Crônicas do tempo 14:00 — A fruição nas artes

Bruno Oliveira
Reflexões
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3 min readJul 27, 2020

Pensar na utilidade das coisas é uma visão tipicamente burguesa de todos os recursos e influencia o pensamento contemporâneo: sempre precisamos estar medindo, quantificando e qualificando todas as coisas. Como se fosse proibido sentar e não fazer nada. Mas essa visão seria mesquinha e não é capaz de “capitalizar” todas as coisas, ao menos é assim que pensava o poeta curitibano Paulo Leminski: “querer que a poesia tenha um porquê, querer que a poesia esteja a serviço de alguma coisa é a mesma coisa que querer que o orgasmo tenha um porquê, que a amizade e o afeto tenham um porquê. A poesia faz parte daquelas coisas que não precisam de um porquê”. A poesia seria então um “inutensílio”.

Fruição — justamente a falta de finalidade. Só pelo prazer de fazer. Fruir é o contato ao usufruir de alguma coisa. É o prazer que se tem em contato com algo que pode ser bonito, feio, que te traz reflexão — é o contato com o consciente (ou o inconsciente, às vezes). Mesmo sem capital cultural, as pessoas podem ser tocadas, a arte é humana. A mudança do ser humano quando em contato com algo que é belo. A beleza é ao mesmo tempo a representação do perfeito e/ou também aquilo que nos deixa confortável, que nos é agradável. A poesia assume aqui um papel de alimento (para a alma).

E não é porque a poesia não PRECISA ser útil, que ela não possa ter utilidade. Querer ler um poema de Carlos Drummond até ele mudar a sua vida não vai ser uma boa experiência, e provavelmente não vai ser útil também. Deve-se ler Drummond com o objetivo de fruir daquele poema, a mudança da sua vida, ou qualquer outro benefício dessa leitura, é marginal e algo que pode acontecer ou não. Só tempo pode dizer.

Poemas que abordam estas temáticas:

  • O Vazio: A vida moderna nos afasta do vazio. Precisamos sempre preencher os espaços, as faltas que sentimos em nós. Mas o vazio é parte fundamental da vida, e por consequência, parte fundamental da arte. Lidar com o vazio é um bem-estar em vida.

O vazio está nas artes,
está (e não está) nas criações recursivas de Escher,
está nas contemplações de Miyazaki,
está nos não-lugares da Lina Bo Bardi

  • Bossa: dentre tantos estilos, a bossa nova talvez seja a que mais tenha chocado o mundo. Um país como o Brasil, que é famoso pela alegria, dança, barulho e muita bagunça, emergir com uma música sútil, intrinsecamente nacional e que toca a alma de todos de um modo bem brasileiro. A bossa é poesia e sutileza em forma de música, puro deleite.

A vida do poeta tem um ritmo diferente
está sempre na dialética dos extremos
observa a terra, e sente os céus
nessa eterna desventura, de viver
essa tristeza que não tem fim, carnaval
que se acaba na quarta

  • Ode a Drummond: o mestre Drummond é o maior poeta brasileiro de todos os tempos (na minha humilde opinião), a sua resenha sobre os homens, sobre os tempos, a fuga da arte pela arte, mas da tentativa de fazer com que a arte dialogue com a nossa realidade presente, o tempo presente, as pessoas presentes.

Neste mundo caduco, sou um gauche
desafio as pedras em meu caminho
grito minha ansiedade, meu Deus
tenho o sentimento do mundo

“Imagine o artista em um anfiteatro onde o tempo é a grande estrela” (Chico Buarque — Tempo e Artista)

Este post faz parte de uma série de posts denominados “Crônicas do tempo”, um compilado de poesias já publicadas neste espaço e uma dissertação a respeito de uma característica ou fenômeno do tempo. Ao total, serão 24 textos (referentes às 24 horas do dia) e o grande objetivo é registrar uma resposta para algo que as pessoas sempre me perguntam: por que o tempo é tão importante para você? Tentarei responder nessas 24 crônicas (que não são exatamente crônicas).

“Quem um dia irá dizer, que existe razão nas coisas feitas pelo coração” (Legião Urbana — Eduardo e Mônica)

Crônica Passada:

Crônica Futura:

“Penso em você, por entre as telas, pelos quadros de Matisse / Penso em você, em um soneto ensolarado de Vinicius” (Jorge Vercilo — Memória do Prazer)

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Bruno Oliveira
Reflexões

Auditor, escritor, leitor e flanador. Mestrando em TI, tropecei na bolsa de valores. Acredito nas estrelas, não nos astros. Resenho pessoas e o tempo presente.