Quanto valem os highlights?

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe
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4 min readFeb 15, 2021

Já escrevi por aqui sobre a Economia da Atenção que vivemos, na qual a infinidade de possibilidades do que fazer, muitas delas na palma da mão, faz com que a atenção seja o bem mais valioso da atualidade. É comum ouvirmos que a Geração Z não tem mais paciência para ficar duas, três horas assistindo a mesma coisa, por isso o sucesso de redes sociais como TikTok, Snapchat e Instagram com seus conteúdos curtos. Mas pensando bem, este é um problema que vai bem além de gerações. Quantas vezes você liga a TV para assistir a um jogo, por exemplo, mas só presta atenção quando há um lance importante? É como se estivesse vendo apenas os melhores momentos ao vivo, pois no restante do tempo o foco está em uma segunda ou terceira telas.

Em 2020, a PwC publicou seu famoso relatório anual sobre a indústria esportiva, com insights interessantes. Por exemplo, o consumo de highlights pelos millennials cresceu 103% nos últimos cinco anos e atingiu a média de 05h43 por semana, se aproximando do consumo de conteúdo ao vivo. Entre os não millennials o aumento foi ainda maior: este grupo consome em média duas horas a mais de highlights por semana do que em 2015, aumento de 138% (imagem abaixo). Outro dado relevante mostra que, entre os tipos de conteúdo com a maior expectativa de crescimento de consumo, os highlights lideraram com folga, sendo citados por 90,5% dos executivos ouvidos.

Em 2019, a agência Two Circles publicou um artigo com projeções importantes. Primeiro, o valor de in-play clips (vídeos postados em tempo real, enquanto uma partida acontece) e de highlights curtos (menos de 10 minutos) vão crescer num ritmo muito mais acelerado do que os direitos ao vivo até 2024. Enquanto o ao vivo tinha expectativa de crescimento de 18,7%, a projeção para in-play clips era de 76% e de highlights curtos de 101%. Porém, o dado mais incrível é que, em 2019, 86% de todo valor recebido por donos de direitos correspondia à venda sobre os direitos ao vivo, mas o fã de esporte, em média, consumia apenas 55% de conteúdo esportivo ao vivo, com expectativa de diminuição para 53% em 2024; o tempo restante é de consumo on demand.

Ora, se um formato de conteúdo é consumido de maneira quase igual ao ao vivo e com um nível de atenção muito maior, qual é o valor justo por ele? Durante anos os highlights foram vistos como algo auxiliar, inclusos “de graça” nos pacotes dos direitos ao vivo. Entretanto, por tudo que sabemos sobre mudanças no comportamento de consumo, é bem provável que hoje, para muitas plataformas, valha mais a pena pagar para ter o crème de la crème do esporte do que pelas horas de conteúdo ao vivo que patinam para “prender” os olhos do público. As quedas de audiência nos esportes americanos em 2020 e 2021 foram acompanhadas de recordes de engajamento e consumo de vídeos nas redes sociais, mostrando que os números de TV, apesar de ainda importantes para o mercado, devem ser analisados como parte de um todo e não isoladamente.

“Eu acredito que a evolução dos direitos esportivos vai mudar a ponto dos highlights se tornarem mais valiosos do que o ao vivo” — Peter Scott, VP de Mídias Emergentes e Inovação da WarnerMedia.

Como as organizações esportivas estão se preparando para esta evolução citada pelo Peter? Quantas delas hoje oferecem ao mercado apenas a opção de compra de in-play clips ou de melhores momentos?

Outro ponto importante é que é muito comum vermos estes melhores momentos sendo distribuídos nas redes sociais por qualquer usuário, de forma gratuita, algo que contribui para gerar conversas entre as pessoas e manter o evento esportivo aquecido. A partir do momento que os highlights se tornam tão ou mais valiosos que o ao vivo, será preciso controlar muito bem o compartilhamento livre pelas redes para se justificar o valor destas propriedades. Mas aí vem a pergunta: vale a pena este trade-off de combater estes compartilhamentos e correr o risco de perder o buzz associado a eles?

Ainda não existe resposta correta para esta pergunta, o que é normal; o que não é normal é o fato de assunto tão importante para o futuro do esporte ainda ser pouco discutido.

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Felipe Ribbe
Felipe Ribbe

Former Director Brazil at Socios.com and Head of Innovation at Clube Atlético Mineiro