As Crônicas do Tempo (Coletânea)

Uma coletânea de poesias e reflexões pessoais sobre o tempo

Bruno Oliveira
Reflexões
15 min readNov 17, 2020

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O tempo é um sussurro de segredos. Ao vento. Passa, passaram, passarinhos que cantam os nasceres, passarão a badalar junto com os ponteiros do relógio. Poderia o tempo apontar seu próprio atraso? Essa coletânea de poesias e textos é uma tentativa pessoal e intimista de tentar dar minha humilde, mas devota, opinião sobre o que é o tempo — e seus fenômenos.

“O tempo é um rio que me arrebata, mas eu sou o rio; é um tigre que me destroça, mas eu sou o tigre; é um fogo que me consome, mas eu sou o fogo.” — Jorge Luis Borges

Essas crônicas foram feitas a várias mãos. Mãos dadas. As diversas pessoas que passaram na minha vida nesse meio tiveram, cada uma delas, um pouco de contribuição, inspiração, dedicação e muita paixão. Estas crônicas são dedicadas a todos vocês, a todas esses homens e mulheres presentes, desse meu tempo presente, vamos seguir sempre juntos.

Ao mestre Drummond, que me ensinou a apreciar o tempo presente

Mas, por que Crônicas do Tempo?

Crônico é o tempo, desde os berços ocidentais
Crônica é a enxaqueca, que me acompanha e me motivou a escrever
Crônicos são os problemas que enfrentamos na nossa sociedade
Crônicas são os relatos do nosso cotidiano, a resenha do nosso tempo presente
Crônicas são as saudades pra dedé e os abraços que faltam
Crônica é a voz do Carlos, é o violão do Lucas, que serviram de inspiração
Crônicas são as voltas que a vida dá.

1. O tempo não é aquilo que consta nos calendários ou relógios
2. Devemos contar o tempo, não como segundos que se passaram, mas como experiências que foram vividas
3. Tempo não está relacionado com dinheiro, mas com a arte
4. O tempo é o habitat da mente (e vice-versa)
5. O tempo é o nosso problema crônico!

Essas crônicas não possuem qualquer pretensão que não a do registro. A de registrar vários dos meus pensamentos ao longo do tempo, uma escrito terapia, mas também um compartilhamento de experiências, uma difusão de ideias — para aqueles que se identificam com ela, que tem curiosidade sobre alguns temas ou simplesmente querem fruir sobre algumas palavras. No fim a escrita tem esse grande objetivo, o de fruir, um fim em si mesmo — e este é o fim que eu deu para determinados pensamentos e momento da minha vida. Tem inclusive uma trilha sonora própria.

(Hans Zimmer — Time)

Seção I — O início

O tempo é […] o que mais temos próximo de uma alma. Todas as nossas dúvidas sobre o que o tempo é, […] no fundo é a inquietação que temos com nós mesmos, nossos medos e aflições, que estão impregnados na alma.

POEMAS: Teorias do tempo, Relatividade, Eterno Retorno

É a manifestação da alma / é o conflito com o espaço
é a tradução do movimento / é um trem em ritmo constante

Me perco vendo a alegria das pessoas nos autos de natal, nas nascentes dos rios, nas maternidades — o nascimento é um ato de esperança para as pessoas que o acompanham, mas para quem nasce é o despertar de um sonho, um grito de liberdade.

POEMAS: A Criação, Vida severina ou O nascimento no sertão, O outro

Criar é despejar diversidade ao mundo
apelo de um mundo inesgotável em quantidade
é o puro exercício de consciência / criamos para viver duas vezes
A arte nos faz sobreviver a verdade

Na nossa história, entendemos a nossa vocação cordial, mas estamos sempre em construção, lutando entre as tradições e a nova cultura reconvexa. Dói saber que por muito tempo fomos ninguém, de rechaçadores a rechaçados, fomos obrigados a criar a nossa própria identidade cultural (ainda que ultimamente estejam tentando roubar ela da gente).

POEMAS: História Brasileira, Povo Cordial, Pseudologia Amazônica

As pessoas ali contam suas histórias / do silêncio em flecha que ouve suas preces
da Iara da tez morena, nova Iracema / do tucupi e murupi em cuia de cumatê

Não se conhecer traz aquela sensação de estar triste e não saber o motivo. É uma dissonância cognitiva entre o que você acha o que quer e o que você realmente quer. Levar uma vida superficial é atender somente ao seu subconsciente, e ele sempre tenta o caminho mais simples, não necessariamente o que realmente te satisfaça

POEMAS: Autoconhecimento, Interior Amargo, Aceitação

As respostas não estavam lá fora / procurei-as aqui dentro, em busca de solidez
mas minhas convicções eram dogmas / axiomas de conversas de boteco

A fé é um dos mistérios do planeta. É a forma como cada um de nós enxerga a verdade, é a principal perspectivas que usamos para entendermos aos fenômenos do mundo e a nós mesmos.

POEMAS: Pensamento ateu, Reza, Gaia Ciência

Já fui cordeiro de Nanã / conservo em mim apenas a metade
A metade de mim que é dor / A metade de mim que é gratidão
A metade de mim que é esotérica

O amor dá sentido ao tempo. O amor bate na aorta. O amor é combustível das artes, alimento dos poetas, ópio dos amantes, parte importante dos cuidadosos, é achar o que é da gente. O amor também é ilusão, sentimental, traíra, foge pra nunca mais voltar, e pode ser sexo também (embora esse possa agir sozinho também).

POEMAS: Neruda, (não) Correspondido, Desilusão

Quero, da primavera, as cerejas / e uma cesta de beijos silvestres
e selvagens, como grãos vermelhos de trigo / vou te colher, e beijar a terra

A esperança é a terceira daqueles sentimentos sagrados (junto com a fé e o amor), como diria Suassuna “eu sou fraco na fé e fraco na qualidade, só me resta a esperança. Eu sou o homem da esperança”. E o sagrado, neste contexto, não refere-se apenas a religião, mas a algo que nos toca intimamente, se manifesta na nossa alma e nos coloca em outro patamar.

POEMAS: Esperando, Quanto tempo as coisas levam, Ansiedade

Há o tempo da natureza, universal / somos apenas poeiras das estrelas
mas o meu tempo é emocional / vivo em minhas próprias esguelhas

Há momentos em que passamos a sentir uma das mais vorazes e cruéis chagas do ser humano. Algo que esteriliza o espírito, nos torna pensativo, aborrecido. O que antes existia o amor, agora o coração não mais vibra. O que antes existia a fé, agora nosso organismo não tem mais fibra. O que antes existia a esperança, nossos cérebro já se enevoa. O tédio faz-se presente e ofusca qualquer outra propriedade e fundamento.

POEMAS: A Mosca, Cotidiano, Relógio

Pequena mosca, / vives por si, sem nenhum rompimento
seria eu como tu, ou tu como eu? / apenas um conjunto de ideias e lamento

“Compositor de destinos, tambor de todos os ritmos, tempo, tempo, tempo, ouve bem o que te digo…”

Seção II — O caminho

A solidão talvez seja o maior flagelo da humanidade. Desde os tempos remotos, a maior punição (junto com a morte) que algumas sociedades aplicavam (e aplicam) a seus membros que não atendem as regras é o exílio — isolar a pessoa da sociedade, sair do país, ficar preso em uma cadeia, etc. É contra a nossa natureza, somos seres reconhecidamente sociais. Ficar sozinho sempre foi reconhecido como algo doloroso, talvez a dor máxima, do ser humano. E o principal motivo da solidão ser dolorosa, é que ela te força a olhar pra si mesmo.

POEMAS: Depressão, Fora de Mim, Pauliceia

Às vezes solitude, às vezes solidão / às vezes me basto, às vezes não
sempre as lágrimas, às vezes de chuva
às vezes me olho através dos olhos de outros

A culpa que tira nossa inocência, também deixa nossa cabeça pesada, mancha nossa alma, castiga o nosso caminho. A felicidade definitivamente não reside em pensamento, o tempo nos força a práxi, a agir antes de tudo. O agir consolida a nossa liberdade, precede nossa angústia, precede nossas saudades, é posterior a nossa vontade, a nossa essência. O agir é o que nos define, e a ausência dele, assimilada ou consentida, é a principal razão de nossas dores.

POEMAS: Enxaqueca, Angústia, Cronofobia

As horas são severas, / suspiro o tempo indecente
vejo o infinito em frente / a luta espiritual é implacável

Em meio as dores do tempo, um caminho se torna altamente atrativo: entorpecer-se. Isso já é cantado desde os poetas malditos, e está presente nos comerciais de cerveja. O ideal de felicidade, ou ao menos, o caminho sem dor, parece sempre passar por essas drogas. O capitalismo aprendeu a se apropriar até da felicidade, transvestida de um parnasianismo decadente e torpe. Resta-nos o prazer marginal, a luta contra nós mesmos, o autoconhecimento talvez já não seja suficiente.

POEMAS: Cogumelos, Embriaguez, Ópio

Embriago-me de vinho, / e de poemas, menos os feios
Já tenho o andar das borboletas
oscilante como os taninos em minha boca

Nas nossas vidas por vezes queremos relações mais simples, daquela amizade da infâncias, das brincadeiras nas ruas, das conversas sem precisar de um sentido e profundidade. Aquela amizade pueril. Do interior. Existe uma mística em torno da amizade, e criamos rituais para nos reaproximar dessa experiência sobrenatural. Como nas cirandas que tem função lúdica de aproximar e difundir valores entre uma comunidade. Há quem acredite que os vínculos que criamos nessa vida, se mantém nas próximas. A amizade não existe nem no tempo, nem no espaço.

POEMAS: Meu Sonho, Inoxidável, Saudades Tropicais

Houve um hiato, tão de gaiato
mas o que seria a amizade, se não fosse a liberdade
de deixar ir, sem esperar o porvir

Não que todos os fracassos sejam positivos, isto não pode ser um elogio a mediocridade. Isto é uma tentativa de quebra de paradigma, como diria Beckett: “Você tentou. Você falhou Tanto faz. Tente novamente. Fracasse novamente. Fracasse melhor”. Se frustar faz parte da vida, não podemos nos tornar fracassofóbicos, precisamos incorporá-los no nosso modo de vida, e usá-los a nossa favor. Mas dói. E como dói. Mas só essa dor para que possamos questionar os valores e fundamentos em que estamos inseridos, e podemos melhorá-los nesses momentos, podemos fracassar melhor, até obter o relativo sucesso.

POEMAS: Dia da marmota, Fracasso, Girassóis

A terra tornou-se estéril, a enxada já não serve
a praia entrou em maré alta, a boia já não serve
a praça está vazia, os milhos já não servem
o céu agora é indiferente, as estrelas já não servem
a mente destroçada, os pensamentos já não servem

A minha experiência pessoal também indica que pessoas que ficam menos sozinhas, socializam mais e tem relacionamentos mais positivos tendem a ser mais felizes. O fator social é algo visceral para o ser humano, faz parte da nossa natureza, das nossas origens. E não falo aqui de quantidade, mas de qualidade nesses relacionamentos. Estar rodeado de emoções positivas é um fator importante. Outra questão que me parece importante e hoje é bastante cooptado pelas empresas que querem os melhores talentos é a questão do propósito e significado — fazer as pessoas trabalharem pelo que acredita, como se tudo o que fizesse tivesse um significado maior, uma missão a ser cumprida. Isso serve como um escudo muito bom contra as dores da angústia e outras mazelas e frustrações que enfrentamos na vida

POEMAS: (Re)Significado, Felicidade , Dona Maria

Há alguns momentos
que são extremamente curtos
mas arriscamos nossas vidas por eles
em plenitude clara e súbita

Pensar na utilidade das coisas é uma visão tipicamente burguesa de todos os recursos e influencia o pensamento contemporâneo: sempre precisamos estar medindo, quantificando e qualificando todas as coisas. Como se fosse proibido sentar e não fazer nada. Mas essa visão seria mesquinha e não é capaz de “capitalizar” todas as coisas […]

POEMAS: Ode a Drummond, Bossa, O Vazio

Neste mundo caduco, sou um gauche
desafio as pedras em meu caminho
grito minha ansiedade, meu Deus
tenho o sentimento do mundo

O mundo lá fora muda tão rápido, nos força a se adaptar de maneira tão frenética, já não sei se sirvo ou se sou servo. Viro ninguém, querendo voltar a um passado que não existe mais, e fugindo de um futuro altamente incerto. O presente é o purgatório dos mal-sucedidos, se é que é possível ter sucesso nesses nossos tempos.

POEMAS: A velha infância, Medo, Zeitgeist

O bardo tenta fazer sua própria justiça
também canta o velho gasto e o gosto novo
luta cotidiana de ideias mestiça
hoje, viver é um ato de coragem

“O tempo não para, dias sim, dias não, eu vou sobrevivendo sem nenhum arranhão…”

Seção III — O final

Mas no fim, o objetivo de todos é ir embora para Pasárgada, como já diria Bandeira: “lá sou amigo do rei, lá tem a mulher que eu quero, na cama que escolherei”. O que nos move é a potência da vontade, o puro desejo de ter e/ou ser algo, buscamos nosso próprio horizonte.

POEMAS: Janela, Deriva, Necessidade

Perambulo em beats
quando os bits e bytes me deixam
vagueio as plataformas
que os vagões não habitam

Como diria o Rappa, “o nascimento de uma alma é coisa demorada não é partido ou jazz”. Temos que parar de julgar o (nosso) passado, hoje temos informações que não tínhamos naquela época. Somos mais maduros, experientes, mas não menos crianças. Precisamos nos dar crédito por ter tomado boas decisões, ainda que por várias vezes não a tenhamos tomado. Também podemos evitar nos compararmos a outras pessoas, a outras situações e cenários

POEMAS: Ozymandias, Trajetos franceses, Divã do Amor Obscuro

Tua voz me hipnotiza, rega a duna do meu coração
voz, doce e longínqua, quente voz de gelo
longínqua e doce voz obscura e dissimulada
ponho-te em um divã, quero trocar-te confidências

A saudade é o preço que se paga por momentos inesquecíveis. E normalmente ela tem nome, sobrenome, altura, cheiro, calor e as vezes um sorriso inesquecível. Dá um calor no coração quando ouvimos de alguém que fizemos falta. A saudade é um espaço no coração, com alguns nós na garganta, que comumente só é preenchido por lágrimas. As vezes suspiros. Nada que um abraço não cure, mesmo depois de tanto tempo. Quando sinto saudades, carrego o pedaço de alguém comigo — é estar perto e longe ao mesmo tempo.

POEMAS: Caixeiro do tempo, Casa Vazia, Sonhos & Barros

Fico alheio a mim
A saudade torna-se presente
Passo nos quartos vazios
Na esperança das lembranças conversarem comigo

Somos eternos enquanto duramos, nas letras da bossa nova encontramos um espaço nas artes para nos mostrar como alcançamos essa imortalidade. O passado, presente e futuro se misturam em meio a eternidade, as memórias se perdem na nossa noção do tempo. O que o tempo nos tira, a memória resgata. O que o tempo nos coloca, a memória registra (e esquece, quando possível). Recordamos e somos recordados nessa eterna luta pela sobrevivência, de sermos mais persistentes do que o tempo nos permite ser.

POEMAS: Eternidade, Memórias, Feynman

A memória é nossa armadura contra o tempo
o que o tempo nos tira,
a memória traz de volta
é o provar de um bom vinho

Por onde o tempo passa, nada fica indiferente. O tempo destrói, constrói, transforma, deixa seu resquício em tudo que sobrevive. Os espólios do tempo são muitos e são diversos. Nós somos a prova viva disso, e também carregamos vários traumas disso. Olhamos para nós e vemos várias representações dessas passagens: tanto representações físicas, como cicatrizes, marcas de sol de viagens a praias, cortes de cabelo mal feitos que cobram seu preço até hoje; até representações mais internas e abstratas, como pensamentos, reflexões, saudades e outras tantas coisas que tiram nossos ais.

POEMAS: Relicário, Barra, Silêncio

As praças voltam a ter alguém
as solidões voltam a ter alguém
as estatísticas voltam a ter alguém
o amor continua a não ter ninguém

Gratidão é o esforço do reconhecimento, uma aventura em si mesmo, atenção ao que merece valor. É acima de tudo um reconhecimento — do esforço, do processo, das limitações, de tudo que há de bom e ruim, em equilíbrio. É entender tudo como dádiva, tudo que te fortalece, tudo que o engrandece, tudo que o torna quem você é — e você passa a ter orgulho disso.

POEMAS: Replicante, Pôr-do-Sol, Gratidão

Gratidão é aquele momento
que olhamos para o céu
e ele olha de volta para a gente
e só nos resta abrir um grande sorriso

E não estamos acostumado com a perenidade da vida. Queremos que algo dure para sempre, mas nem nós mesmo iremos durar. Temos clareza sobre a morte como algo definido em nossa jornada, enquanto humano, mas, não fazemos essa análise no nosso inconsciente, pois, no inconsciente, somos imortais. Mas o fim é um ponto de inflexão, nem sempre é a conclusão de tudo. Nem sempre o fim é morte.

POEMAS: Luto, Farewell e Réquiem

Me despeço,
encaro as minhas feridas
também minhas dúvidas,
já sinto saudades, confesso

O mundo não para. É como Galileu mencionou durante sua execução: E pur si muove! As coisas continuarão girando, continuarão sendo o que elas são mesmo com o que for que acontecer conosco. Somos feitos de poeiras de estrelas, insignificantes no meio do universo, e voltaremos a ser isso depois.

POEMAS: O testamento, A estação, Lotado

Adorava as reticências que eu colocava
sem me dar conta de que precisava de um ponto final
o desespero de evitar o fim
não o evitará de acontecer

“Se o vento te levou, o tempo é sua morada”

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Bruno Oliveira
Reflexões

Auditor, escritor, leitor e flanador. Mestrando em TI, tropecei na bolsa de valores. Acredito nas estrelas, não nos astros. Resenho pessoas e o tempo presente.