Quanto realmente custa (e paga) ser uma atriz pornô hoje?
Todos nós já ouvimos a pornografia sendo justificada por antigos clichês — ‘ajudou uma estudante a pagar a universidade’, ‘é uma forma de viver uma vida glamourosa e obter dinheiro fácil’, ‘as atrizes são atrizes porque gostam de sexo’.
Mas como frequentemente é na vida, a realidade é um pouco mais complicada.
A verdade é que, de acordo com a Business Insider, as atrizes pornô estão fazendo menos dinheiro que nunca — e isso vindo de um relatório que já tem mais de 5 anos, o que significa que muito provavelmente, a situação ainda é pior do que era e os ganhos são ainda menores do que eram em 2012, já que as companhias de pornografia estão ainda mais desagregadas que antes pela continuação dos mesmos mecanismos que vamos descrever a seguir.
A maior parte das atrizes hoje em dia precisa participar de gravações de cenas cada vez mais e mais extremas e fisicamente e mentalmente danosas apenas para fechar as contas em uma indústria em que elas frequentemente se encontram forçadas a permanecer. Essa é uma tendência que se mostra cada vez mais verdadeira e universal dentro da indústria da pornografia — e a situação está apenas piorando.
O preço de piratear pornografia, e o peso que isso tem na produção
Era uma vez, a pornografia costumava ser aquela indústria lucrativa para todas, se não para a maior parte das pessoas envolvidas. Revistas de conteúdo explícito eram máquinas de lucro bastante confiáveis. As bem conhecidas apesar de limitado número de atrizes podiam chegar a serem multimilionárias, gerando o bem conhecido estereótipo de atriz pornô rica e ‘glamourosa’. Mas tudo isso mudou, como quase tudo, desde que a internet se tornou o principal jogador no meio da indústria pornográfica.
As formas pelas quais a internet tornou a pornografia menos potencialmente lucrativa são diversas: primeiramente, os chamados sites de stream (ou “tubes”) se baseiam fortemente em conteúdo pirateado, o que significa menos dinheiro disponível para ir parar na mão dos atores — que estão quase no final da lista de ganhos, depois dos produtores, diretores, entre outros. Percebe o efeito dominó?
Para dar um contexto, o maior jogador no negócio da pornografia online é por muito a MindGeek, cujos ramos incluem o Pornhub, o RedTube e o YouPorn (assim como outros grandes nomes da indústria pornô como a Playboy), e outra dúzia de ramos menores. Embora a MindGeek tenha começado com vídeos pirateados dos criadores de conteúdo, nos últimos anos ela começou a comprar alguns desses vídeos. Embora isso pareça um movimento positivo contra a pirataria, seu modelo de negócios já foi apelidado de “ecossistema vampiro”, porque os sites tube e a MindGeek são quem realmente se beneficiam dessa troca.
Por exemplo, os produtores criam vídeos para a venda ou distribuição com o único propósito de serem colocados em sites de conteúdo gratuito, e a MindGeek ganha um retorno muito maior do que o gasto através dos ads e propagandas que vincula nas páginas — ganho que não é revertido em nada para ninguém envolvido na produção dos vídeos. É uma situação onde os ganhos dos produtores são mantidos baixos, mas onde eles sabem que, ao mesmo tempo, eles faliriam sem a ajuda dos sites gratuitos.
Os estúdios podem tomar ação legal contra os sites de stream, mas isso leva tempo e consome dinheiro, e no final das contas frequentemente não vale a pena para eles. Nesse cenário, várias atrizes estão abraçando modelos de venda baseados em assinaturas, onde elas filmam suas próprias cenas e as vendem em alguma plataforma que exige uma adesão de usuário e/ou uma assinatura periódica, mas isso geralmente funciona apenas para atrizes bem conhecidas, deixando atrizes com nomes menores trabalhado em estúdios com a esperança de fazerem algum sucesso.
O OnlyFans é uma plataforma de conteúdo adulto que atrizes independentes e modelos estão utilizando para fugir do meio da grande produção da indústria da pornografia, mas mesmo sites nesse formato possuem muitas desvantagens significativas e lados obscuros da demanda como nas gravações em produtoras, além de custos associados.
A dor paga mais
A proliferação de pornografia facilmente acessível através da internet tem ainda outro efeito colateral inesperado.
Com os lucros das produtoras caindo, as atrizes estão sob cada vez maior pressão de filmarem mais e mais atos extremos e desviantes, porque esse tipo de cena gera mais lucro. Pra dizer de forma crua, dor gera lucro.
Uma cena contendo atos extremos e violentos pode pagar à atriz de $1,200 a $2,400 dependendo do ato, enquanto cenas “normais” podem pagar a uma atriz $800 ou menos. É fácil ver, então, como uma atriz em situação mais vulnerável pode acabar atuando em cenas cada vez mais e mais extremas, humilhantes e abusivas, mesmo que elas não estejam confortáveis com elas, e mesmo que um bom pedaço de seus ganhos acabe sendo usado para pagar contas de consultas médicas ou medicamentos como resultado.
Cada vez mais, não existe algo como uma atriz pornô “regular” — existem aquelas que aceitam participar de gravações cada vez mais e mais violentas e extremas para sobreviver e se manter provavelmente por alguns anos se tiverem sorte — e existem aquelas que não têm essa sorte, e se encontram às margens de uma indústria sem verem saída dela e tendo muito poucas opções, quando não acabam desenvolvendo doenças, vício em substâncias ou até mesmo cometendo suicídio. Enquanto esse ciclo ocorre, ele alimenta e nutre uma demanda por material crescentemente abusivo e cenas cada vez mais extremas e mais desviantes, que devem ser produzidas para que o negócio seja lucrativo para os diretores, estúdios e sites.
Construir um currículo que inclui cenas mais extremas pode ser mais lucrativo para a atriz, mas uma vez que uma atriz tenha dito “sim” para fazer uma cena violenta ou abusiva uma vez, elas geram um precedente para cenas futuras que a colocam em um novo padrão onde ela passa a se embrenhar em território cada vez mais extremo e danoso para si.
Existe também um número de relatos na indústria pornô de atrizes que consentem antes de uma filmagem em gravar cenas contendo atos sexuais mais “selvagens”, mas que terminam sendo exploradas e abusadas mesmo depois de terem consentido com os atos extremos.
É quase impossível para o corpo de uma atriz se equiparar à demanda, e frequentemente isso é tão difícil mentalmente e emocionalmente quanto o é fisicamente.
Um ciclo do qual você não pode escapar
Não é muito difícil entender como uma atriz pode ser sugada por esse sistema, especialmente quando ela é jovem e na esperança de fazer um nome para si mesma de alguma forma. Mesmo na mente das mulheres jovens, o velho estereótipo de atriz pornô ainda paira.
As verdadeiras “estrelas”, aquelas poucas mulheres que estão no mais alto nível da indústria e que têm a maior habilidade de realmente escolherem as cenas que fazem e construírem um negócio fora da indústria, podem chegar a fazer dinheiro, e conseguir lucrar mais de $350,000 por ano. De outro lado, a atriz pornô “média”, que consiste na esmagadora maioria das mulheres no mercado do sexo, (mulheres ganham mais nesse meio que homens) hoje em dia talvez lucre $50,000 ao ano, e é frequentemente responsável pelos custos de grande parte de suas viagens, maquiagem, publicidade e outros gastos relacionados ao seu ‘trabalho’.
Então, levando em conta todos esses gastos, se elas estão fazendo múltiplas cenas em uma semana, na realidade estão gastando alguns milhares a mais no final das contas, e lucrando bem pouco a mais.
De acordo com Rashida Jones, a produtora e diretora do documentário da Netflix Hot Girls Wanted,
“O pagamento pode ser de $800, $1,000 a gravação, mas elas ainda devem pagar pelo cabelo, as unhas, a maquiagem, a viagem, as roupas — ainda, elas estão tentando viver de uma forma com algum luxo, então no final das contas acaba quase não fechando as contas. Não vale a pena. Então você começa a ter que fazer algumas negociações consigo mesma, ‘Eu faria pornografia de tortura? Eu gravaria algum tipo de fetiche? Eu faria… orais forçados?’, ou outras coisas que você nunca esperava fazer.”
Levadas ao extremo
Existem inúmeros relatos documentando casos de atrizes que começam a fazer pornografia depois de promessas falsas de fama e fortuna, ou porque são enganadas, coagidas e forçadas a filmarem.
Cada vez mais frequentemente, as atrizes precisam se voltar para trabalhos de acompanhantes ou para prostituição apenas para fecharem as contas. E essa é uma diferença dramática de como as coisas eram 15, 20 anos atrás.
É 2020, vivemos em uma era digital, e a pressão para lucrar apenas aumentou — e isso modificou a indústria de uma forma que está causando danos físicos, mentais e emocionais reais e duradouros nas pessoas que são sugadas para o ciclo de crescente violência, exploração e abuso desse mercado.
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Traduzido livremente por mim. ❤ Nina Cenni
Link para o original.
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