Amores introvertidos (Coletânea)

Coletânea de poemas (de minha autoria) para introvertidos que querem (voltar a) amar

Bruno Oliveira
Reflexões
10 min readSep 15, 2021

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Um ser introvertido pode amar? Tanto faz, todas as formas de amor estão em nós: os amores extrovertidos, introspectivos, os amores alegres — e os tristes também. Amores de fevereiro, amores de uma vida toda. O amor começa, mas nem sempre termina. Ou termina antes de realmente começar.

O amor é combustível das artes, alimento dos poetas, ópio dos amantes, parte importante dos cuidadosos, é achar o que é da gente. O amor dá sentido ao tempo. O amor bate na aorta.

O amor é o outro. E a gente também. Menos para o introvertido. Esse ser que não extravasa, que não interage, que não vive a vida de alardes. O amor se esconde, mas transborda por todo o corpo — mãos, pés, mente… Os amores introvertidos são diferentes, profundos, sofridos mas igualmente verdadeiro a quaisquer outros amores.

Alguns dos poemas que escrevi são (vou sempre atualizando esta coletânea com poemas que eu for escrevendo ao longo do tempo):

Divã do Amor Obscuro

Seu amor é obscuro, me consome
enche minha loucura de palavras
traz-me o choro noturno da minha alma
preso no cárcere da noite mais densa

Entre o que quero e o que queres
está o tempo destroçado na relva
com as folhas do meu outono alienado
em meio as ruínas do meu peito oprimido

Mas, pronto! Tenho medo de perder a maravilha
quero que tu me ames e me chores
entre a serpente e a espada
tu és cruz em minha dor molhada

Tua voz me hipnotiza, rega a duna do meu coração
voz, doce e longínqua, quente voz de gelo
longínqua e doce voz obscura e dissimulada
ponho-te em um divã, quero trocar-te confidências

Aqui jaz meu coração trespassado em meu peito
palavras confinadas, silêncios de um lírio maduro
teu espírito exala nudez em perfume de magnólia
quero chorar, às três ninfas, porque tenho vontade

Mesmo sem sono, sonho sua presença
eu te sofri, rasguei minhas veias
afogo-me neste pranto de sangue
esta dor, que já foi só uma ideia

O falso fuzilamento e as inspirações para os gazéis e casidas no Tamarit — uma homenagem à Lorca

Neruda

Não escreverei os versos mais tristes de Neruda,
nesta noite de céu infinito
escreverei apenas sobre tu e eu
amor meu

Sinto a fome de seu sorriso, de tua boca
Sinto a sede dos mares chilenos
sinto apenas a rosa de sal, topázio ou flecha de cravos
onde apenas poeta do povo me alimenta

Quero, da primavera, as cerejas
e uma cesta de beijos silvestres
e selvagens, como grãos vermelhos de trigo
vou te colher, e beijar a terra

Divido minha alma em todas as coisas
e minha alma se esvai, como orvalho na relva
mas é capaz de provocar a fuga das estrelas
Eu sou o que te espera!

Te amo e não te amo,
como o poeta que se exila mas ama a nação
como o amor dos marinheiros, que amam e se vão
como a embriaguez das ondas, que nos esmaga à pedra dura

Fui teu, foste minha
quando longe, nunca me recordo dos invernos
quando perto, consagro ferida, a primavera

Acabei fundando a minha poesia em solidão,
mas só assim para não ter escrito em vão
posso agora sair para andar e cantar pelo mundo

“Em noite como esta eu a tive entre meus braços. Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito”

Necessidade

Necessidade é aquilo que vem
a metade que falta em mim
quanto mais vasta é essa ausência
mas vasto será o meu coração

Viver gera necessidade
mas viver, quando só a metade
já é assunto que me confunde todo
viver me enche de mim

Querer gera necessidade
mas querer, quando sem liberdade
já é desculpa de quem não sabe querer
querer me enche de mim

Amar gera necessidade
mas amar, quando só propriedade
já não é mais aquele amor
amar me enche de mim

Necessidade,
vem e vai — cheia de si!

As Necessidades de Castello Branco

.amor de Internet

Observo em gadgets
na tela de Pads
nudes dos snaps
ou mando por chats
para tu, se pedes

Dardos na privacidade
dados sem veracidade
boatos em bytes
perdidos nos hypes
de vários sites

Afogo em pop-up
cancelando apps
meu amor em backup
sem azul no zap
ansioso asap

Quando habito só, host
Quando em presença, ghost
sua paixão, meus hits
lucro com seus beats
mas perco Wall Streets

Vivo sob o amor
vivo sob a dor
vivo navegador
vivo sob o ardor
vivo enganador

René Magritte e o novo normal desta modernidade líquida

Amor de fevereiro

O segredo do amor é eliminar as concorrências
vivo os amores de fevereiro
pois se a tristeza não tem fim,
o carnaval sim

Ela gostou de mim! Ela gostou de mim!
não existem palavras para me expressar
então vou deixar por isso mesmo
depois que a música passa
toca o meu coração

sem você o tempo se arrasta
dias são semanas,
semanas, meses; anos, séculos
mas te vivo nos segundos
estes são maiores que tudo

Te conheço em aquário,
mas te espero em peixes
mas o que sobra é apenas a água
da solidão que inunda meus olhos
e alimenta as águas de março

Não Correspondido

O amor não se sabe revelar
mas surge obsessivo,
não a esquece, nem em alto mar

Quer dizer o que sente
mas falha em mentir
esquece o que houve de repente

Mas, se ela soubesse (ah, se ela soubesse)
que bastava apenas um olhar
desses, que de vez em quando, acontecesse

Mas já sinto muito
o sentimento me cala, minha alma nem fala
fico só, esperando o lance fortuito

Desilusão

Anoitece em mim, contra a minha vontade
O silêncio da noite forma pedras
e estas formam muros, fronteiras da felicidade

Quem quase, nunca foi
Quem quase, vive no outono
Quem quase, escorre lágrimas

O amor gera necessidade
o coração se estrepa, mas aprende
a realidade é a decepção de quem não sabe querer

A história terminou, e precisa sair
de dentro da gente
optar pelo amor, é escolher morrer aos poucos

Barra

O amor é sempre assim
quando menos percebemos
chega ao fim

Seguro uma antiga mensagem
ouço o cheiro, vejo o sabor
quero devorar aquela imagem

Seguro um retrato na parede
o tempo é uma desculpa para um abraço
e o motivo da minha sede

Seguro uma lembrança
seguro e não solto
você é o motivo da minha insegurança

Seguro uma dor que não avisa
mas me desmancho
no bater de uma brisa

Seguro o choro,
na verdade, já não seguro mais
perco todo o meu decoro

Meu amor
essa barra,
é difícil de segurar

Memórias

A mente que não registra a vida
se habituou à mesmice

Achava estranho, ver as pessoas chorando
ao ler uma carta, um livro, um filme
mas agora entendo
o poder que as memórias têm em nós
os milagres do cotidiano

A memória é nossa armadura contra o tempo
o que o tempo nos tira,
a memória traz de volta
é o provar de um bom vinho

Como diria a poetiza
o que a memória ama fica eterno
as memórias nos enchem de eternidade
fazem as coisas permanecer além do tempo

As vezes as memórias nos assombram
é difícil se despedir de algo que se eternizou
a saudade dói mais do que deveria,
mas também traz alegrias idas

É a nossa forma de ser eterno na finitude da vida
É a nossa única forma de parar o tempo

À beira da loucura

Ó minha louca na qual enlouqueço
território hostil na minha mente
solidão morna, quarto indecente
primavera sem cor e sem apreço

És uma mulher, cabelos brunos
és uma louca, olhos carvalhos
és um dorso, me deixa em frangalhos
és cigana, lábios oportunos

Teu ar, teu gesto, tua fronte
tua presença voraz e ridente
tua volúpia, eros ardente
teu passo trépido no horizonte

Já fui seu ninfo e súdito real
comoção que traz o vinho
emoção à beira do caminho
sensação ébria sobre a pineal

Eu choro e rogo, você me humilha
deixa me larga e tão funda ferida
deixa me só e sem nada na vida
sofrimento no qual perco a trilha

Afogo em medo a minha alma triste
tempo ateu que desmancha a terra
te odeio e te amo, dilema de guerra
não sei perdoar a quem me feriste

.amor dos dedos

Meus dedos algures que jamais vi
de fronte aos olhos teus em meio a noite
não nos vimos, sinto o amor em ti
as horas me inflige este novo açoite

Estamos há uns bytes de distância
meus apps já estão na busca da sua alma
meu dedo no like de sua instância
just byte me, escrevo com minha calma

Meus dedos tomam coragem e a chama
faço o ritual, entre abraços e beijos
meus dedos correm onde o fervor clama

Minhas mãos escorrem na pele gasta
encontro o amor de uma noite
sucumbo na sua vontade nefasta

O amor introspectivo transborda por cada uma das partes do corpo

Amante

Quem sou eu para falar de amor?

que cobro beijos,
como amantes
e os desejos
em poemas delirantes

sigo a risca,
te beijo e me belisca
desmancho o vestido
até perder o sentido

por você
a rosa, a gueixa
e a queixa:

que abusa e me acusa
em notícia
a carícia
de vontade escusa

cometo o pecado,
respiro e suspiro
transpiro e retiro
amado

não suporto te ver tão feliz
quando rever, por um triz

nada é pra já
destino das nossas vidas
juntos, será?
conversas de botas batidas

“diz, quem é maior que o amor?”

Usucapião

tiro a bermuda, fico sério
meia-luz
ao som de um bolero

sou aquele sol clichê
que só quer se pôr
(em você)

em silêncio me encontro
em silêncio te abro
eu, sem lenço

provo do gosto
cabe na boca
língua no rosto

vertigem
fetiche
the weeknd

nuances e relances
curvas e vulvas
ânus e danos

seu corpo é uma ocupação
que invado e faço
usucapião

tiro a bermuda, fico sério
meia-luz
ao som de um bolero

sou aquele sol clichê
que só quer se pôr
(em você)

em silêncio me encontro
em silêncio te abro
eu, sem lenço

provo do gosto
cabe na boca
língua no rosto

vertigem
fetiche
the weeknd

nuances e relances
curvas e vulvas
ânus e danos

seu corpo é uma ocupação
que invado e faço
usucapião

A sala

cheiro de incenso
tons de nacarado ambar
fuês de café intenso
luzes em neon protocolar
pelo falso de astracan
penumbra esmaecida
tapetes persas das balcãs
pintura craquelê envelhecida
com betume da judeia

a poltrona
100 reais
sento-me
sem centeio
sem tomar
sentido
centro
sensitivo
sinto-me
sentimentos
sensatos
centrífugos
sem ti
sempre
centímetros

tiro a poeira dos móveis
mas não o pensamento
varro o chão
mas não os traumas
limpo o lustre
mas não a consciência
organizo os livros na estante
mas não o coração

Estações de Ismália

sempre soube sobre mim
pele preta, tom de carmim
estou no ápice da solidão
trocar o céu, tocar o chão?

outono

the darkness is coming
a lua foge sem mim

folhas caem em minh’alma
seriam lágrimas do trauma?

você, príncipe do cavalo branco
ou mais um palhaço saltimbanco

inverno

maldição de Hades em vigília
amor que me sufoca e asfixia

meu corpo torna-se um templo jônico
isso seria trágico, se não fosse cômico

Lua que não esconde seu espanto
sobre Perséfone presa no encanto

primavera

não preciso da sua bondade artificial
o sol nasce lá fora, espanta-me o mal

danço com o tempo crescente como a Lua
flores nascem em música que já não é sua

voo junto aos pássaros e com a andorinha
da Campinas que agora também é minha

verão

você é como o Sol de 12:30
queima a minha pele retinta

prefiro a Lua que traz consigo as constelações
quero que Plêiades liberte minhas emoções

renasço ébria em Carnaval sem quaresma
exorcizo-me com fantasia de eu mesma

quando me amei de verdade,
pleno em todo lugar e idade
todo momento era o certo
qualquer alegria era perto

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Bruno Oliveira
Reflexões

Auditor, escritor, leitor e flanador. Mestrando em TI, tropecei na bolsa de valores. Acredito nas estrelas, não nos astros. Resenho pessoas e o tempo presente.