Repensando transmissões esportivas II — Novas experiências

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe
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8 min readJun 1, 2020

No primeiro artigo da série “Repensando transmissões esportivas” escrevi sobre a gamificação e como ela coloca o fã em uma posição muito mais ativa e atrativa ao assistir esportes do que o modelo tradicional. Hoje, o foco será em experiências inovadoras, que deixam os espectadores ainda mais próximos da ação em quadras, gramados e afins, e dão a eles controle total sobre o que e como irão consumir.

Fãs no Controle

A personalização é uma das principais características do mundo digital. As pessoas se acostumaram a ter o poder de escolher a forma e o momento que vão assistir a um conteúdo. E como as plataformas de OTT permitem isso, entidades esportivas e detentores de direitos devem aproveitar a oportunidade para colocar o máximo de controle nas mãos dos fãs. Lembre-se de que os mais jovens cresceram com os videogames, onde isso literalmente acontece. Esta customização pode se dar de diversas maneiras.

Em 2018, a NBA ampliou as ofertas do League Pass. Além de pagar um valor mensal e ter acesso a todos os jogos, a liga passou a vender não só partidas inteiras avulso, como deu a possibilidade das pessoas comprarem apenas partes delas. Em 2019, inovou ainda mais ao passar a vender pacotes de 10 minutos por US$0,99, nos quais o fã pode escolher acompanhar quaisquer e quantos jogos ao vivo quiser durante este período. A premissa é simples: por que cobrar o mesmo valor daqueles que querem ver todos os jogos e de outros que só têm interesse pelo próprio time ou pelos momentos finais das partidas? Mais opções, mais consumidores.

Outros exemplos interessantes de personalização vêm da MotoGP Videopass e da F1TV, os OTTs das duas categorias. Ambos colocam os assinantes no papel de diretor de TV, com a opção de selecionar por qual câmera querem assistir às corridas, podendo variar entre elas durante os eventos. Eles podem ainda optar por ouvir narrações em múltiplas línguas ou ficar apenas com som ambiente, tendo acesso inclusive à comunicação entre pilotos e equipes. Isto na TV linear é impossível, mas nas plataformas digitais não faz sentido algum oferecer ao espectador o mesmo tipo de experiência de décadas atrás. Claro que nem todos vão querer, talvez a maioria prefira continuar com o modelo tradicional, mas a customização justamente transforma o querer em poder.

Se os fãs podem escolher as câmeras, também podem ser editores, certo? A startup austríaca SnapScreen criou o Clip Share, uma ferramenta integrada a aplicativos de emissoras ou ligas. Quando um evento ao vivo está rolando, basta abrir o app e aponta-lo para a TV, que a partida é reconhecida no smartphone; este passa a receber as imagens de até cinco minutos antes ao momento da ação; o vídeo pode ser recortado e publicado nas redes (veja abaixo). Já a israelense Pixellot, conhecida pelas câmeras robóticas que automatizam transmissões esportivas, também deixa os espectadores cortarem seus próprios melhores momentos e compartilhá-los em suas redes sociais. Afinal, pessoas diferentes têm gostos e opiniões diferentes. Permitir que cada torcedor possa criar um resumo de uma partida sob sua própria ótica é um estímulo gigantesco para que ele compartilhe este conteúdo com toda a sua rede, gerando visibilidade para a competição. Numa época em que o público tem dificuldades para ficar 90 minutos ou mais dedicado a uma atividade apenas, ter diversos conteúdos menores sendo distribuídos é uma ótima forma de aumentar o alcance.

Escolher câmeras, editar vídeos ou ter diferentes opções de preços para consumir o mesmo esporte são iniciativas que merecem destaque. Mas uma startup indiana quer levar a experiência dos fãs a um outro nível. A Edisn.Ai desenvolveu uma solução para ser instalada em players de OTT que usa inteligência artificial para reconhecer os atletas que estão em ação em tempo real. A partir daí, os espectadores podem ver estatísticas destes atletas na tela, compartilhar lances dos mesmos e, o que considero o mais legal, até adquirir produtos sem sair da plataforma. Imagine ver um jogo do PSG e, ao aparecer o Neymar, você poder colocar o dedo sobre a imagem dele na tela e abrir um leque de opções de compra, como camisa oficial, chuteira e casaco do time francês. Isto abre novas possibilidades de receitas não só para o detentor dos direitos de transmissão, como também para atletas, clubes e ligas. Sem contar no alto valor que estes dados têm. A Edisn.Ai ainda não divulgou oficialmente com quais clientes está trabalhando, mas em seu site oficial afirma que tratam-se de uma emissora de porte na Ásia, além de dois times da NBA e da IPL, a liga de cricket do país. A startup é figurinha carimbada em programas de aceleração conhecidos pelo mundo e, por isso, acredito bastante em seu potencial, principalmente pelo grande valor que ela traz à mesa.

Experiências Imersivas e Novos Ângulos

A realidade virtual é, há alguns anos, apontada como o próximo grande sucesso de mercado. Mas, apesar de muita expectativa e investimento, a tecnologia não decolou, seja porque os dispositivos são caros para o que oferecem, pelas poucas opções de conteúdo de qualidade ou ainda pelo fato de ser desconfortável ficar “imerso” por muito tempo. Em meados de maio, porém, a Apple anunciou a compra da NextVR e a entrada de um player deste tamanho pode ser o que faltava para a RV atingir o mainstream. As possibilidades de se juntar realidade virtual e transmissão esportiva são realmente atraentes. Não só é possível colocar o fã assistindo ao jogo em vários setores de um ginásio ou estádio e cobrar de acordo com o setor (atrás da tabela é um valor, na cadeira colada à quadra é mais caro), como pode-se pensar até em fazê-lo assistir com a perspectiva de um dos jogadores em primeira pessoa — pense em uma microcâmera no capacete ou no peito de um quarterback, por exemplo. Uma parte relevante do público parece concordar com isso, como mostrou pesquisa realizada pela Deloitte em 2018 com fãs das cinco principais ligas americanas.

Transmissões em realidade virtual são realizadas há algumas temporadas, mas ainda têm baixa procura, especialmente pelos problemas listados acima. A supracitada NextVR tem contrato com a NBA para passar um jogo ao vivo por semana no League Pass, além de disponibilizar outras partidas na íntegra, highlights e outros conteúdos imersivos. Também já fez acordos com a NHL, NFL, WWE e US Open, e transmitiu amistosos de futebol. A MLB usa RV em seu aplicativo desde 2017 e a Fox Sports nos EUA também tem um app só para isto. Há muito a melhorar, entretanto, e, mesmo que o mercado ainda seja pequeno, a possibilidade de oferecer aos fãs em suas casas uma experiência audiovisual muito próxima do que teriam nos locais dos eventos faz com que empresas sigam apostando que este é o futuro. Além da entrada da Apple, Facebook (dona do Oculus) e Intel são outros exemplos de gigantes que estão na jogada. A última, aliás, investe pesado na tecnologia com o Intel True VR. Na NBA, por exemplo, são 38 câmeras colocadas em algumas arenas para transmissões em parceria com a Turner. Isto dá aos espectadores a chance de assistir às partidas em alta definição de basicamente qualquer ângulo em uma experiência totalmente imersiva.

Estas câmeras também estão lá por outro nobre motivo: replays volumétricos. Você já deve ter visto em alguns esportes, quando um lance importante frisa a imagem e a gira, dando uma perspectiva 360° do que está acontecendo, estilo o filme “Matrix”. Se não viu, veja o vídeo abaixo, que vale a pena.

O Intel True View está atualmente presente em sete ginásios da NBA. A partir da próxima temporada será instalado no Golden 1 Center, casa do Sacramento Kings, onde haverá ainda um centro de P&D da companhia focado em inovações para transmissões esportivas. O True View também está em 17 estádios da NFL, além dos estádios de Barcelona, Real Madrid, Liverpool, Arsenal e Manchester City, entre outros. A tecnologia foi desenvolvida pela empresa israelense Replay, comprada pela Intel em 2016. A coreana 4DReplay é outra empresa que oferece o serviço e já trabalhou com a NHL, MLB e FIFA, por exemplo.

Além de replays volumétricos, capturas volumétricas também têm sido usadas para enriquecer transmissões pelo mundo criando hologramas de atletas. No Open Championship de golfe em 2019, por exemplo, a Sky Sports criou o SkyScope. Todos os golfistas foram colocados em um pequeno estúdio montado no local, equipado com 120 câmeras 4K. Lá, cada atleta simulou seu swing e as mecânicas foram capturadas em 360°. Durante as transmissões, os comentaristas puderam analisar os movimentos dos competidores por todos os ângulos, dando aos espectadores uma perspectiva que até então não existia (veja no vídeo abaixo). A ação rendeu à Sky Sports o prêmio de Inovação do Ano no SVG Europe Awards.

Algumas empresas oferecem opções mais simples e baratas do que replays e capturas volumétricas. A SponixTech, do Qatar, criou a “Feel the Match Technology”, que coloca o espectador com o ponto de vista de atletas e árbitros em jogos de futebol. A Beyond Sports, da Holanda, faz algo parecido, mas transformando o vídeo da partida em uma animação perfeita. A empresa trabalha com a Fox Sports do país nas transmissões do campeonato holandês.

Com a proliferação de smartphones e o aumento da qualidade das câmeras destes dispositivos, durante e após qualquer evento esportivo hoje é possível assistir imagens de outros ângulos, feitas pelo público presente. Estes vídeos, por capturarem perspectivas diferentes das câmeras de TV, muitas vezes têm mais engajamento nas redes sociais do que o conteúdo tirado das transmissões oficiais. Por que então não experimentar o uso de smartphones para transmitir esporte? Foi o que a NBA fez durante a Summer League de 2019. O jogo Atlanta Hawks x Washington Wizards teve um sinal alternativo totalmente filmado com aparelhos Samsung S10. Até o áudio foi captado pelos dispositivos.

Os ângulos foram diferentes de uma transmissão tradicional, justamente porque a ideia era simular o ponto de vista dos fãs no ginásio — apesar de que operadores de câmera profissionais estavam no controle. Usando uma rede 5G, o sinal dos smartphones foi enviado normalmente à Unidade Móvel e de lá transmitido para ESPN+, NBA League Pass e NBA TV Canadá. A experiência foi tão bem sucedida, que a liga cogita repeti-la em jogos da temporada regular e até colocar ângulos de smartphone em transmissões normais, mesclando com as câmeras tradicionais. Aliás, a popularidade de Instagram e TikTok abre possibilidades de transmissões na vertical, que já foram testadas pela NBA em 2018 e a Bundesliga em 2019.

Como vocês podem ver, há muitas coisas sendo colocadas em prática e várias possibilidades de entregar aos fãs uma experiência única ao assistir esportes. Como escrevi no primeiro artigo, a disputa pela atenção do consumidor é cada vez mais acirrada e só existem 24 horas no dia. Ou seja, é preciso pensar fora da caixa para não ficar para trás.

Artigo I: Gamificação

Artigo III: Megacasts e Watch Together

Artigo IV: Tecnologia potencializando estatísticas

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Felipe Ribbe
Felipe Ribbe

Former Director Brazil at Socios.com and Head of Innovation at Clube Atlético Mineiro