Repensando transmissões esportivas III — MegaCasts e Watch Together

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe
Published in
6 min readJun 8, 2020

Nos dois primeiros artigos da série “Repensando transmissões esportivas”, escrevi sobre gamificação e novas experiências para os telespectadores. Neste terceiro, falarei sobre as megacasts, que permitem alcançar um número maior de pessoas diversificando a audiência, e da ferramenta conhecida como “Watch Together”. Começo pela última.

Watch Together

Assistir esportes sempre foi uma experiência social. Interagimos com familiares, amigos ou até com completos desconhecidos por termos algo em comum que nos une diante daquele momento. Porém, nem sempre é possível estar fisicamente próximos de nossas companhias. Foi pensando nisso que alguns detentores de direitos criaram a Watch Together, uma funcionalidade que permite que pessoas em locais diferentes assistam juntos a um evento esportivo. Os participantes podem conversar entre si por áudio e vídeo e acompanhar suas próprias reações. Imagine uma vídeo conferência no Zoom com seus amigos, mas com a tela principal passando uma partida de futebol. Ao invés de conversar com eles pelo Whatsapp ou outra rede social, você pode interagir diretamente pela tela principal, deixando a experiência muito mais atrativa e com menos fricção. E a imagem é sincronizada para evitar que alguém veja um lance antes dos outros.

A primeira a apostar nisso foi a Eleven Sports, presente em países europeus e asiáticos. Em dezembro de 2018, os assinantes do OTT no Reino Unido e na Irlanda puderam experimentar a funcionalidade em jogos da La Liga. Em 2019, foi a vez de usuários em Portugal e Bélgica. A experiência é exclusiva para quem assina o OTT nestas localidades e foi desenvolvida em conjunto com a startup britânica Reactoo. A BT Sports — em parceria com outra startup da Inglaterra, a Sceenic — e a Sky Sports anunciaram que disponibilizarão aos usuários das suas plataformas digitais a mesma função quando a Premier League voltar, dia 20 de junho.

Tanto a Eleven Sports quanto a BT Sports e a Sky Sports não cobram nada além dos seus usuários por isso, mas dá para imaginar formas de se obter receitas bem interessantes. Para assistir com os amigos é gratuito, mas por que não criar salas privadas e cobrar para assistir com ídolos dos clubes que estão em campo ou outras personalidades? Imagine ver um jogo do Corinthians com o Marcelinho Carioca, do Cruzeiro com o Alex, do Vasco com o Juninho, do Flamengo com o Zico… e poder conversar diretamente com eles.

O Watch Together, em qualquer circunstância, já teria muito valor para os fãs, mas em tempos de isolamento social torna-se uma ferramenta fundamental, que deveria ser adotada por todos os players de OTT.

MegaCasts

MegaCasts — ou Simulcasts — são eventos esportivos que têm duas ou mais transmissões diferentes. A premissa é simples: transmissões com variados estilos agradam diferentes grupos de pessoas; isto aumenta a chance de atrair mais gente e, consequentemente, uma audiência maior.

O termo foi criado pela ESPN, nos EUA, que adotou este conceito para jogos importantes do campeonato universitário de futebol americano, que têm grande apelo no país. Neste dia, a emissora usa todos os seus canais lineares e digitais apenas para transmitir a partida. Em 2020 foi o sexto ano consecutivo que a empresa apostou no formato e o jogo LSU x Clemson teve 15 (isso mesmo, 15!) transmissões diferentes. Teve o modelo tradicional, com narrador e comentarista; um outro mais informal, apenas com conversas entre os participantes; o “Coaches Film Room”, com treinadores e ex-treinadores; um focado em estatísticas e fantasy games; “Command Center”, com vários ângulos de câmeras na mesma tela (imagem abaixo); entre outros. A ESPN deve estender o conceito para jogos da NFL na próxima temporada, segundo a Front Office Sports. A emissora também já fez outras experiências com sinais alternativos, com destaque para as StatCasts da MLB, com especialistas em estatísticas de baseball.

MegaCasts ou Simulcasts não são novidade no Brasil, apesar de ainda ser um movimento tímido. A temporada 2018/2019 do NBB teve a final entre Flamengo e Franca transmitida por quatro parceiros de mídia diferentes: Band, Fox Sports, ESPN e Facebook. A experiência foi um sucesso, com o Facebook da Liga batendo recorde de audiência, mesmo com as três opções disponíveis na TV. Na Copa América 2019, a Globo testou uma transmissão alternativa humorística chamada “Falha de Cobertura”, que podia ser assistida pelo Globoesporte.com. A Globo também inovou no Campeonato Brasileiro do ano passado: o jogo Botafogo x Chapecoense teve um sinal na internet voltado para fãs do Cartola FC.

Um exemplo que elevou o nível de simulcasts é o da NBA em parceria com a Second Spectrum. A empresa usa inteligência artificial e realidade aumentada para inserir informações gráficas na tela em tempo real, como se fosse videogame. Em alguns jogos da última temporada foram disponibilizados três “modos” para se acompanhar as partidas no League Pass: o Coach Mode, com uma visão mais tática, onde a movimentação das jogadas eram desenhadas em quadra; Player Mode, com foco no jogador e a probabilidade de cestas serem convertidas; e Mascot Mode, com animações. Há a expectativa de que todos os jogos tenham estas opções no curto prazo, apesar de ainda não haver uma confirmação da NBA. No Brasil, a startup iSportistics oferece um produto com capacidades similares e acredito que em breve teremos esta novidade por aqui também.

Outro exemplo que vale citar é o da G League na Twitch. Na plataforma, é possível assistir aos jogos da liga com narração e comentarista tradicionais, e com diversas opções de interatividade na tela, por meio da ferramenta Extensions. Porém, qualquer pessoa que tenha uma conta na Twitch pode fazer a própria transmissão em seu canal, inclusive usando o Extensions. No segundo artigo desta série citei players de OTT que deixavam os usuários escolherem as câmeras e até editar os próprios melhores momentos; esta experiência da Twitch coloca mais ainda o controle nas mãos dos fãs.

Uma outra maneira interessante de se ver um evento esportivo é não ver o evento completo, apenas os melhores lances. Explico: a NFL opera desde 2009 o RedZone, um canal digital que, aos domingos da temporada regular, transmite todas as partidas que estão acontecendo ao mesmo tempo, mostrando ao vivo todos os touchdowns e principais lances de cada jogo. São sete horas seguidas de transmissão, sem intervalo comercial. Isso permite que quem esteja assistindo não perca o que há de melhor em cada rodada.

Nesta temporada da Premier League, a Amazon Prime Video comprou os direitos de transmissão de duas rodadas completas. Foram 20 partidas no total em dezembro último, muitas delas ao mesmo tempo. O assinante pôde assisti-las individualmente, mas também teve a opção do “Goal Centre”, onde todos os gols e os melhores lances de cada partida foram passados em tempo real.

Estas iniciativas têm uma boa justificativa: a predileção por conteúdos menores em relação a partidas inteiras é uma tendência, especialmente entre o público mais jovem, e representa (ou pelo menos deveria) uma ameaça para a indústria. Peter Moore, CEO do Liverpool, deu esta declaração em 2019: “90 minutos é um tempo muito longo para um millennial ficar sentado no sofá… Precisamos levar conteúdo em pedaços de 60 a 90 segundos para manter o engajamento deles”.

E se o assunto são os jovens, nada melhor para se aproximar deste público do que os games, não é mesmo? Alguns títulos como Fortnite, Minecraft e Animal Crossing são mais do que simples jogos eletrônicos, são ambientes sociais onde os participantes não só jogam, como interagem entre si. A indústria fonográfica percebeu rapidamente este potencial e realizou shows dentro das plataformas, com avatares de músicos famosos. Dois foram no Fortnite: primeiro, o DJ Marshmello tocou para 10 milhões de pessoas simultaneamente na plataforma em 2019; este ano foi o rapper Travis Scott, que fez um show para 12 milhões de pessoas. No final de junho, será realizada uma rave dentro do Minecraft, com grandes nomes da música eletrônica, como Diplo, A-Track e Bingo Players. Por que não pensar em transmitir algumas partidas dentro destes games também? Confesso que não sei qual seria a viabilidade técnica, mas tenho certeza de que detentores de direitos e produtores de jogos eletrônicos chegariam em um modelo. Seria algo extremamente inovador, que falaria para um público diferente do usual e teria grande potencial de atrair novos fãs.

Artigo I: Gamificação

Artigo II: Novas experiências

Artigo IV: Tecnologia potencializando estatísticas

--

--

Felipe Ribbe
Felipe Ribbe

Former Director Brazil at Socios.com and Head of Innovation at Clube Atlético Mineiro