A economia da distração

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe
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8 min readMay 8, 2023

A chamada “economia da atenção” já é uma expressão bastante conhecida e usada — eu mesmo escrevi um artigo sobre o tema em 2020. A ideia do termo é que, em um mundo no qual temos infinitas possibilidades do que fazer, a qualquer momento, a um clique de distância, a atenção se tornou o bem mais valioso e conquistá-la o objetivo de tudo e de todos. Porém, se somos bombardeados com informações e estímulos a todo instante, é cada vez mais difícil se concentrar em algo ou alguém. Por isso, ultimamente tenho pensado se “economia da atenção” é o termo correto; na minha visão, não. Para mim, estamos vivendo a “economia da distração”.

Para explicar meu raciocínio, vejamos algumas informações interessantes, a primeira o tempo de atenção. Basicamente, é o tempo que uma pessoa consegue manter a concentração em uma determinada tarefa. Há alguns anos viralizou uma suposta pesquisa, que afirmava que o tempo médio de atenção atualmente é de 8 segundos, menor que de um peixe. Porém, tal “pesquisa” era fake. Em janeiro deste ano, no entanto, Gloria Mark, doutora em psicologia pela Universidade de Columbia, nos EUA, lançou “Attention Span: A Groundbreaking Way to Restore Balance, Happiness and Productivity”; no livro, a autora escreve que o tempo de atenção caiu de 2 minutos e meio em 2004 para apenas 47 segundos atualmente. Mais do que isso, uma vez interrompido o foco, demora-se em média 25 minutos para retomá-lo. E são muitos pontos de interrupção.

Whatsapp, email, Instagram, TikTok, Twitter, Facebook, LinkedIn, Youtube, Spotify, apps de notícias… Se você é uma pessoa “normal”, é bem provável que tenha conta em todos ou em grande parte destes serviços acima — além de outros tantos mais. E provavelmente tem estes aplicativos baixados em seu smartphone, com notificações ligadas, sem contar as vezes que checa as redes sociais para ver o que outros estão postando e notícias para se manter atualizado.

Os números de tempo gasto em frente a telas refletem isso. Em abril, a ElectronicsHub publicou artigo com dados relevantes: levando em consideração uma pesquisa do The Economist, estima-se que, em média, uma pessoa passe 17 horas acordada por dia. Segundo a ElectronicsHub, a média global de tempo gasto em frente a telas é de seis horas e 37 minutos, ou seja, quase 40% do tempo que se passa acordado é em frente a uma tela, como um computador, um smartphone ou um tablet. E esse percentual varia de país para país. No Brasil, por exemplo, são incríveis 56,61%, divididos entre smartphone (32,46%, o 2º país no mundo) e computador (24,15%, 5º país no mundo). Outra pesquisa, realizada em 2022 pela Atlantico, um fundo de investimento, mostra números ainda maiores por aqui, com a média diária do brasileiro usando a internet em 10.3 horas, que dariam 61% do tempo acordado.

Claro que estar em frente a uma tela não quer dizer estar distraído, afinal muitas pessoas trabalham usando um computador e/ou um smartphone. Mas estar com acesso fácil a outras opções no mesmo aparelho certamente contribui para tal. No supracitado livro de Gloria Mark, ela comenta que, em média, verificamos nosso email 77 vezes ao dia. Dividindo isso pelo número de minutos que passamos acordado (17 horas = 1020 minutos) veremos que checamos o email a cada 13 minutos. E isto é só o email. Uma pesquisa da Business of App mostra que uma pessoa nos EUA, em média, recebe 46 notificações push por dia. Somos impactados com cerca de 4 mil anúncios diariamente. Já a Tekmark, em 2014, publicou que os britânicos, em média, pegam o smartphone 221 vezes ao dia. Lá se vão quase 10 anos e de lá para cá o consumo de internet móvel só cresceu, até pelo aumento considerável da oferta de novos aplicativos. Ou seja, certamente este número atualmente é bem maior.

Imagem gerada por IA generativa, via Stable Diffusion

Multitarefas

Uma das principais consequências de estarmos constantemente sendo bombardeados com informações é a falta de tempo para dar conta de tudo. Todos temos apenas 24 horas por dia, independentemente de quem somos. Quando temos essa sobrecarga de informação e tentamos acompanhá-la, acabamos sofrendo com estresse e crises de ansiedade. Um fenômeno cada vez mais comum é o de fazer várias coisas ao mesmo tempo, o chamado “multitarefar”. Neste momento, por exemplo, eu aposto que você está lendo este texto pausando a leitura para ver outras coisas ou ao menos pensando em outras tarefas que precisa fazer ao longo do dia. É muito difícil manter o foco para completar algo de ponta a ponta sem interrupções.

Em 2015, uma pesquisa da Activate.com mostrou que os americanos, em média, fazem atividades 31 horas e 28 minutos por dia, ou seja, durante sete horas e 28 minutos do dia eles estão fazendo mais de uma coisa ao mesmo tempo. Como estamos oito anos à frente e de lá para cá, como mencionei anteriormente, a oferta do que fazer e o consumo aumentaram, é bem provável que o número de horas multitarefando tenha crescido também. Porém, diferentemente do que muita gente acredita, ser uma pessoa multitarefas não é bom, tanto em termos de produtividade quanto em saúde.

Cientificamente falando, até o emprego da palavra multitarefa é errado, uma vez que nosso cérebro não tem estrutura cognitiva para cumprir duas ou mais tarefas ao mesmo tempo. O que fazemos é trocar entre tarefas rapidamente e, apesar de ser algo em frações de segundo, há déficits consideráveis (chamadas de custos de troca) em performance neurológica, que podem resultar em mais erros. Há estudos que apontam até 40% de perda de produtividade quando se tenta fazer muitas coisas ao mesmo tempo. É algo lógico; só pensar nas vezes que você estava, por exemplo, assistindo a um filme, olhou o smartphone para checar uma mensagem e teve que retornar para ver o que aconteceu. Imagine isto no trabalho, a quantidade de tarefas malfeitas por falta de atenção e entendimento adequados, fruto de uma mente que tenta se dividir para atender a várias demandas.

Quando falamos em saúde, também há preocupações consideráveis com multitarefar, especialmente entre os mais jovens. Estudo publicado pela Associação Americana de Pediatras em 2017 apontou que, por terem cérebros ainda em formação, crianças e jovens adultos com altos níveis de práticas multitarefas apresentaram diferenças em cognição (ex: pior memória), comportamento psicossocial (ex: aumento de impulsividade) e estrutura neural (ex: volume reduzido no córtex cingulado anterior), sem contar problemas acadêmicos. Outro estudo, de 2018, com adolescentes entre 15 e 16 anos de Los Angeles mostrou correlação entre o uso exagerado de mídias digitais e sintomas de TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) pelo fato destas mídias serem atividades de estímulo intenso. Há, inclusive, quem relacione o crescimento exponencial em diagnósticos de pessoas com TDAH e o aumento do uso de telas e mídias digitais. Entretanto, não são só jovens que podem ter problemas; adultos também apresentam níveis elevados de ansiedade quando passam a realizar multitarefas.

Credit Dan Sipple — Alamy Stock Photo

O pecado original da internet

A primeira vez que li o termo “Distraction Economy” foi em um artigo do Shumon Basar, na Zora Zine. Nele, o autor escreve: “A economia da atenção foi renomeada para descrever com mais precisão seu mecanismo de trabalho e objetivos: o de aproveitar a fraqueza das pessoas por uma distração sem fim impulsionada pela dopamina”. O modelo de negócio da internet é baseado basicamente em manter as pessoas atentas (ou distraídas?) pelo máximo de tempo possível; as próprias plataformas são desenvolvidas pensando nisso, com seus mecanismos de curtidas, comentários e reposts, que entregam a supracitada dopamina de forma contínua no cérebro dos usuários. Aliás, quando se fala em UX (user experience) não está se pensando em melhorar a experiência do usuário porque se quer o bem dele e sim para que ele fique cada vez mais preso dentro de um ecossistema.

Este modelo de negócios baseado em atenção surgiu por conta de algo que Marc Andreessen, lendário fundador do Netscape (um dos primeiros navegadores) e da a16z (um dos maiores fundos de venture capital do mundo), classifica como o “pecado original da internet”. Segundo Marc, como a internet não foi construída com pagamentos integrados à sua infraestrutura, por uma série de motivos, a monetização da Grande Rede foi dominada pela publicidade, o que passou a ditar não só o design das plataformas como o tipo de conteúdo oferecido. Não à toa temos hoje redes sociais e websites infestados dos chamados clickbaits, as armadilhas para se gerar cliques usando truques sujos, como títulos propositalmente mal escritos ou com informações incompletas/ambíguas; notícias com conteúdos superficiais; e posts polêmicos, muitas vezes estimulando sentimentos negativos, como divisão entre pessoas, ódio e intolerância contra opiniões contrárias. Se engajamento gera dopamina e cliques geram dinheiro via anúncios, a busca por eles é incessante.

E se a internet está cada vez mais cheia desse tipo de coisa, cria-se um looping infinito do qual as pessoas não conseguem sair, pois sempre haverá uma barra de rolagem pronta para te entregar algo capaz de mantê-lo por mais alguns minutos por ali. Com algoritmos mais poderosos tudo isto só se intensifica. Porém, como estamos falando de, em sua maioria, conteúdos que demandam cada vez menos capacidade intelectual para reagirmos, apenas impulso, não acredito que estejamos colocando nossa atenção neles; estamos simplesmente nos distraindo, mais e mais. Daí o termo “Economia da Distração” em substituição à “Economia da Atenção”.

Como quebrar isto? Do lado das pessoas, é necessário disciplina para tentar manter o foco em apenas uma atividade. Aí entram escolhas, como retirar qualquer tipo de notificação do smartphone; bloquear determinados aplicativos em determinados horários; dividir o dia em “blocos de concentração”, nos quais não há interrupções…

Já do lado das marcas, a convenção diz que é preciso jogar este jogo para se manter em evidência, afinal, se não for feito, um concorrente o fará e terá vantagem. Mas por que somente apelar para distração? Por que não tentar ganhar o público com outro tipo de oferta, como conteúdos relevantes e construtivos, relacionamentos mais próximos, em comunidades, participação ativa na criação de novos produtos…? Dá mais trabalho, demanda mais tempo, mas certamente é uma forma de se distinguir de verdade em meio à “epidemia de distração” que vivemos e conseguir capturar de fato a atenção das pessoas. Não só vale a tentativa, como acredito que este será cada vez mais um diferencial na relação entre marcas e seus clientes/fãs.

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Felipe Ribbe
Felipe Ribbe

Former Director Brazil at Socios.com and Head of Innovation at Clube Atlético Mineiro