmonia no relacionamento. Esse momento pede uma ampla discussão pública, e queremos que nossos leitores e seguidores ao redor do mundo entendam o que está sob ameaça.”

de Julie & John Gottman.

Texto traduzido por mim. ❤ Nina Cenni.
Link para a matéria original.

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Ninka
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Cursando PhD em Física. Lutando contra a exploração e violência sexual evidente e inerente à pornografia, prostituição e tráfico humano nas horas vagas.