Blockchain, autenticação e produtos “figitais”

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe
Published in
5 min readJan 18, 2023
Reserva Spriz

A tecnologia blockchain tem diversas aplicações que vão muito além dos colecionáveis digitais. Em minha última coluna por aqui, escrevi sobre venda de ingressos e como a transformação destes tickets em tokens pode eliminar a falsificação e controlar a ação de cambistas. Hoje, falarei sobre outras aplicações com bastante potencial: autenticação de peças esportivas e produtos “figitais”.

Autenticação de peças esportivas

Antes de entrar no assunto, vale relembrarmos que uma blockchain é uma rede pública e imutável, ou seja, todos os registros feitos nesta rede são permanentes, além de serem transparentes, verificáveis por qualquer pessoa. Por conta disto, a tecnologia tem como uma de suas principais funcionalidades a capacidade de autenticar transações; logo, vem sendo aplicada, por exemplo, na gestão de cadeias de suprimentos e no registro de contratos e outros documentos no mercado imobiliário. Porém, também há um movimento grande para usar blockchain na autenticação de produtos físicos, inclusive dentro do esporte.

Estima-se que, somente em 2021 no Brasil, a pirataria causou um prejuízo de R$9 bilhões às empresas de material esportivo. Claro que, infelizmente, muita gente opta por comprar produtos piratas. No entanto, há também inúmeras pessoas que o fazem sem saber que estão adquirindo itens não originais, dada a perfeição cada vez maior com que estes itens são produzidos. E é justamente aí que a blockchain pode ajudar. É possível criar um registro em forma de NFT (mais sobre NFTs aqui) de cada produto que chega ao mercado, colocando detalhes, como numeração, data de fabricação, características físicas, entre outros. Neste caso, entretanto, é preciso criar uma ponte entre o produto e a rede, que pode ser feita de várias maneiras. A mais popular delas é usando chips NFC (Near Field Communication) — o pagamento via cartão por aproximação usa a mesma tecnologia, por exemplo. Basta colocar um chip no produto, vinculá-lo ao NFT e pronto: ao escaneá-lo com seu smartphone, você será levado a uma página que mostra todos os detalhes do produto e o token será transferido para sua carteira digital, onde você poderá verificar a autenticidade. Caso queira revender tal produto posteriormente, quem o comprar fará o mesmo processo e o token será automaticamente transferido para a carteira do novo dono.

Quando trabalhei como head de inovação no Clube Atlético Mineiro, em 2021, lançamos a primeira camisa inteligente do Brasil, o Manto da Massa 2; colocamos um chip em cada uma das mais de 120 mil camisas vendidas. Ao escaneá-la, as pessoas eram levadas para o aplicativo oficial do clube, onde tinham acesso a uma área exclusiva, e era realizado um registro da mesma na blockchain, certificando sua autenticidade para sempre.

O valioso mercado de memorabília esportiva da mesma forma poderá usufruir bastante da tecnologia — o amigo Samy Vaisman escreve sobre o assunto aqui na Máquina do Esporte. Estimado em US$26,1 bilhões em 2021, por movimentar tanto dinheiro, acaba atraindo indivíduos mal intencionados, que buscam lucrar oferecendo itens falsos. Para ajudar a solucionar o problema, a Chiliz anunciou recentemente a GameUsed, iniciativa para autenticação na blockchain de itens usados em jogos e eventos esportivos oficiais. Funciona assim: primeiro, o item escolhido (ex: uma camisa usada por um atleta) é recolhido no vestiário e enviado para a sede da Chiliz. Lá, recebe um chip NFC e é criado um NFT o representando digitalmente. Os tokens, que atuam como certificados de autenticidade, são devolvidos ao cliente (no caso, o clube de futebol) para que sejam vendidos ou leiloados.

A pessoa que adquirir recebe o NFT em sua carteira e tem duas opções: se ela vê aquela memorabília como um ativo de investimento — o que muitas vezes é o caso, dado que itens são vendidos por milhares ou milhões de reais -, pode optar por ficar apenas com o token e deixar o item armazenado com a Chiliz, sem se preocupar com as condições de armazenamento, segurança e logística; se ela revender tal item, precisará apenas transferir o token para o comprador, que passa a ser automaticamente o novo dono do bem físico. Se quiser ter o item consigo de fato, ela informa à Chiliz, que “queima” o token e envia o produto para o endereço informado. Um processo bem mais simples, seguro e barato do que acontece atualmente.

Além do NFT, o chip NFC também pode ser vinculado a conteúdos, que aumentam o valor da memorabília. Imagine a camisa de um jogador que atuou em uma final, que possui gols e fotos armazenados, estatísticas da partida e um vídeo do próprio jogador que a usou mandando um recado. O mesmo pode ser aplicado a produtos vendidos em lojas oficiais para torcedores. Pode-se pensar em colocar totens com câmeras fotográficas em estádios, que, ao escanear a camisa, tiram fotos e as armazenam na mesma, criando um histórico de lembranças de todos os jogos que a pessoa foi vestindo-a. Legal, não é? São muitas possibilidades de intersecção entre mundos físico e digital, o que nos leva ao próximo assunto.

Produtos “figitais”

Se emitimos um certificado digital de autenticidade de um produto, por que não ir além, criar um “gêmeo digital” do mesmo e permitir que o comprador possa usá-lo em seu avatar, dentro de um metaverso? Roupas e acessórios 100% digitais já são uma febre, especialmente entre os mais novos. Se você tem filhos, provavelmente sabe que a onda na nova geração é vestir os personagens em games como o Roblox ou Fortnite para diferenciá-los dos demais. Marcas de peso, como Nike, Adidas, Gucci, Lacoste e diversas outras já perceberam isto, e têm lançado de forma recorrente versões virtuais de seus famosos produtos, faturando milhões. Mas a ideia de juntar as versões físicas e digitais (daí o nome “figital”) em uma só ainda está começando a ganhar tração. Aqui no Brasil, a Reserva, pioneira em iniciativas de web3, lançou recentemente o Spriz, o primeiro tênis figital do país. Foram quatro modelos, edição limitada e numerada, que dão ao comprador o par para uso na vida real, mas que também permitem o uso no Decentraland, um dos metaversos mais conhecidos. Há ainda outros benefícios, como uma loja exclusiva para quem tem os tokens, descontos na própria Reserva e mais.

Se a nova geração está cada vez mais imersa em games e as organizações esportivas devem se portar como plataformas de entretenimento para poder atrair estes jovens, faz muito sentido para clubes de futebol, por exemplo, começar a pensar em lançar suas próprias versões figitais. Imagine que ao comprar ou ganhar de presente uma camisa oficial, o(a) jovem possa trajá-la dentro do ambiente virtual, onde talvez passe mais tempo do que no mundo real. Certamente o impacto e a identificação seriam muito maiores.

Sei que para muitos de nós, 35+, isto pode parecer uma grande bobagem, mas lembre-se que, até pouco tempo atrás, redes sociais também eram vistas desta maneira e hoje são parte fundamental de nossas vidas. Por isso vale a pena abrir a cabeça e explorar novas oportunidades de conexão com o fã, mesmo que seja com o seu avatar.

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Felipe Ribbe
Felipe Ribbe

Former Director Brazil at Socios.com and Head of Innovation at Clube Atlético Mineiro