O Perturbador Lado Escondido da Tendência da Pornografia de Incesto

Ninka
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11 min readNov 23, 2020

Entre na página inicial do Pornhub e você provavelmente verá ao menos um título parecido com “Minha gostosa filha adotiva entra no quarto e me seduz com uma torta de creme”. (Filha adotiva = “Step Daughter”)

Ou “Meu filho adotivo me fez uma visita”. (Filho adotivo = “Step son”)

Ou “Minha linda meia irmã ama pornô & quer foder”. (Meia irmã = “Step Sister”)

Todos esses são títulos que eu estou vendo na pagina inicial do site agora mesmo, enquanto escrevo esse texto. E, se eu recarregar a página, eu vou ser inundada por regurgitações da exata mesma ideia.

Se alguma vez você já visitou um dos vários sites de pornografia nos últimos anos, você provavelmente notou que há cada vez mais e mais vídeos como esses — mesmo que, tudo bem, a maior parte dos vídeos em si sejam representações falsas de incesto (“fauxcest”).

Isso não está acontecendo apenas na nossa imaginação. Se olharmos para 218.000 títulos de vídeos dentre 2008 a 2018, o site de dados e estatísticas “Components” achou uma crescente real em vídeos intitutados com a palavra “step” (que, no inglês, é o prefixo utilizado para indicar que o membro da família não é parente de sangue, que é um “parente postiço”). Eles explicaram isso em seu artigo “Every Story is an Epstein Story: A conversation with Stoya.”

E também não é apenas no Pornhub. Essa tendência está presente através de vários outros, se não todos, os sites de streaming de pornografia. De acordo com Alex Hawkins, vice presidente do site pornô “xHamster”, eles também têm visto uma crescente em vídeos de pornô “step” na última década. No momento em que escrevo isso, há em torno de 10.000 vídeos de pornografia com “step” no título no xHamster — quase 40 vezes mais se comparado há uma década atrás.

“Basicamente todo mundo, desde grandes estúdios, aos criadores de conteúdo premium aos amadores estão produzindo ao menos um pouco de conteúdo “step””, Hawkins disse em um e-mail para o Mashable.

Como é com a própria sexualidade humana, as razões por trás dessa tendência são complexas — tão complexas que a Dr. Gail Dines, professora emérita do Wheelock College da Universidade de Boston, e presidente da Culture Reframed, uma organização sem fins lucrativos que trata sobre a hiperssexualização na mídia, as descreveu como “a tempestade perfeita”.

Tabus e Game of Thrones

Dr. Justin Lehmiller, um pesquisador do Kinsley Institute, inspecionou 4.175 americanos entre as idades 18 e 87 anos e os perguntou sobre suas fantasias sexuais para seu livro “Tell Me What You Want”.

Uma em cada cinco pessoas reportaram terem tido ao menos uma fantasia sobre incesto anteriormente, de acordo com a pesquisa de Lehmiller. Um número muito menor, de apenas 3%, relatou ter fantasias frequentes com incesto. Essas fantasias se mostram em uma enorme quantidade de formas, desde parentes de sangue, a gêmeas, a famílias postiças ao estilo de “Segundas Intenções”.

Buscadores de sensações, aqueles que precisam de um estímulo mais potente para consegui se excitar ou ter um orgasmo, talvez também sejam especialmente atraídos pela pornografia de incesto. Além disso, algumas dessas pessoas podem ter alguma fantasia específica sobre um parente de sangue, o que pode ser o resultado de alguma experiência na primeira infância.

Para muitas pessoas, no entanto, não é um parente de sangue específico que é realmente o fator excitante. Como Lehmiller explicou, “uma grande parte do apelo sobre todos esses diferentes tipos de fantasia pornográficas sobre incesto é o fato de que isso é um grande tabu”.

Incesto é um dos maiores tabus sobre a sexualidade humana, de acordo com Lehmiller. É visto como um ato proibido através de várias culturas e períodos históricos. Mesmo no Pornhub, buscar pelo termo “incesto” não retorna nenhum resultado. Mas, use uma palavra como “step”, ou “papai”, e você será inundado de vídeos do tipo.

“É algo que você não deveria fazer — e você sabe que quando você apenas diz para as pessoas que elas não devem fazer algo, frequentemente isso faz com que elas queiram fazê-la ainda mais, e isso pode nos acompanhar até mesmo nas nossas excitações sexuais”, ele disse.

O recente aumento da fantasia sobre incesto no Pornhub e outros sites não pode ser explicado apenas pelo fato de incesto ser um tabu, no entanto. O que explicaria essa crescente, visto que incesto sempre foi um tabu e não é exatamente uma “fantasia nova” — porque a pornografia de incesto está tendo seu “momento” apenas agora?

“Minha suspeita é que parte disso tem a ver com retratações de incesto em recentes mídias muito populares”, diz Lehmiller, referenciando principalmente a grande série da HBO, Game of Thrones. O imaginário cultural popular é usualmente refletido em nossas fantasias e sub-sequencialmente na pornografia que vamos preferir — e vice-versa.

Acesso, algoritmos, e gravações baratas

Novamente, Lehmiller nos adverte a não simplesmente explicar essa tendência com os fatores “Game of Thrones” e “tabu”. Um usuário do Pornhub vir a clicar em um vídeo com “step” no título porque isso nutre uma de suas fantasias preexistentes, mas esse não é o caso para todos. Ele pode clicar pela imagem, que pode não indicar que aquele é um vídeo sobre incesto, ou pode ser incitado pelos próprios atores nos vídeos.

Além disso, é o fato de que esses vídeos super populares podem estar nutrindo um seguimento menor da audiência, mas que assiste uma tonelada de vídeos pornô, e isso pode nos dar a impressão de que esse tema é mais popular do que realmente é. Lehmiller disse, “Muitos desses sites de streaming estão criando cada vez mais conteúdo para essas audiências em nichos, porque eles são mais prováveis de clicarem nos anúncios dos sites e pagar por pornografia, coisas como essa”.

Realmente, há explicações técnicas e baseadas em algoritmos para esse fluxo, além do fator fantasia.

O editor da Components, Andrew Thompson, apontou que a maior crescente Começou em 2015, o que pode não ser uma coincidência. “Eu penso em 2015 como sendo o ano em que os analíticos acabaram de se inserir completamente em cada canto da internet”, diz Thompson nessa conversa com uma ex-atriz Sonya sobre suas análises de dados.

Thompson comparou a estratégia do BuzzFeed de 2015 de agitar seu conteúdo com material que obtinha respostas instantâneas às tendências dos conglomerados de pornografia que tentavam fazer o mesmo. “Minha impressão é que foi aí que as companhias de pornografia começaram a fazer o que todas as outras companhias de conteúdo estavam tentando fazer”, ele explicou, “que é começar a usar algoritmos para ficarem super sofisticados em criar conteúdo que gera muito engajamento nas redes”.

Os usuários de pornografia irão clicar em um vídeo por uma quantidade de motivos. Alguns têm uma fantasia pré-existente, mas alguns outros estão apenas entediados, eles clicam em qualquer coisa que esteja na página inicial. Independente da motivação, o clique sinaliza para o algoritmo do site que aquele é o conteúdo que as pessoas querem ver, o que significa que o algoritmo irá a prender a servir mais e mais daquele tipo de vídeo. Os usuários entediados continuarão a clicar neles, e o ciclo continua.

“Você pode ver o “pornô step” como uma expressão da percepção que a dona do Pornhub, a MindGeek, têm sobre a sua audiência (ou o próprio gosto do dono da companhia), e suas próprias ideia sobre “o que as pessoas querem” informa o que eles vão colocar nas páginas iniciais”, diz Thompson. “Da mesma forma, o que o Netflix coloca em foco como o conteúdo mais popular de sua plataforma é uma função tanto de sua própria curadoria quanto do gosto dos usuários”.

Em uma fala ao Mashable, um representante da MindGeek disse que “a MindGeek opera separadamente de suas marcas, e não escolhe o conteúdo das páginas iniciais”.

Uma outra mudança que poderia ajudar a explicar essa crescente é algo simples: smartphones. Eles te permitem ter uma maior privacidade, diz Dines. Quando antes você só poderia ver pornografia online em um grande e fixo computador (com internet discada ainda por cima), agora você pode levar seu celular para o banheiro e assistir o que que que você queira. Então, é mais fácil mergulhar em algo que seja um tabu.

Pelo lado da produção, Hawkins da xHamster comentou sobre a praticidade de criar pornô “step” se comparado aos outros gêneros. Já que o orçamento para a produção de pornografia está menor do que nunca, qualquer coisa que seja barata de produzir mas eficiente é atraente para os produtores.

“A caracterização e o script são bem padrões, e você pode filmar em basicamente qualquer casa no subúrbio sem necessidade para sets especiais ou fantasias ou adereços”, ele diz. “Há uma tremenda flexibilidade na idade dos atores, então esse gênero acomoda mudanças de última hora muito bem”.

Um terreno escorregadio?

É verdade que alguns pornôs “step” usam mulheres mais velhas, o tão popular pornô “MILF” (= “Mothers I’d Love to Fuck”, ou “Mães que eu amaria foder”, em tradução livre). Enquanto Hawkins mencionou que os vídeos de MILF são uma subseção do pornô de tema “step”, muitos desses vídeos ao invés disso mostram homens mais velhos com mulheres adolescentes — ou mulheres adultas que são feitas se parecerem com adolescentes.

A pornografia estadunidense se parece com o que ela é hoje por causa da legislação de 2002, o caso Ashcroft vs. the Free Speech Coalition que derrubou o Ato de Prevenção de Pornografia Infantil em 1996. Isso permitiu que as atrizes aparentassem terem menos de 18 anos anos nos vídeos, mesmo que elas precisassem de fato ter ao menos 18. Isso levou à uma enchente de pornografia que retratava atrizes que de fato poderiam se passar por adolescentes com menos de 18 anos. (Gail Dines debateu sobre essa mudança em seu TEDTalk de 2015, “Crescendo em uma cultura pornificada”.)

Então, mesmo que as atrizes sejam adultas, muitas delas podem se parecer com meninas jovens. E isso desencadeou centenas de questões e debates éticos (ou mesmo legais). “Elas são apenas isso — atrizes”. As pessoas nesses vídeos não são realmente parentes, sejam irmãos adotivos ou algo do gênero. “Não é real”, é claro. Mas isso não importa, de acordo com Dines, “porque o usuário está de fato se masturbando para imagens que seu consciente ou subconsciente pensa que é real”.

Imagens pornográficas se desviam do lóbulo frontal de nossos cérebros e vai direto para uma parte menos racional de nossas mentes, ela explicou. Isso significa que, mesmo que cognitivamente nós saibamos (ou imaginamos) que aquilo que estamos vendo não é real, nosso cérebro menos racional acredita que é. E é dessa parte que a excitação nasce.

A estrela pornô Stoya comentou sobre esse fenômeno em sua conversa com Thompson: “As pessoas realmente acreditam que Melody Star é minha colega de quarto. Eles acham que somos colegas de quarto de fato porque éramos colegas de quarto nos vídeos pornô”, ela disse.

Você não pode subestimar a habilidade de pensamento crítico que as pessoas têm quando elas estão assistindo pornografia. Eles a atiram pela janela”, ela disse.

Então mesmo se as pessoas estão assistindo pessoas que tecnicamente não, não são menores de idade, elas ainda se sentem como se elas estivessem de fato assistindo uma versão de pornografia infantil. Pornô “step” que retrata um pai e sua filhinha adotiva é apenas a ponta do iceberg quando falamos de pornografia que brinca com as margens da ilegalidade e sobrevoa o pico da pornografia infantil.

Isso não é dizer que todos aqueles que gostam de pornografia “step” necessariamente irão mais fundo e eventualmente assistirão ou gostarão de gêneros mais eticamente e legalmente problemáticos. Mas, para os usuários mais problemáticos e para os viciados ou no caminho para o vício em pornografia especialmente, assistir esse gênero de pornografia “step” (e pornografia de adolescentes no geral) pode levar a um terreno muito escorregadio.

O futuro da pornografia “step”

Como todas as tendências, esse tipo de pornografia talvez não seja popular para sempre. De fato, Lehmiller parece ter segurança disso. Humanos são atraídos por novidades, e o que era popular uma década atrás não é tão popular hoje por essa razão. “Pode ser que seja apenas uma coisa temporária”, disse Lehmiller.

Na Components, Thompsom se aventurou a comparar a tendência da pornografia “step” com a filosofia guia de Jeffrey Epstein e reiterou essa fala com a Mashable. Nós consumimos vídeos no “modo Youtube/Netflix”, por exemplo, nos lançando de um vídeo escolhido para nós a outro, nutrindo aquela necessidade rara por conteúdo “fresco”. Sexo está agora no “modo Epstein”, argumentou Thompson, transgredindo ao “fazer sexo” com quantas mulheres for possível, quanto mais novas possível. “As mesmas regras operacionais que nos concedeu Epstein também nos concedeu uma máquina que gera o que aparenta ser quantidades infinitas desse material”, ele disse. Enquanto a pornografia certamente não é como o sexo em si, ele provoca esse tipo de experiência no cérebro — indo de vídeo em vídeo, procurando por atrizes o quanto mais “jovens” e “frescas” possível.

A tempestade perfeita a que Dines se referiu — a mudança na legislação, Game of Thrones, humanos sedentos por novidades — nos levou a uma enchente de pornografia “step”, e isso não é tão surpreendente.

“É difícil conceber que apenas a mera coincidência nos levou a ver essa ascendência tão grande de pornografia “step” e de incesto especificamente durante os anos por volta de 2010", disse Thompson, “uma década em que do dia pra noite nós de repente concordamos que foi a mais vazia, excessivamente indulgente, esteticamente neutralizada nos últimos 80 anos — todas as qualidades que eu sinto que descrevem tanto esse tipo de pornografia assim como a classe bilionária que passou os últimos 10 anos pós-recessão consolidando seu poder e dando os termos sobre nossos relacionamentos com esse mundo”.

Epstein em si pode ter ido, mas nossa obsessão cultural com a sexualização de meninas permanece — assim como nossa constante fome por novos conteúdos que são cuspidos em nós e elevados pelos algoritmos. Se a pornografia “step” manterá ou não sua dominância dependerá grandemente se a cultura que alimentou sua ascensão permanecerá.

Enquanto em alguns cantos houve uma tentativa de tendência de produzir “pornografia mais ética”, o poder da MingGeek e conglomerados centrais da indústria pornográfica se mantém inabalável. Entre o movimento #MeToo e os mais recentes “ajustes de contas” sociais, certamente vimos algumas ondas de choque de mudança percorrerem e reverberarem por alguns instantes em nossa cultura — mas será que isso reduzirá a fome que se instalou por pornografia “step” e outros gêneros similares de conteúdo pornográfico? Ou será que não falar sobre isso o fará ainda mais tabu, mais chocante, mais reacionário, e causará a contagem de visualizações subirem ainda mais? Apenas o tempo nos dirá.

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Traduzido livremente por mim ❤ Nina Cenni
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Ninka
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Cursando PhD em Física. Lutando contra a exploração e violência sexual evidente e inerente à pornografia, prostituição e tráfico humano nas horas vagas.